Ameaça de megacalote

    Governo obama corre risco de não pagar us$ 78 bi até novembro. bancos se preparam, e china faz alerta

    Flávia Barbosa
    Correspondente

    WASHINGTON – Com o apagão administrativo e político entrando hoje na segunda semana, os EUA estão mais próximos de um inédito calote da dívida federal. Analistas já calculam os impactos de eventual inação do Congresso até o dia 17 para elevar o teto da dívida, hoje em US$ 16,7 trilhões. Entre 23 de outubro e 1º de novembro, quando já não terá autorização para tomar empréstimos, o governo americano tem uma fatura de US$ 78 bilhões em compromissos que ameaçam não ser honrados, deixando sem pagamento pensionistas, fornecedores do programa de saúde Medicare e detentores de títulos do Tesouro, até então os mais seguros do mundo. A ameaça é tão real que bancos, gestoras e administradoras de valores já trabalham a todo o vapor para reprogramar os sistemas de registro de títulos e evitar perdas ampliadas com a compensação equivocada de papéis micados.

    O temor pode ser medido pela reação pública das autoridades chinesas. A China é a maior credora internacional dos EUA, com US$ 1,277 trilhão em títulos do Tesouro, de um total de US$ 5,590 trilhões. O Brasil é o terceiro maior detentor individual de papéis soberanos dos EUA, com US$ 256,4 bilhões, e também seria afetado.

    – Os EUA estão totalmente cientes das preocupações da China com o abismo fiscal. Pedimos que os EUA seriamente tomem medidas para resolver a tempo a questão do teto da dívida, antes do dia 17, e que evitem o default (calote) da dívida, para garantir os investimentos chineses no país e a recuperação econômica global – afirmou o vice-ministro de Finanças chinês, Zhu Guangyao.

    No dia 17, os EUA ficam sem caixa – todos os dias, em média, entram US$ 7 bilhões em receitas e há US$ 10 bilhões em despesas em nível federal. No dia 22, o Tesouro esgota qualquer possibilidade de captar recursos e no dia 23 há US$ 12 bilhões em pagamentos da Seguridade Social programados. Dia 31 é data de vencimento de juros de títulos soberanos, fatura de US$ 6 bilhões. Os dados são do Departamento de Pesquisa do HSBC. Em 1º de novembro, há uma cesta de pagamentos de Seguridade, Medicare, servidores aposentados e militares da ativa que somam US$ 60 bilhões, nas contas da economista Nancy Vanden Houten, da Stone&McCarthy Research Associates:

    – Não vejo como o Tesouro honrar as obrigações do dia 1º sem autorização adicional para tomar emprestado.

    O mercado teve um dia de nervosismo. O índice Nasdaq caiu 0,98%, o Dow Jones recuou 0,90% e o S&P 500 baixou 0,85%.

    O debate em torno do teto da dívida é alimentado pela intransigência política em Washington. O Congresso precisa autorizar novos limites de endividamento para que o Tesouro continue captando no mercado para pagar as contas. A oposição tem feito da prerrogativa e de outras batalhas fiscais uma arma de barganha para obter mudanças em políticas do governo Barack Obama.

    Moody´s vê solução a tempo >

    Em 2011, impasse similar custou ao país um rebaixamento da classificação de risco, perdendo a nota máxima, o que sacudiu mercados internacionais e a confiança doméstica de investidores, empresários e consumidores. Nos últimos dez meses, esta é a quarta batalha fiscal entre governo e oposição. Um abismo fiscal foi evitado na virada do ano, o aumento do teto da dívida foi aprovado perto do prazo final em janeiro e em março a oposição negou revisão do aperto orçamentário, custando à economia 1,3 ponto percentual de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013.

    – O aumento do teto da dívida tem que ser banido como arma. Deve ser como uma bomba nuclear: basicamente horrível demais para ser usada – alertou Warren Buffett, czar de Wall Street e presidente do fundo Berkshire Hathaway.

    Mas as forças políticas americanas fazem o contrário. O presidente da Câmara, o republicano John Boehner, já reiterou que não atuará pela reabertura do governo sem mudanças na reforma da saúde (Obamacare), já em curso. Acrescentou que só encaminhará um aumento do teto da dívida em sua bancada se mudar a composição de gastos do Orçamento.

    – Não vamos tomar este caminho – disse Boehner, para quem Obama adotou a postura absurda de preferir o caos econômico à negociação.

    Os democratas insistem na tese de chantagem da oposição, argumentando que concordaram com despesas mais de US$ 70 bilhões abaixo do que gostariam, para evitar o impasse. Ainda assim, a Casa Branca ofereceu ontem uma porta de saída aos republicanos: o aumento do teto da dívida por algumas semanas. O diretor executivo da agência de classificação de risco Moody´s, Ray McDaniel, crê que os EUA têm margem para sair do impasse.

    – Há uma boa chance de que resolvam a questão sobre o teto da dívida. Mesmo que não haja uma solução, acreditamos que a probabilidade de o Tesouro assegurar os pagamentos é muito alta.

    O ponto de discórdia

    O que prevê o obamacare: > Obriga a compra de seguro de saúde por todos os americanos, em mercados virtuais onde todas as ofertas estão disponíveis, para forçar concorrência. Há cerca de 32 milhões de pessoas sem cobertura no país

    quanto vai custar: > Nos primeiros dez anos, a fatura é estimada em US$ 1,798 trilhão. Ganhos com a implementação da primeira parte do programa vêm reduzindo as estimativas a cada reavaliação do apartidário Escritório de Orçamento do Congresso (CBO)

    receitas: > No mesmo período, as fontes de receitas preparadas para cobrir a reforma da Saúde, entre cortes orçamentários permanentes e receitas específicas, deverão levantar US$ 1,634 trilhão.

    impacto: > Ganhos como redução dos custos de saúde e medicamentos reduzirão, segundo o CBO, o déficit público a longo prazo.

     

    Fonte: O Globo

    Matéria anteriorMercado de juros mantém cautela à espera do Copom
    Matéria seguinteGreve derruba vendas e pune consumidores