Servidores do Banco Central marcaram uma manifestação por reajuste salarial e melhores condições de trabalho para esta quinta-feira 24, dia em que o Brasil completa um ano da sanção da lei que deu autonomia à autarquia. O protesto desta vez é virtual, diferentemente do que ocorreu em 18 de janeiro, quando a categoria realizou um ato em frente ao Ministério da Economia, pasta à qual o BC está associado.
O Sinal, sindicato que representa os funcionários do BC, diz que sempre apoiou a referida lei, mas diz que o dispositivo não beneficiou os profissionais que trabalham na instituição. Há meses a entidade protesta por reposição das perdas salariais decorrentes da alta da inflação e por reestruturação do plano de carreira.
A mobilização ganhou força depois que o presidente Jair Bolsonaro (PL) sinalizou aumento de salário somente para policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes do Departamento Penitenciário Nacional, o Depen. Essas categorias são vistas como parte relevante do eleitorado do ex-capitão.
As benesses seriam bancadas a partir de um montante de 1,7 bilhão de reais reservados no Orçamento deste ano.
Nesta semana, em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro pediu “compreensão” para outras categorias do serviço público por conceder aumento salarial para os policiais.
Em 16 de fevereiro, entidades que representam os policiais lançou uma campanha, com inserções na televisão, para pressionar pelo reajuste à categoria. Em uma peça publicitária da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, uma mulher diz que o filho era policial e morreu ao perseguir um traficante. Ao fim, o narrador diz que os policiais precisam de “valorização condizente com os riscos e responsabilidades das funções que exercem”.
As recentes declarações de Bolsonaro em favor de privilegiar os policiais irritaram ainda mais os funcionários do Banco Central, diz Fábio Faiad, presidente do Sinal.
De acordo com o sindicalista, as duas listas de apoiadores da mobilização no Banco Central já contam com cerca de 60% de adesão dos funcionários. A instituição tem cerca de 3,5 mil trabalhadores – 500 cargos de chefia devem ser entregues, 500 substitutos devem recusar o posto, e outros empregados devem simplesmente cruzar os braços.
Depois da paralisação, Faiad diz ter perspectiva de obter uma nova reunião com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mas os recentes encontros com o chefe da instituição não deram em nada. O líder sindical também reivindica reuniões com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil).
“Tá pegando fogo”, disse o sindicalista, em entrevista a CartaCapital, sobre o clima entre os funcionários. “O próprio presidente da República elogiou o Banco, disse que a instituição não está aparelhada e presta serviços de excelência, está dando pinta até que vai usar o trabalho do BC como propaganda eleitoral. Para depois falar que não tem reajuste e que tem que ter compreensão?”, questiona.
Segundo Faiad, é emblemática a coincidência de a paralisação se dar no dia em que o Brasil completa um ano da lei de autonomia do Banco Central. Mesmo favorável à norma, o sindicalista diz que faz uma avaliação “crítica” no sentido de que o dispositivo deveria “avançar mais” em favor dos servidores.
Faia afirma que já está nas mãos de Paulo Guedes a minuta de um projeto de lei com propostas como a exigência de nível superior para cargos de técnicos, a mudança do nome de “analista” para “auditor” e o “acréscimo de prerrogativa de mais independência funcional”.
A tendência, segundo ele, é de que os servidores realizem uma greve por tempo indeterminado a partir de 16 de março, caso o governo federal não atenda às reivindicações da categoria.
Servidores se reuniram em Brasília em janeiro para protestar por reajuste salarial e outras pautas. Foto: Fonacate
Economistas criticam lei da autonomia
Conforme já mostrou CartaCapital, a lei de autonomia do Banco Central divide opiniões entre especialistas e políticos. A defesa pela autonomia costuma unir liberais e bolsonaristas, enquanto figuras do campo progressista costumam ser críticos.
De um lado, defende-se maior autonomia ao Banco Central para distanciá-lo de “pressões políticas” que venham do governante que estiver no poder. Do outro, critica-se a autonomia por aproximar a instituição da influência dos empresários, independentemente da proposta de política econômica vitoriosa nas urnas.
O debate ascende com a provável vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição deste ano.
Economistas ouvidos por CartaCapital veem chances de que políticas econômicas do petista sejam dificultadas pela lei, uma vez que o Banco Central poderá adotar uma posição conservadora, sem se alinhar ao programa do governo.
