Análises da campanha

    Na economia, Dilma terá o maior desafio (MÍRIAM LEITÃO)

     

    Os eleitores deram uma segunda chance a Dilma, que precisará ter ouvidos para a quase metade do país que não votou nela

     

    As urnas fortalecem. A presidente Dilma pode tirar delas a força e as lições para fazer seu segundo mandato ser melhor do que o primeiro. Mas, para isso, precisará ter sabedoria e capacidade de diálogo. Ela venceu, apesar da estagnação econômica, da inflação alta e do pior caso de corrupção que já houve, mas precisará ser capaz de ver seus erros e o fosso que sua campanha abriu no país.

     

    Suas escolhas na economia falharam e isso não é uma questão de opinião. São os números. Eles são ruins, com raras exceções. A confiança de todos os setores empresariais está em queda. E quem não confia, não investe, não produz riqueza e empregos. O mercado financeiro não é ocupado por malévolos de sobrecasaca, mas por investidores, pequenos, médios e grandes, que tomam decisões sobre onde colocar seu dinheiro. E o país precisa de poupança e investimento. Precisa restaurar a confiança na economia. É o maior desafio.

     

    Pode-se perguntar: por que, afinal, ela ganhou, se a situação econômica é tão ruim? Porque sua campanha chantageou os eleitores que dependem do Bolsa Família. Porque seu marketing eleitoral mentiu sobre as intenções e propostas de seus oponentes. Porque ela usou a máquina pública de forma espantosa.

     

    Governará com um Congresso mais fragmentado, no qual seu partido encolheu e a oposição ficou mais forte. O maior erro de Aécio Neves foi em Minas Gerais. Não se pode errar em casa. Escolheu um candidato difícil de carregar e, no segundo turno, não virou o jogo. Mas teve muitos méritos. Defendeu os ideais do seu partido e conseguiu ocupar ruas com militância, coisa que só acontecia com o PT. O partido terá grandes políticos no Senado. Tem a chance de ser a oposição que nunca foi.

     

    Os eleitores deram uma segunda chance a Dilma, que precisará ter ouvidos para a quase metade do país que não votou nela. Será hora de abandonar o discurso de campanha e ver os reais problemas do país. Não bastam as protocolares palavras de união e diálogo no discurso da vitória. A torcida dos brasileiros será para que ela tenha sucesso.

     

    Uma chance para mudar (JOSÉ CASADO)

     

    No curto prazo, a vitória ajuda a cicatrizar feridas internas e até abre espaço para reconciliações

     

    Foi uma proeza política. Nunca antes um partido obteve quatro mandatos sucessivos nas urnas, pelo voto direto e universal.

     

    A garantia de 16 anos no poder, assegurada ontem por uma aguerrida Dilma Rousseff, terá como efeito inicial a pacificação do Partido dos Trabalhadores.

     

    No curto prazo, a vitória ajuda a cicatrizar feridas internas e até abre espaço para reconciliações – a começar pela presidente reeleita e seu antecessor, Lula, principal crítico dos gestos de “independência” na condução do governo.

     

    Um indicador dos limites de Dilma nas relações com Lula, PT e aliados estará visível no processo de escolha do ministro da Fazenda e do presidente do Banco CENTRAL.

     

    Ontem, ao celebrar a vitória, ela anunciou “grandes mudanças”. E acenou ao PT com o resgate de um “plebiscito” para balizar o rumo de uma reforma política – ideia rejeitada pelo Congresso no ano passado.

     

    A vitória apertada (51,6% a 48,3%) indica limitações na margem de manobra da presidente no Congresso. E, ali, é previsível que aumente o nível de dificuldades do governo, pois a fragmentação partidária chegou ao ápice, com 28 organizações.

     

    Será reflexo do comportamento da maioria do eleitorado das regiões responsáveis por mais da metade do Produto Interno Bruto. Esses eleitores repetiram nas urnas, ontem, a mensagem enviada no primeiro turno: uma oposição unida e revigorada, em especial no Senado. São Paulo, por exemplo, entregou 64,3% dos votos ao adversário da presidente. A partir de hoje, o governo Dilma tem prazo de validade (1º de janeiro de 2019). Pode representar uma oportunidade para iniciativas como o fim do loteamento de ministérios e de empresas estatais. Esse tipo de política produziu, entre outras coisas, o caso Petrobras, cujos desdobramentos no governo e no Congresso devem pautar sua agenda a cada dia, durante os próximos 48 meses.

