Análise: Concentração de aplicações no BC alcança inédito R$ 1,23 trilhão

    Outubro mal começou e já marca um recorde. A venda temporária de Títulos públicos federais pelo Banco Central (BC), basicamente às Instituições Financeiras, alcançou, na terça-feira, o maior volume registrado na história do mercado aberto no Brasil, R$ 1,23 trilhão. Esse dinheiro está aplicado por prazo de, no máximo, seis meses.

    A maior parte das aplicações vence em cerca de 45 dias – intervalo entre duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para definição da taxa básica, a Selic, segundo Antenor Ramos Leão, consultor da Terra Forte Investimentos.

    Do total, cerca de R$ 820 bilhões serão devolvidos pelo BC aos investidores em 26 de outubro, primeiro dia de negócios no mercado financeiro após a definição da próxima taxa Selic pelo Copom. O encontro do colegiado está marcado para 24 e 25 de outubro e, apostam as instituições, a taxa deve ser reduzida em mais 75 pontos-base, de 8,25% para 7,50% ao ano.

    As operações compromissadas do BC com o mercado financeiro – representadas pela venda de papéis públicos com o compromisso de recompra pela autoridade monetária em data pré-determinada – exibem mais um dado relevante e que diz muito sobre este momento. A concentração de aplicações em prazos superiores a 1 dia é a menor desde janeiro de 2016. Nesta primeira semana de outubro, as operações mais longas correspondem a 77,9% do total dessas transações. Há menos de dez meses, 75,2% do total tinham característica semelhante. Contudo, de lá para cá, a quantidade de dinheiro aplicado diretamente no BC aumentou quase R$ 230 bilhões.

    Essa montanha de R$ 1,23 trilhão em risco zero é mais um indicador coerente com o longo período de retração da economia brasileira marcado por forte queda de investimentos. Já a saída de investidores das aplicações nos títulos da carteira do BC por prazos mais longos está associada ao adiantado ciclo de corte do juro pelo Copom. A perspectiva de prolongada manutenção da Selic, na sequência do encerramento do atual ciclo como vem sinalizando insistentemente o comando do BC, é um incentivo para que investidores façam uma revisão de suas aplicações em busca de ganhos mais expressivos.

    Instrumento tradicional utilizado pelos Bancos Centrais para gestão de liquidez no sistema bancário, as operações compromissadas tiveram expansão violenta no Brasil, onde são consideradas dívida pública oculta. Uma dívida não registrada como Dívida líquida do setor público, mas como Dívida bruta que inclui as taxas de Juros pagas pelo governo aos seus financiadores ou compradores de seus títulos. A relação Dívida bruta/PIB é o principal indicador de solvência de um país e é monitorada por esse critério por grandes investidores e agências internacionais de classificação de risco de crédito.

    Não à toa, a equipe econômica do governo Temer insiste para que o BNDES antecipe o pagamento da “dívida” que tem com o Tesouro Nacional. O Tesouro já recebeu R$ 100 bilhões no fim do ano passado, R$ 33 bilhões há pouco e terá mais R$ 17 bilhões até o fim do ano, perfazendo assim o total de R$ 50 bilhões que o governo quer de volta ainda em 2017. Para 2018, o governo cobra mais R$ 130 bilhões e o BNDES resiste a entregar.

    O banco de fomento demonstra preocupação com a capacidade futura de conceder empréstimos – quando a economia mais precisa – se debilitar seu caixa.

    A equipe econômica quer o dinheiro para resgatar Títulos públicos, o que diminuirá a dívida e a relação Dívida bruta/PIB. Esse resgate de dívida pública deve evitar também que seja descumprida a “regra de ouro” que proíbe a União de emitir dívida em um volume superior às despesas de capital. O objetivo é evitar que o Estado se endivide demais para pagar gastos correntes, como com pessoal e a manutenção da máquina pública. Se a “regra de ouro” for descumprida, os gastos explodem e a fatura se arrasta no tempo, frustrando expectativas de crescimento. Além disso, e talvez mais relevante no momento, o descumprimento dessa regra implica em descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

    As operações compromissadas do BC com o mercado ganham relevância no momento em que a autoridade está avaliando a liberação de depósitos compulsórios bancários. A intenção do BC certamente não é tornar o Depósito compulsório praticado por aqui semelhante ao que é praticado por BCs de economias centrais, mas a possibilidade de derramar mais dinheiro no sistema bancário preocupa segmentos do mercado e alguns técnicos que atuam no setor público.

    Os bancos, como mais um personagem nessa longa história de disputa por capital, defendem a liberação dos compulsórios avaliando que os recursos poderiam ser emprestados para empresas tomadoras, sobretudo as interessadas em investimento real.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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