Criado em 1964 com a função de regular a estabilidade da moeda, que influencia nos preços dos produtos que compramos, o Banco Central tinha a sua presidência ocupada por dirigentes determinados pelo governo.
Com a lei sancionada em 24 de fevereiro do ano passado, o presidente do Banco Central e os nove componentes da diretoria passam a ter mandatos fixos que não coincidem com o início do mandato do presidente da República.
Isso quer dizer que, se Lula entrar no poder em 2023, deve encontrar Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central até 2024, e só depois poderá indicar alguém. Além disso, dois diretores ficam nos cargos até 31 de dezembro de 2024: Carolina de Assis Barros, na Diretoria de Administração, e Otávio Ribeiro Damaso, na Regulação.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Para o economista Paulo Kliass, um ano de vigência da lei ainda não foi suficiente para enxergar os seus impactos, uma vez que o presidente atual do BC é alinhado com as perspectivas econômicas do governo Bolsonaro, no sentido de aplicar uma política de austeridade fiscal sob um diagnóstico equivocado sobre as formas de controlar a inflação.
A decisão do BC em fazer a taxa de juros voltar ao índice de dois dígitos, por exemplo, seria uma expressão dessa política, ao fazer a população mais uma vez reduzir o seu poder de compra, em um momento de crise.
O problema maior é o que a nova lei aponta para o futuro, diz Kliass. Caso o governo posterior a Bolsonaro queira implementar uma política voltada para o desenvolvimento econômico, vai encontrar uma “herança” do governo que ele derrotou na eleição.
Seria, portanto, necessário que a campanha dos candidatos progressistas se comprometessem com a reversão da autonomia do Banco Central, especialmente Lula, que está à frente das pesquisas.
“Lula está dando declarações que uma série de medidas adotadas desde o golpe precisa ser alterada, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Eu colocaria a questão da autonomia do Banco Central nesse pacote, porque se não ele vai encontrar no seio do comando econômico uma pessoa que não foi ungida com o mandato popular”, avalia o doutor em Economia pela Universidade de Paris Nanterre e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
Na mesma linha crítica, o economista André Nassif afirma que, depois de um ano, ainda é difícil observar efeitos práticos, mas é possível considerar que a autonomia deu ao Banco Central maiores condições para adotar métodos conservadores na política fiscal. Na opinião do especialista, bancos centrais em outros países estão sendo menos ortodoxos que o Brasil para reagir à inflação, como seria o caso do próprio Federal Reserve, dos Estados Unidos.
Além disso, Nassif avalia que o Banco Central tem ignorado objetivos secundários, como perseguir a garantia do pleno emprego.
Em relação a um eventual governo Lula, a perspectiva do pesquisador é de que haja algum tipo de conciliação com a gestão do Banco Central nos dois primeiros anos de mandato. O foco dele nesse período deve ser a retomada de investimentos públicos por meio de mudanças nas regras de responsabilidade fiscal, mas dá para cogitar que o dispositivo passe por revisão.
“Eu acho difícil, mas a gente não pode descartar que essa autonomia do Banco Central, no futuro, possa ser revista”, disse o professor da Universidade Federal Fluminense.
Como a lei foi aprovada no Congresso, a proposta de reversão certamente precisaria contar com apoio de maioria dos parlamentares para vingar. Porém, se o caminho ainda é longo para uma vitória progressista no Executivo, que dirá no Legislativo, onde as forças conservadoras têm participação expressiva.
Ferrenho opositor da autonomia do Banco Central, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) reivindica o compromisso com a revogação da medida e com a mobilização da população para essa pauta.
Seu partido já apresentou uma lista de condições para apoiar Lula no 1º turno, que inclui a bandeira pela derrubada de reformas econômicas aprovadas desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), mas a aliança com o ex-tucano Geraldo Alckmin tem representado um temor de que esse programa não seja incorporado na plataforma do petista.
“Para se reverter a autonomia do Banco Central, as privatizações e as contrarreformas, em primeiro lugar tem que se assumir um compromisso em relação a essa agenda de revogações dessas medidas antipovo”, diz Braga a CartaCapital. “Em segundo lugar, é fundamental a mobilização popular e a organização com os movimentos sociais para fazer essa batalha.”
Fonte: Carta Capital