Aprovação da PEC da Bengala enfraquece Janot e muda equilíbrio no Supremo

    A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Bengala pela Câmara dos Deputados foi uma demonstração de poder do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não apenas perante o governo da presidente Dilma Rousseff, que esperava pela votação da Medida Provisória do ajuste fiscal ainda na terça-feira, mas sobre o Ministério Público e diante do Supremo Tribunal Federal (STF), onde ele está sob investigação pela Operação Lava-Jato. 

    Cunha aprovou a medida em meio a um embate público com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que declarou, em 30 de abril, que há “elementos muito fortes” para investigá-lo, e na mesma semana que o relator dos autos da Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, autorizou uma inspeção para a busca de documentos em seu gabinete. 

    Numa única tacada, o presidente da Câmara respondeu a quem o investiga e deu um recado a quem o julgará. Ao mudar a pauta de votações e aprovar a PEC da Bengala, Cunha mostrou que tem poder suficiente para mudar a Constituição. 

    Ao aumentar a idade de aposentadoria dos ministros de 70 para 75 anos, proposta que tramita há mais de 10 anos no Congresso, a Câmara deu um pouco de equilíbrio ao poder de nomeações do Executivo e alterou, imediatamente, a organização interna do Supremo. Ministros que se preparavam para se aposentar em breve, diante da proximidade dos 70 anos, ganharam mais cinco anos para pensar se devem mesmo deixar a Corte ou não. Neste ponto, a medida aumenta a tinta da caneta dos ministros. Eles contam com mais tempo no tribunal. 

    Por outro lado, a PEC retirou a tinta da caneta do presidente da República e, também no caso atual, da presidente Dilma que pode ter feito a sua última indicação ao STF neste ano, com Luiz Edson Fachin, que aguarda pela sabatina no Senado. 

    Com isso, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que vinha sendo consultado por Dilma para as indicações ao tribunal, também perdeu poder, afinal, essas indicações minguaram. 

    A PEC terá reflexo imediato. Os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Lewandowski, Zavascki e Rosa Weber, que iriam se aposentar até o fim de 2018, poderão ficar por mais cinco anos no tribunal. Marco Aurélio, que fará 70 anos em julho de 2016, lamentou o caráter de retaliação na votação da PEC, mas elogiou a medida e disse que vai ficar até 2021 no STF. “Não sou um homem que jogue a toalha e atuo com muito entusiasmo como julgador. Evidentemente, eu estava com a minha cabeça super pronta para sair daqui a um ano, dois meses e alguns dias, mas, agora, cumprirei o meu dever como cidadão”. 

    Já Celso de Mello que vai completar 70 anos em novembro próximo, não confirmou se ficará até 2020 no STF. “A vida é cheia de idas e vindas. Já estou com 47 anos de serviço público e posso sair a qualquer momento”, disse o decano do tribunal, que, no entanto, elogiou a PEC. “Foi uma decisão sábia da Câmara dos Deputados, porque ela aproveita a experiência de magistrados e servidores.” 

    Gilmar Mendes também avaliou a aprovação da PEC como “extremamente positiva”. “Veja que nós vamos manter a composição atual e vamos evitar sobressaltos”, afirmou Mendes, lembrando os cinco ministros que iriam sair até 2018 e, agora, poderão ficar por mais cinco anos. “São nomes importantes do tribunal, o que garante certa estabilidade.” Zavascki que deixaria o STF e, portanto, a relatoria da Lava-Jato, em agosto de 2018, poderá ficar até 2023 no tribunal. 

    Eventuais pretensões de Janot de ser indicado para a Corte caíram por terra. O STF não tem um procurador-geral entre os seus ministros desde que Sepúlveda Pertence foi nomeado por José Sarney, em 1989. Janot nunca declarou isso, mas ele poderia ficar por mais dois anos no comando do MPF, após o término de seu mandato, em setembro próximo, e, depois, cogita-se que poderia entrar numa das listas de preferidos aoSTF até 2018. Agora, essa hipótese não existe mais. 

    Para completar, a aprovação da PEC mostrou a força que Cunha tem no Congresso, onde tramitam processos de interesse direto do MPF e doSTF. O MPF é contra a limitação do poder de investigação dos procuradores, que quase foi aprovada em 2013. Já o Supremo sempre tem que recorrer ao Congresso para obter a aprovação de aumentos nos salários dos ministros, que funcionam como teto do funcionalismo. 

    O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), marcou para hoje a promulgação da PEC. Ele considerou positivo o fato de Dilma, bem como os presidentes da República, perder poder com a nova regra de aposentadoria dos ministros. “A política é isso mesmo. Você ganha poder, perde poder. Todo dia tem uma novidade. É evidente que a presidente da República e o vice-presidente perderam poder, porque, só no STF, eles deixam de indicar cinco ministros. Mas isso é bom para o Brasil, bom para o Judiciário e significa que, no momento da crise, o poder político não escolheu o caminho da politização do STF“, disse. 

    Renan afirmou nunca ter entendido a razão pela qual a presidente e o vice, Michel Temer, que é responsável pela coordenação política do governo e presidente nacional do PMDB, foram contrários à PEC da Bengala. Para ele, a medida pode significar “o maior ajuste” num momento em que o país precisa conter os gastos, já que a medida vai afetar todos os tribunais superiores e o Tribunal de Contas da União. “Os ministros, se desejarem, ficarão mais cinco anos. Mas apenas se desejarem. É uma imposição hoje [a aposentadoria aos 70 anos] e essa PEC reduz despesas, porque, só no STF, temos um ministro para três aposentados. Isso vai diminuir, sem dúvida, esse custo e vai colaborar com esse ajuste.” 

    O senador lembrou que a PEC da Bengala recebeu o aval do Senado em 2007 e que sua aprovação pela Câmara foi “uma decisão importante” e é uma demonstração de que o poder político fez uma opção pela não politização do STF. Renan comentou ainda que a aprovação da PEC vai chamar a atenção para a sabatina de Fachin no Senado, marcada para dia 12. “Ele fica um pouco na condição de último indicado pelo governo. Isso chama um pouco a atenção para a sabatina”. 

    No governo, houve preocupação de negar que a aprovação tenha sido uma derrota do Planalto. “A PEC da Bengala não tem a ver com o Executivo”, opinou o ministro da Defesa, Jaques Wagner. (colaborou Alessandra Saraiva, do Rio)

     

    Fonte: Valor Econômico

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