     

    Ao vencedor, (FERNANDO GABEIRA)

     

    Quando um presidente se reelege, não há lua de mel, apenas curtas férias conjugais. O dia seguinte já coloca em sua agenda quase todos os problemas que aqueceram a campanha eleitoral. O primeiro e mais importante é o econômico. As necessidades de ajustes de rumo podem levar Dilma a tomar algumas medidas que ela própria condenava, sobretudo aumento nos preços da gasolina e da energia.

     

    O preço da energia subiu 17% enquanto todos se envolviam na campanha. No campo político, Dilma terá de se relacionar com um Congresso bem mais fragmentado e com maior presença da oposição. As dificuldades de organizar a base de governo e acumular recursos para a reeleição estão na origem dos grandes escândalos do Brasil. O da Petrobras está apenas começando. Passado o momento eleitoral, os depoimentos de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef serão conhecidos na íntegra, com os nomes de todos os políticos envolvidos.

     

    A oposição chegou mais forte ao final da campanha do que nas eleições anteriores. Pela primeira vez, sua presença nas ruas foi relevante. Ao término de um processo tão disputado como esse, o vencedor costuma lançar uma mensagem de reconciliação. Mas o PT e seus aliados têm pela frente uma consistente rejeição e devem, simultaneamente, lidar com a estagnação econômica e as acusações de que assaltaram a Petrobras.

     

    Foi uma campanha de mentiras e calúnias. Elas vão perder força para que entrem na agenda um outro tópico: as verdades escondidas pela propaganda oficial. Dados sobre o ensino em escala nacional, a redução da pobreza e o desmatamento são apenas alguns que esperam o fim do momento eleitoral para passarem por análises.

     

    Estamos diante de mais quatro anos de governo e muitos temas de campanha serão lembrados ao longo do caminho. É um tempo de reconciliação, mas isso não significa que o debate sobre o presente e o futuro do Brasil irá sumir. Os eleitores estiveram tão envolvidos na campanha que não tiveram tempo para avaliar uma boa e suprapartidária notícia: ontem choveu no Sudeste. O quanto vai chover é outra dúvida, passada a certeza sobre o vencedor nas urnas.

     

    Guimarães Rosa dizia: quem moi no áspero não fantasia. Os fatos, a partir da agora, valem mais que a idílica propaganda de campanha eleitoral. O ano de 2015 será uma pedreira.

     

    Lula e Plutarco (ANCELMO GOIS)

     

    O governo tem uma capacidade enorme de tocar o país para frente ou para trás. Mas ele não pode tudo. (…) O Brasil de hoje, mesmo sendo uma democracia noviça, tem uma sociedade pujante, moderna

     

    Lula – ponto para ele – conseguiu num país tão desigual esticar o mando de campo do PT por mais quatro anos. No total, serão 16 anos (por enquanto). Isso é raro em democracias avançadas da Europa e dos Estados Unidos, onde a alternância de poder se mostra mais comum. O feito ainda está longe do alcançado no México pelo Partido Revolucionário Institucional ( PRI), fundado por Plutarco Calles, que governou o país por 71 anos. Mas aquele país viveu o que o escritor peruano Mario Vargas Llosa chamou de “”ditadura perfeita””, pois o PRI tinha completo controle sobre o Congresso e o Judiciário.

     

    Por aqui, o presidente tem muito poder. A começar, dispõe de 20 mil cargos para distribuir entre seus aliados. O governo tem ainda uma capacidade enorme de tocar o país para frente ou para trás. Mas ele não pode tudo. Ao contrário do que ocorreu no México, o Brasil de hoje, mesmo sendo uma democracia noviça, tem uma sociedade pujante, moderna. O país tem um Poder Judiciário que, apesar de todos os problemas, foi capaz de mandar para a Papuda quadros históricos do PT por corrupção.

     

    Também o Congresso não tem dono. Na Câmara, o PT vem, a cada eleição, perdendo espaço. Agora, terá apenas 14% do plenário. O partido elegeu 70 deputados, 18 a menos do que a bancada atual. A base de apoio à presidente Dilma ainda é gigantesca, mas indisciplinada e pouco ideológica. Só um exemplo: é mais fácil passar um elefante pelo buraco de uma agulha do que o governo aprovar medidas de caráter bolivariano, ao gosto de alguns comissários.

     

    Nos próximos quatro anos, o país poderá ser afetado por ventos fortes, a favor ou contra. Mas sem terremoto. Não estamos à beira de um abismo, acho. Boa sorte, Dilma!

