Por Denise Neumann, Flavia Lima e Diogo Martins | De São Paulo e do Rio
O efeito do corte de gastos do governo federal sobre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pode ter consequências sobre a gestão das políticas monetária e econômica. A informação de que a Pesquisa de Orçamento Familiar 2014-2015 foi adiada preocupou economistas. Quanto mais a pesquisa é postergada, mais tempo leva para que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) absorva os novos hábitos de consumo adquiridos no período que se seguiu à explosão da classe C, à redução recorde do desemprego e ao aumento da presença dos importados na cesta de bens e serviços consumidos pelas famílias.
“Essa é a pior notícia para a inflação dos últimos meses”, diz o coordenador técnico da LCA Consultores, Francisco Pessoa. “O objetivo do sistema de metas de inflação é garantir o bem-estar da população. Sem um bom termômetro de preços, você não faz isso”, acrescenta. Claudio Considera, chefe do Departamento das Contas Nacionais no IBGE de 1986 a 1992, avalia que diante da estrutura de preços defasada fica mais difícil o trabalho de acompanhamento da inflação.
O economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que atrasos na realização da POF levam sempre a inflação a ser superestimada, o que ao longo do tempo pode fazer com que a política monetária seja mais rígida do que o necessário. “O peso dos itens nos índices de preços é alterado de acordo com a variação de preços dele no período, no caso do IPCA, no mês. Se o item acumula inflação acima da média tem seu peso ampliado no indicador e o contrário também acontece”, afirma Braz.
Assim, produtos mais caros ganham mais peso, mas não necessariamente continuam sendo consumidos. Se a população trocou o produto caro por um mais barato, isso não aparece. A POF do IBGE, além de servir como ponderação para o IPCA, também é utilizada nos Índices de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV.
Os desdobramentos do atraso em outra pesquisa, a Pnad Contínua, devem impactar não só os números do mercado de trabalho e podem ser melhor entendidos na forma como a pesquisa é vista por especialistas no tema. “É uma revolução importantíssima ao introduzir uma nova metodologia que vai substituir a pesquisa mensal de emprego”, diz o ex-presidente do IBGE, Simon Schwartzman. “É um esforço grande, vem de anos de uma equipe trabalhando nisso e acho que pode significar uma melhoria fundamental nas informações que temos sobre emprego, educação e uma série de outros dados”, afirma.
Para outro ex-presidente do órgão, Sergio Besserman, o maior problema é o instituto não realizar a Contagem da População. “Seria preferível centrar fogo na contagem populacional, pois só os censos e a contagem oferecem informações mais detalhadas em nível municipal”, afirma. “Cada vez mais a demanda dos cidadãos é focada localmente. As pessoas querem saber o que está acontecendo em suas cidades.”
Embora o adiamento de um conjunto de pesquisas seja a preocupação imediata, a perda de pessoal qualificado no IBGE também está no radar dos economistas. O que preocupa não é a qualidade do dado produzido ou o risco de que as informações possam estar erradas. “Essa situação [de falta de pessoal] afeta o tempo em que as informações são produzidas”, pondera Considera. Ele está esperando, por exemplo, que o IBGE divulgue a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) deflacionada, e não apenas em valores nominais.
Outro exemplo recente dos efeitos nocivos do contingenciamento sobre as pesquisas está na reformulação da Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física (PIM-PF). A base da pesquisa ainda é de 1998-2000 e só agora, 14 anos depois, ela está sendo recomposta para incorporar novos produtos e fábricas, como, por exemplo, uma parte das montadoras de veículos mais recentes.
A desatualização da pesquisa industrial – a base mais importante para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria- era uma crítica antiga dos economistas que acompanham o trabalho do IBGE e vinham percebendo que, em algumas áreas, crescia a discrepância entre dados alternativos (como os produzidos pela associação das montadoras) e os do instituto.
Para um ex-pesquisador do IBGE, lugar em que ingressou como estagiário e se aposentou após mais de 35 anos de trabalho, a instituição tem estabelecido uma escala de prioridades para lidar com o corte de recursos.
Enquanto nas pesquisas de campo uma alternativa tem sido o uso cada vez mais intenso de trabalhadores temporários – o que, na avaliação dele, faz sentido, dada a natureza da pesquisa -, nas pesquisas econômicas, como a da indústria, do comércio, entre outras, essa possibilidade é mais remota. Nessas áreas, diz ele, existe uma crescente demanda por novas informações e novas abordagens. “A demanda que se amplia é por mais informação e isso bate nos recursos humanos porque produzir essa informação demanda, antes, um trabalho extenso e detalhado de montagem, de desenho dessa estatística”, observa.
Esse economista lembra que apesar das deficiências de pessoal, o IBGE está alinhado às mais modernas orientações internacionais, é a principal referência estatística da América Latina, e tem conseguido produzir pesquisas novas nos últimos anos, como a recente Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), uma demanda antiga da sociedade. E é justamente toda essa “bagagem acumulada” que ele, como “ibegeano”, teme ver se perder.
Um economista do setor privado, cujo trabalho é diretamente ligado às informações produzidas pelo Instituto, observa que os problemas de falta de recursos e de perda de corpo técnico qualificado não são um movimento recente. Ele vem se desenhando ao longo dos anos e tem se manifestado principalmente no maior atraso em atualizar pesquisas ou incorporar áreas em coletas já existentes, na falta de pessoal para atender demandas do setor privado (de esclarecimento de dados, por exemplo) e na opção por descontinuar pesquisas importantes.
Fonte: Valor Econômico