Letícia Arcoverde | De São Paulo
A combinação da crise econômica e da aprovação da Lei da Terceirização em março está desenhando um bom ano para empresas que oferecem serviços de gestão de profissionais temporários e terceirizados. Segundo grandes companhias do setor, a mudança na duração de contratos temporários já contribui para um aumento na expectativa de crescimento de negócios, mas o clima ainda é de dúvidas quanto ao impacto das novas regras da terceirização.
Hoje a estimativa é que cerca de 13 milhões de trabalhadores atuem como terceirizados no Brasil, cerca de um quarto do total. Embora as funções mais comumente terceirizadas sejam limpeza e segurança, grandes grupos multinacionais atuam no Brasil na gestão de profissionais temporários e terceirizados em todos os níveis, de cargos operacionais a CEOs, passando por técnicos especializados. No caso dos temporários, o serviço existe para suprir necessidades pontuais em casos de licença e em negócios com característica sazonal ou de projetos, em áreas como vendas e finanças. Nesses casos, embora o funcionário faça parte da folha de pagamento da gestora de temporários, ele fica alocado e subordinado ao cliente onde vai trabalhar.
Já a terceirização no geral acontece quando a empresa-cliente quer deixar toda uma área a cargo da terceirizadora – por exemplo, pós-venda, atendimento ao cliente ou até o RH. Os dois tipos de negócios são mais disseminados nos EUA e países europeus, onde essas multinacionais têm origem, e a legislação brasileira sempre foi considerada um entrave para o crescimento do negócio no país. Com as mudanças na lei – e um mercado de trabalho fraco, em que profissionais qualificados estão disponíveis para ocupar esse tipo de vaga – a perspectiva é mais positiva.
No italiano GI Group, onde um dos principais negócios globalmente é a gestão de trabalhadores temporários, esta divisão no Brasil cresceu mais de 40% no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo Ana Piza, diretora de negócios do GI Group Brasil. Desde abril deste ano, o número de funcionários temporários na folha do grupo cresceu 55%. Aprovada em março, a lei 13.429/17 aumentou de três meses para 180 dias a duração de contratos deste tipo, com possibilidade de prorrogação por mais 90 dias.
Segundo Ana, além da demanda de companhias que estão se interessando pelos serviços por decorrência da mudança na lei, a leve retomada da economia está fazendo empresas que já usavam o serviço recorrerem a temporários com mais força ao invés de contratar efetivos. “Na crise, é uma alternativa para ter menos risco ao gastar o orçamento”, diz. Ela vê esse movimento na indústria, nos setores de agronegócio, bens de consumo e nas companhias aéreas.
Neste ano, o GI Group também fez aquisições de três empresas e está abrindo um escritório em Indaiatuba. A empresa têm 3 mil funcionários terceirizados na folha, número que Ana espera que vá dobrar no segundo semestre, por conta do cenário atual e pela sazonalidade das festas de fim de ano, que normalmente já traz um aumento de 40%.
Nilson Pereira, CEO do ManpowerGroup, grupo americano de recrutamento e terceirização, também percebe mais movimento acerca das mudanças nos contratos temporários. Segundo ele, os novos modelos já foram absorvidos pelas empresas, o que fez a procura por contratos com a nova duração aumentar desde a aprovação da lei. “Setores como o automobilístico, agro e educação estão se apoiando no trabalho temporário porque não têm certeza se o crescimento vai ser perene”, diz. Entre temporários e terceirizados, a empresas sentiu um crescimento de 15% no número de trabalhadores no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo Pereira. Hoje o ManpowerGroup tem 7 mil profissionais na folha.
No caso da terceirização, no entanto, ele considera que o impacto maior nos negócios do grupo venha só em 2018. “As empresas ainda estão confusas e estudando o assunto, o cenário é novo e se tornou mais complexo com a atualização das leis trabalhistas”, diz. Ele observa que as empresas estão esperando novembro, quando a Reforma trabalhista entra em vigor, para tomar essas decisões.
Além da questão jurídica, ele percebe uma preocupação estratégica no que diz respeito a terceirizar áreas do negócio principal. “O quanto é interessante para a empresa fazer essa terceirização se ali está o know-how dela?”, diz. Para ele, as oportunidades estão em poder trazer profissionais especializados para agregar conhecimento fora do “core business”, onde a empresa não consegue desenvolver profissionais.
Com isso em mente, Pereira diz que o grupo está promovendo capacitação nos próprios funcionários e em gestores da sua folha de terceirizados, para atender os clientes. “Tem um conceito errado no Brasil de que a terceirização é locação de mão de obra. É prestação de serviço, e para isso você tem que se tornar especialista naquele serviço. Estamos identificando as áreas nas quais somos especialistas”, diz. Entre elas estão RH, trade marketing, logística, varejo e atendimento ao público.
As empresas estão aproveitando o período de dúvidas e incertezas para se posicionar como consultorias sobre o tema, se aproximando de potenciais clientes. Até o fim do ano, por exemplo, o GI Group terá realizado cerca de 10 eventos em diversas cidades para “criar mais relacionamento, atrair ‘prospects’ e se firmar como empresa que gera conhecimento para o mercado de trabalho”, diz Ana Piza, diretora de negócios. A Page Interim, unidade de trabalho temporário do inglês PageGroup, também vem promovendo eventos com gestores de RH para conversar sobre as novas possibilidades após a aprovação da Lei da Terceirização e da Reforma trabalhista.
Na empresa, o crescimento no primeiro semestre deste ano foi de 60%, na comparação com o ano passado, segundo o diretor, Ricardo Haag, que diz que boa parte dele foi decorrente do momento econômico. Na crise, ele diz que as empresas buscam profissionais temporários ou terceirizados especializados em redução de custos, ao mesmo tempo em que há mais profissionais capacitados disponíveis para atuarem como temporários por conta dos cortes e demissões. “Já estávamos organizados para crescer, e agora revimos o orçamento para ter mais ambição. Para o segundo semestre, estamos falando de 15% a 20%”, diz Haag.
O PageGroup já vem apostando na unidade de temporários desde o ano passado, e Haag diz que no início deste ano a empresa deslocou uma equipe de profissionais de recrutamento e seleção para as vagas temporárias, que variam do analista a alto escalão. “A exigência em relação ao perfil e a qualidade dos profissionais é muito alta. O cliente quer contratar rápido e não quer ter período de adaptação”, diz.
Toni Camargo, diretor da divisão de staffing da holandesa Randstad no Brasil, acha que o aumento na procura por serviços de terceirização vai acontecer quando as empresas entenderem melhor as regras. “Ainda vejo por parte dos executivos muita dúvida em relação à nova lei”, diz. Mas ele já vê companhias estudando a possibilidade como um critério estratégico na decisão de contratos. Na Randstad, o aumento em número de funcionários foi de 32% no primeiro semestre, na comparação com o ano passado.
Fonte: VALOR ECONÔMICO