O projeto de lei que aumenta os salários dos servidores do Judiciário em até 78%, aprovado na noite de terça-feira pelo Senado, viola dois preceitos constitucionais. O artigo 169 da Constituição estabelece que a concessão de qualquer aumento de remuneração ou alteração de estrutura de carreiras da administração direta ou indireta só poderá ser feita se houver prévia dotação orçamentária e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Nenhuma dessas duas exigências constitucionais foi atendida. Mesmo assim, o projeto foi aprovado.
O aumento do Judiciário foi dividido em seis parcelas, sendo que a primeira seria paga a partir de 1º de julho deste ano, ao custo estimado em R$ 1,473 bilhão. Essa despesa não está prevista na lei orçamentária de 2015 e nem no anexo V da LDO válida para este ano, como manda a Constituição.
Quando foi analisado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, os deputados incluíram um artigo no projeto para contornar as exigências constitucionais. O artigo diz que os pagamentos dos aumentos “são condicionados à existência de dotação orçamentária e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias”. Mas é óbvio que o expediente encontrado não serve nem “para inglês ver”, como se dizia antigamente, pois ele não afasta os impedimentos definidos na Constituição, que exige “prévia dotação orçamentária” e “autorização específica” na LDO.
Sem controle do gasto com pessoal, ajuste fiscal fracassa
Dito de uma forma mais direta: a despesa com o aumento dos servidores do Judiciário teria que ter dotação no Orçamento deste ano e a LDO teria que ser modificada, antes da aprovação do projeto. Nada disso foi feito.
O projeto original foi de iniciativa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, enviado à Câmara dos Deputados em agosto do ano passado, antes que o Executivo encaminhasse a proposta orçamentária de 2015 ao Congresso. Portanto, a tempo da despesa ser incluída no Orçamento e da LDO ser modificada. Mas isso não foi feito, porque a presidente Dilma Rousseff mobilizou a sua base para que o projeto não fosse aprovado em 2014. Até aquele momento, antes da eleição presidencial, a base política aliada ainda atendia Dilma.
Não é o que acontece atualmente. O projeto de aumento dos servidores do Judiciário foi aprovado pelo Senado por unanimidade, com os senadores do próprio PT e da base aliada do governo defendendo a medida. A fragilidade política do governo é motivo de intranquilidade, que está expressa na elevação dos juros pagos pelo Tesouro Nacional. Um governo fraco não consegue fazer um ajuste fiscal, que impõe sacrifício e reduz expectativas de gasto.
Mesmo que a presidente Dilma vete o projeto, o problema continuará do mesmo tamanho, ou seja, ela terá que negociar uma alternativa com o presidente do STF e com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pois o Ministério Público tem um projeto nos mesmos termos, em tramitação neste momento na Câmara. É muito pouco provável que os dois aceitem os termos que foram apresentados pelo Ministério do Planejamento para o reajuste do funcionalismo.
O governo anunciou que está disposto a conceder um reajuste de 21,3% a todos os servidores federais, que seria parcelado em quatro anos: 5,5% em 2016, 5% em 2017, 4,8% em 2018 e 4,5% em 2019. Com a proposta, o governo considera ser possível manter estável a despesa com o pagamento do funcionalismo em 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB), como mostra a tabela abaixo. É provável, no entanto, que, se a fórmula for aprovada, a despesa com pessoal caia em proporção do PIB, como vem ocorrendo nos últimos anos.
A estratégia de ajuste fiscal executada pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, é baseada na necessidade de controlar o aumento das despesas obrigatórias, pois sem isso é impossível alcançar um superávit primário que mantenha estável a dívida pública em proporção do PIB.
De janeiro a maio deste ano, os gastos obrigatórios (com previdência, assistência social, seguro-desemprego e abono salarial), continuaram aumentando em termos reais e, com a economia em recessão, certamente aumentarão em proporção do PIB. A única despesa obrigatória que não está crescendo é justamente o pagamento do funcionalismo. Nos primeiros cinco meses deste ano, houve uma queda real de 1,4%, na comparação com o mesmo período de 2014.
Para controlar o aumento dessas despesas, o governo baixou MPs alterando as regras para a concessão do seguro-desemprego e do abono salarial, da pensão por morte, do seguro ao pescador e do auxílio-doença. No entanto, o governo não conseguirá obter a economia que projetava, pois o Congresso amenizou as alterações nos programas. As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais serão controladas, em parte, pelo fato de que, pela legislação em vigor, praticamente não haverá aumento real para o salário mínimo nos próximos três anos.
A regra para o reajuste dos salários dos servidores é um dos pilares do ajuste das contas públicas. Se o governo não conseguir controlar a despesa com pessoal, o ajuste fiscal irá fracassar.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras
E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico