As vantagens de um BC independente

    Por Cristiano Romero

    A independência formal do Banco CENTRAL (BC) não é uma panaceia. Não resolveria todos os problemas da economia brasileira. A experiência internacional mostra, porém, que os países que institucionalizaram a autonomia sempre estiveram em melhor situação do que os que não fizeram isso. Nessas economias, a inflação é mais baixa, a volatilidade do produto é menor e a capacidade de reagir a crises, maior, como ficou comprovado recentemente.

     

    Mesmo com todas as críticas feitas ao bancos centrais das economias avançadas – especialmente, ao Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos, e ao Banco CENTRAL Europeu -, onde se originou a crise mundial de 2007/20008, em nenhum momento se colocou em questão a independência da autoridade monetária. Esses BCs têm sido vistos como principais gestores da crise. Seu papel tem sido mais importante que o das políticas fiscais anticíclicas.

     

    A história mostra que existe uma correlação entre democracia e independência do Banco CENTRAL. Quanto mais democrático um país, maior a independência do BC. Isso é particularmente verdadeiro nos Estados Unidos, na Europa, nos países escandinavos e na Oceania. Mais recentemente, países emergentes da Ásia, como Tailândia, Indonésia e Índia, e da América Latina, como México, Chile e Colômbia, também decidiram fortalecer a independência da autoridade monetária.

     

    Autonomia operacional é eufemismo: ou BC é autônomo ou não é

     

    No caso da AL, não é coincidência o fato de o BC não possuir independência justamente nas nações de democracia frágil e instabilidade política, como Venezuela e Argentina. Onde, aliás, o crescimento da economia tem sido menor e a inflação, mais alta.

     

    Em seu processo de modernização econômica, o Brasil claramente ficou no meio do caminho. À quebra dos monopólios estatais, seguiu-se a criação de agências reguladoras. Era o caminho natural para a transição de uma economia autárquica, em que o Estado é o principal empresário, para uma economia de mercado.

     

    Com as privatizações, as agências eram o modelo ideal para lidar com estruturas oligopolizadas que nascem por decisão do Estado ou do mercado. O problema é que, nos últimos 12 anos, antes mesmo de essas agências se consolidarem como entes independentes, o governo fez intervenções e entregou seu comando a partidos políticos, sob a alegação de que cabe ao presidente eleito pelo voto popular definir as políticas públicas.

     

    A crítica que se faz às agências independentes é que, se não estão a serviço do governo, elas são facilmente capturadas pelos entes regulados. Desta forma, a Aneel o seria pelas empresas de energia, a Anatel pelas de comunicação, a Anac pelas companhias aéreas, a CVM pelas sociedades de capital aberto e o Banco CENTRAL, pelos bancos.

     

    Mesmo admitindo-se que o risco de captura é real, as agências não podem ser comparadas a uma espécie de Quarto Poder, num arcabouço em que apenas os três poderes da República podem ser independentes. Numa democracia, o aperfeiçoamento das instituições é tarefa permanente e o Congresso sempre pode mudar o status legal de uma agência.

     

    De qualquer forma, a experiência não revela casos de bancos centrais independentes atuando como Quarto Poder. No modelo de BC legalmente autônomo, é clássica a separação entre o Estado e o governo do momento. Os mandatos dos diretores não são coincidentes com os do presidente.

     

    “A menos que o objetivo seja aparelhar todos os órgãos para interesses próprios (partidários, pessoais ou eleitorais) e se repudie o controle democrático através do Executivo e Legislativo é que se pode afirmar que o BC independente seria um atentado à democracia”, argumenta um ex-dirigente do BC, que sentiu na pele a falta de autonomia.

     

    O Brasil passou a conviver com a chamada “autonomia operacional” do Banco CENTRAL no início do mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O Plano Real tinha seis meses de vida e a autonomia era vista como necessária para o sucesso da estabilização. “Autonomia operacional” não deixa de ser um eufemismo bem brasileiro, afinal, ou o BC é autônomo ou não é. É uma forma pomposa de admitir que o BC não é independente e está sujeito ao humor do governante de plantão.

     

    Fernando Henrique não tinha convicção acerca da importância da independência, tanto que não a propôs em oito anos de governo. Luiz Inácio Lula da Silva também não gostava da ideia, mas aceitou dar “autonomia operacional”. Em seus dois mandatos, o BC sofreu todo tipo de pressão para mudar a política monetária. No segundo, a instituição ficou isolada e seu presidente, Henrique Meirelles, sofreu hostilidades e tentativas de desestabilização.

     

    Na gestão Dilma Rousseff, o BC passou a ter um colegiado integrado apenas por funcionários públicos, uma indicação clara de que a presidente queria ter mais controle sobre as decisões. Para piorar, a diretoria decidiu divulgar o voto de cada diretor nas reuniões do Comitê de política monetária, um constrangimento a mais para quem é funcionário do Estado e corre o risco de ser perseguido e ter a carreira prejudicada pelo governo de plantão. Revelação de voto sem garantia legal é um atentado à autonomia.

     

    Há inúmeras vantagens na autonomia formal. Uma delas é a relevância do canal das expectativas, principalmente sob a vigência do regime de metas para inflação. A atuação independente permite que os outros canais de transmissão da política monetária sejam menos afetados. A garantia de que o BC tem autonomia para fixar a taxa de juros reduz o custo da política monetária: o juro sobe menos para o mesmo efeito na inflação, tendo um efeito menor sobre câmbio, crédito, demanda, emprego e atividade.

     

    A comunicação do BC, num regime de independência, passa a ter relevância maior. A adoção do “forward guidance” (orientação futura), recurso que o Fed tem usado para gerir as expectativas, é um passo à frente nessa direção, mas só será aceito pelos agentes econômicos se a autoridade for independente.

     

    O Brasil tem um histórico de inflação entre as maiores do planeta, um motivo a mais para se debater o tema. É, hoje, um dos poucos países democráticos que ainda não adotaram a independência do BC.

     

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

     

    E-mail: cristiano.romero@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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