Já quase ao final do jantar que o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) ofereceu a Joaquim Levy, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) aproximou-se do ministro da Fazenda e falou sem rodeios: “Não é possível o Brasil continuar com esse governo”. Levy e outros senadores em volta olharam assustados, mas antes que alguém se manifestasse o senador por Brasília continuou: “Só há duas alternativa: mudar Dilma para mudar o governo ou Dilma mudar o governo”.
A manifestação de Cristovam não causou surpresa total porque há exatos três meses ele e outros cinco senadores trataram diretamente do assunto com a presidente Dilma Rousseff. A novidade ficou por conta de o senador ter evitado falar na palavra impeachment. De fato, nos últimos três meses, os senadores registram um refluxo da proposta do impeachment, mas paradoxalmente registraram o aumento do reconhecimento de que a Dilma não tem como continuar.
“Essa é a perplexidade”, disse Cristovam ao Valor, ao confirmar o diálogo com Levy. “A sensação é de que o Brasil não aguente mais a Dilma, mas o Brasil não sabe como interromper o mandato da presidente da República”.
Fontes ouvidas pelo Valor no PMDB, no PSDB e até no PT referendaram a avaliação do senador. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), andou ajudando o Palácio do Planalto, como fez ao ampliar o prazo da defesa do governo das pedaladas de 2014, o que o governo acabou não usando. Mas o sentimento geral é mesmo de “perplexidade”.
A diferença registrada nesses três meses era que, no início de agosto, quando se esboçou o pacto de apoio das elites à manutenção de Dilma, a oposição e setores do PMDB estavam em plena ofensiva pelo impeachment. Mas o grupo do governo estava com Dilma. Agora nem o pessoal do PT defende a presidente. E não é só nos bastidores.
Na semana passada, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fez um duro discurso com críticas ao governo, em geral, à política econômica, em particular e o boicote que o PT faz ao ministro Joaquim Levy. Tasso foi aparteado pelos principais nomes do partido, como Aécio Neves, presidente do PSDB, e o senador José Serra, ex-governador de São Paulo e duas vezes candidato a presidente da República. Não houve um senador do PT ou da base aliada que tenha ligado o microfone para defender o governo.
Há quem lembre as situações do Chile, em 1971, e do Brasil em 1964, duas nações rachadas ao meio. No entanto, tanto João Goulart quando Salvador Allende podiam atravessa a rua e jantar em restaurante. Isso não corre hoje no Brasil, onde as pesquisas mostram uma sociedade cindida, 90 a 10, considerado grosso modo a popularidade da presidente da República.
As razões faladas pelos senadores são conhecidas e no geral se referem ao bolso das empresas e pessoas: empresas quebrando, sem dinheiro para pagar o décimo-terceiro, fechado e despedido empregados. São reclamações que chegam ao vivo, pelos eleitores, ou pelo correio eletrônico dos senadores. Todas falam da mesma coisa, desemprego. inflação alta e dólar decolando. E é esse povo que diz que Dilma Roussef não tem mais condições de reverter a situação.
A ideia do impeachment como saída do impasse diminuiu, entre os senadores, mas aumentou a rejeição. Em síntese: houve um refluxo da proposta de impeachment, mas não porque aumentou o apoio á presidente. Essa é a perplexidade a que se refere Cristovam: ninguém sabe o que fazer hoje, a não ser aqueles que acham que única saída é o impeachment, como no caso da senador Marta Suplicy (PMDB-SP).
Mas até Cristovam já não acredita que permanência de Dilma com um governo novo é a saída, como os senadores “independentes” propuseram a ela há três meses. Foram apresentadas pelo menos cinco sugestões polêmicas: a primeira é que Dilma deveria ser a Itamar Franco de Dilma, que saiu de um governo corrupto e deixou o país arrumado; a segunda seria vir a público, sem marketing e reconhecer os erros que cometeu tanto na campanha quando na gestão da política econômica; a terceira seria dizer que não é mais do PT, que agora é do partido do Brasil, assumir uma posição acima do PT; a quarta, casar a legalidade dela recuperando a legitimidade e para isso convida todas as pessoas para fazer parte do governo, inclusive da oposição e a quinta: dar mais apoio à Operação Lava-Jato.
Dilma ouviu calada. Só reclamou quando os senadores falaram da Lava-Jato. Disse que seu governo deixou a política e o Ministério Público trabalharem com independência na Lava-Jato.
Com o refluxo das conversas sobre o impeachment, o pano de fundo dos bastidores do Senado é a demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, considerada líquida e certa entre os líderes partidários. O antagonista, evidentemente, é o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles o nome de Lula para o cargo. Quando a conversa sobre impeachment estava no auge, teve senador que diz ter ouvido de Meirelles que ele não estava interessado no cargo.
Uma saída com Dilma na presidência, segundo senadores ouvidos pelo Valor, só teria viabilidade com Meirelles. Ainda assim não se sabe por quanto tempo. Dilma também não tem química com Meirelles. Mas isso, conta um senador que conhece bem os dois, Dilma é capaz de ceder, se concluir que esse é o preço a pagar para terminar seu mandato. No Senado, espera-se a saída de Levy em janeiro. O ministro parace cansado. Perguntaram a um senador como o ministro havia se saído no jantar de Euncío. O senador perguntou “que ministro?” O interlocutor insistiu: “O Levy não foi?” Resposta: “O Levy foi. O ministro da Fazenda, não”.
Fonte: Valor Econômico