Arrocho só começou

    O brasileiro deve preparar o bolso. Depois de promover cortes de gastos com seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, o engenheiro naval Joaquim Levy assumiu ontem o cargo de ministro da Fazenda sinalizando aumentos de impostos. “Possíveis ajustes em alguns tributos também serão considerados”, afirmou ele no discurso de 20 minutos que se seguiu à transmissão de cargo pelo ministro interino da Fazenda, Paulo Caffarelli.

    Guido Mantega, que foi titular da pasta nos últimos oito anos e nove meses, o tempo mais longo que alguém já passou no cargo, não compareceu à cerimônia. E foi ignorado por Levy, que agradeceu apenas ao “ministro Cafarelli”. O heterodoxo Mantega, idealizador da política de estímulos que fez os gastos públicos explodirem sem reverter a queda dos investimentos, está em posição antagônica à de Levy, doutor em economia pela Universidade de Chicago, um centro global de pensamento ortodoxo.

     

    O novo ministro não escondeu em seu discurso as diferenças em relação à gestão anterior, ressaltando que se inicia um novo ciclo. “Nos próximos quatro anos, de uma forma ou de outra, a nossa economia se transformará. A combinação do fortalecimento fiscal com medidas na área da oferta, que aumentem a poupança, diminuam o risco dos investimentos, inclusive em infraestrutura, permitirá que essa transformação se dê com o menor sacrifício possível e máximo resultado”, enfatizou.

    Levy reconheceu feitos realizados até agora, incluindo as baixas taxas de desemprego, o crescimento da classe média e a resiliência às instabilidades financeiras externas. Mas atribuiu isso em grande parte ao controle das contas públicas no governo Fernando Henrique Cardoso e no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando Antonio Palocci foi ministro da Fazenda e ele, secretário do Tesouro Nacional.

    “A responsabilidade fiscal exercitada na primeira metade da década dos anos 2000 foi condição indispensável para o Brasil ter sucesso na política de inclusão social de milhões de brasileiros”, disse o ministro. E graças à conquista desse equilíbrio, acrescentou, o país pôde realizar “pela primeira vez na história uma política anticíclica eficaz, como fez em seguida a crise global de 2008”.

     

    Distorções

     

    Ao afirmar que o “o ajuste fiscal já começou”, Levy mencionou as medidas anunciadas no mês passado pelo governo, já sob seus auspícios e os do atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que despachavam em uma sala do Palácio do Planalto. “Foram aparados os subsídios nos empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a setores empresariais e alinhada, com a melhor prática internacional, a legislação que rege as pensões”, emendou.

    Mesmo procurando demonstrar preocupação com os benefícios sociais, algo caro à presidente Dilma Rousseff, Levy indicou que eles não são intocáveis. “As políticas sociais do país, que têm surpreendido o mundo, podem tornar-se ainda melhores, ao terem eventuais distorções corrigidas”, disse. Ele repetiu que é compromisso de governo “dar um basta ao sistema patrimonialista”, algo que ocorre “em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos”.

    Responsável pela indicação de Levy para a Fazenda, o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, foi enfático ao se referir ao pupilo: “Ele dará conta do recado. Terá autonomia e saberá discernir bem o que é importante para o país”. Para o banqueiro, 2015 será um ano difícil, mas, ao se restabelecer a confiança na política econômica, o país voltará a crescer. Veja os principais pontos do discurso de Levy.

     

    Impostos

     

    O novo ministro sinalizou, no discurso, que alguns impostos serão elevados neste ano, mas não especificou quais nem quando. Joaquim Levy garantiu, contudo, que qualquer iniciativa tributária terá que ser coerente com a trajetória dos gastos públicos, e sugeriu que, em alguns casos, poderá haver redução de alíquotas. “Possíveis ajustes em alguns tributos serão também considerados, especialmente aqueles que tendam a aumentar a poupança doméstica e a reduzir desbalanceamentos setoriais da carga tributária. A agenda tributária dos próximos semestres deve ainda considerar medidas de simplificação de tributos e obrigações acessórias, algumas demandadas há bastante tempo”, afirmou, citando a harmonização da tributação de veículos de investimento (papéis para empresas captarem recursos) como essencial para expansão do mercado de capitais. Ele garantiu ainda que o tratamento diferenciado na cobrança de impostos a pequenas e médias empresas deve continuar. E prometeu harmonização do ICMS, “especialmente com alíquotas interestaduais que desestimulem a guerra fiscal”.