     

    Detritos de campanha (DEMÉTRIO MAGNOLI)

     

    Aécio tem o direito de lamentar, mas não o de reclamar: Minas Gerais conferiu o triunfo a Dilma. Os 3,3 milhões de votos que separaram a presidente do desafiante correspondem à soma quase exata da vantagem que ela obteve em Minas com a diferença que, meses atrás, ele planejou alcançar em “seu” estado.

     

    Minas é um “Brasil em miniatura” num sentido bem preciso: sua porção norte exibe indicadores sociais similares aos do Nordeste, contrastantes com os da parte sul. A vitória da presidente candidata reflete a força esmagadora do aparelho de Estado. No Brasil, como em tantos outros países ainda marcados por carências e desigualdades sociais, o governo quase sempre tem os votos dos mais pobres.

     

    Analistas superficiais apontam para um elemento de continuidade: a persistência da polarização entre PT e PSDB, um traço da política brasileira que completa duas décadas. Entretanto, a eleição de ontem singulariza-se por um elemento de ruptura. O lulopetismo venceu três eleições sucessivas por larga maioria, mas, agora, triunfou quase no fio de cabelo. Mais: o PT perdeu por amplas margens no eleitorado urbano das grandes e médias cidades do Centro-Sul, uma tendência que observamos, em menor escala, nos pleitos de 2006 e 2010. A base política do governo deslocou-se para longe dos polos sociais e econômicos mais dinâmicos.

     

    Para vencer, a campanha de Dilma desceu aos subterrâneos, bombardeando todos os adversários com insultos e calúnias. Eduardo Campos (“playboy mimado”), Marina Silva (“pretende tirar a comida da mesa dos pobres”) e Aécio (“alcoólatra, drogado e violento com as mulheres”) foram tratados como “inimigos do povo”. É um sinal assustador para a saúde das instituições democráticas.

     

    No fim, a própria Dilma insurgiu-se contra o mensageiro, para fugir da mensagem, acusando a revista “”Veja”” de promover um “processo golpístico”. O governo já deveria saber, 12 anos depois, que é missão da imprensa publicar sem dilação as informações que têm. O escândalo na Petrobras não desaparecerá por um arroubo de fúria do Planalto. Que o segundo mandato não seja envenenado, desde o início, por uma cruzada contra a liberdade de informar.

     

    O recado das urnas: mudar (ILIMAR FRANCO)

     

    Reeleita, a presidente Dilma recebeu um recado das urnas: precisa mudar. Ela terá de buscar a consolidação de sua vitória promovendo o diálogo com os setores produtivos e o Congresso. Ela ganhou as eleições de 2010 com uma diferença de 12 pontos. Agora, vence com três de vantagem. A presidente precisará conversar com os bancos, a indústria, o agronegócio e a construção civil.

     

    No Congresso, a presidente precisa reunificar sua base parlamentar, que se dividiu nas eleições em função das políticas regionais. Ela deve remendar as feridas abertas. Seria aconselhável ampliar a participação dos aliados no governo. O PT não tem mais a mesma força que antes. E isso deve se refletir em sua presença nos ministérios. Os aliados, em seu conjunto, cresceram no Congresso e o principal parceiro petista, o PMDB, saiu fortalecido.

     

    A presidente terá também de redimensionar sua política econômica. A crise mundial persiste, embora existam sinais de recuperação nos Estados Unidos. E a flexibilização e a elasticidade fiscal adotadas até agora, além de terem um limite, afetam a credibilidade das contas públicas e da política econômica. Afinal, ela não recebeu das urnas um aval para manter o mesmo rumo. A escolha do futuro ministro da Fazenda provavelmente terá como objetivo acalmar o mercado e sinalizar uma revisão.

     

    O próximo governo do PT terá ainda dois desafios. O primeiro deles é emitir sinais inequívocos de combate à corrupção. O escândalo da Petrobras está aí, e é preciso ser enfrentado de frente. Doa a quem doer. O outro desafio é o de renovar seu próprio governo. Dilma precisa escolher uma equipe capaz de criar novos programas e projetos.

     

    A oposição e seu principal partido, o PSDB, tiveram seu melhor resultado nos últimos 12 anos. Seu líder, Aécio Neves, cresceu, embora tenha perdido em Minas Gerais. Mas ele precisará enfrentar a sombra do PSDB de São Paulo, que tem no governador reeleito, Geraldo Alckmin, um provável candidato à Presidência em 2018. Agora, a oposição terá de decidir se vai querer incendiar o país e transformar os próximos quatro anos num terceiro turno. Os tucanos também terão de construir um projeto que inclua o Nordeste. Eles terão de definir se a região é uma prioridade política ou eleitoral.

     

    Fonte: O Globo

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