     

    Contas públicas

     

    Ajustar as contas públicas é a prioridade. Levy classificou como “indispensável” o equilíbrio fiscal, “chave para a confiança e para o desenvolvimento do crédito”. O próprio ministro interino, Paulo Caffarelli, que, na ausência de Mantega, transferiu o cargo para Levy, afirmou que 2015 será um ano de várias medidas, “com destaque para um ajuste fiscal forte”. Em coletiva, o novo ministro alfinetou a gestão anterior, afirmando que, na tentativa de barrar o processo de desaceleração, “estávamos dando mais doses da mesma coisa”, esgotando a capacidade de reação da economia. Levy garantiu, contudo, que o Brasil tem plenas condições de reequilibrar as contas públicas. “Nos próximos quatro anos, de uma forma ou de outra, nossa economia se transformará. A combinação do fortalecimento fiscal com medidas na área da oferta, que aumentem a poupança, diminuam o risco dos investimentos (.) e deem confiança e independência à iniciativa privada permirirá que essa transformação se dê com o menor sacrifício possível e o máximo resultado”, afirmou.

     

    Superavit primário

     

    O ministro se comprometeu a cumprir a meta de superavit primário neste e nos próximos anos. Em 2014, o governo enfrentou tensão e muita resistência no Congresso Nacional para reduzir a meta fiscal de R$ 80,8 bilhões para R$ 10,1 bilhões. Para 2015, Levy prometeu o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). “O reequilíbrio fiscal de 2015 e o cumprimento das metas fiscais em 2016 e 17, como previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) recém-aprovada, serão o fundamento de um novo ciclo de crescimento”, afirmou.

     

    Subsídios

     

    Não houve anúncio de novas medidas, mas Levy ressaltou que as reformas já começaram a ser feitas. “Foram aparados os subsídios nos empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a setores empresariais e alinhada com a melhor prática internacional a legislação que rege as pensões pagas pelo setor público e alguns programas sociais, o que significa evitar excessos na concessão de novos benefícios.” Segundo ele, as mudanças serão feitas, primeiramente, pelo lado do gasto, mas também há ajustes importantes a serem feitos na receita. “Nossa estratégia será a parte do ajuste fiscal e medidas que darão agilidade e flexibilidade para a economia”, completou. No último resultado fiscal do governo central, divulgado pelo Tesouro Nacional, relativo a novembro, as despesas cresciam seis vezes mais do que as receitas.

     

    Inflação

     

    O ministro afirmou que não se pronunciará sobre cumprimento da meta de inflação, já que esse seria assunto de domínio do Banco CENTRAL. “Espero ver a inflação ir na direção do centro da meta (4,5%) bem antes de 2017. Mas alcançar a meta devidamente, as projeções do BC indicam melhor isso”, disse.

     

    Crise mundial

     

    No discurso, Levy classificou como frágil a economia mundial, sobretudo a dos países dependentes de matérias-primas. O preço mais baixo do petróleo terá um efeito positivo, segundo ele, em economias importantes como Estados Unidos e Europa. Para o ministro, o Brasil deve estar atento sobre como aproveitar as oportunidades que surgirão no comércio exterior.

     

    Mantega

     

    O antecessor não foi citado por Levy. Apenas o ministro interino, Paulo Caffarelli, iniciou o discurso de transmissão de cargo homenageandoGuido Mantega por ter sido o ministro da Fazenda mais longevo da história, tendo ficado à frente da pasta por oito anos e nove meses. “Ao todo, ele dedicou 12 anos de sua vida ao governo federal e à promoção de um Brasil mais justo e desenvolvido”, disse Caffarelli.

     

    Crescimento

     

    Levy garantiu que a economia brasileira tem bons fundamentos e condições de retomar a trilha do crescimento. “Vamos trabalhar com afinco na busca pelos caminhos que permitam ao Brasil prosseguir na rota do crescimento econômico e, principalmente, ter a persistência para trilhá-los”, disse. “Com clareza e estabilidade nas políticas públicas, nossa agricultura, extraordinariamente produtiva e crescentemente sustentável; nossos serviços, inclusive os de maior conteúdo tecnológico; e nossas indústrias, das mais tradicionais às de ponta, como a aerospacial, saberão reagir positivamente”, completou.

     

    Patrimonialismo

     

    O novo ministro enfatizou que pretende “dar um basta ao sistema patrimonialista”, repetindo discurso da Presidente da República durante a cerimônia de diplomação. “O patrimonialismo, como se saber, é a pior privatização da coisa pública”, disse. A antítese disso, buscada pelo governo, “é a impessoalidade nos negócios do Estado. Essa impessoalidade fixa parâmetros para a economia, protegendo o bem comum e a Fazenda Nacional”. Segundo ele, se essa mudança for feita, novas oportunidades surgirão para a economia e a sociedade.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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