Ausência de regras traz insegurança para investir em bitcoin

    QUEM SE SENTIR LESADO PODE ATÉ RECORRER AO CDC PARA BUSCAR INDENIZAÇÃO, DIZEM ESPECIALISTAS

    -SÃO PAULO- O forte sobe e desce das chamadas criptomoedas no último mês, em especial o movimento registrado pelo bitcoin, sobrecarregou as empresas que fazem a intermediação desse negócio, gerando queixas sobre a dificuldade em concluir as compras e efetuar os resgates relacionados a essas moedas. Por exemplo, vários investidores tiveram problemas com a corretora MercadoBitcoin, conforme reportagem publicada no último dia 6. Por se tratar de uma operação não reconhecida como investimento ou produto financeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) não regulam ou supervisionam esse mercado. Qual a saída, então, para quem enfrenta algum tipo de problema? Especialistas concordam que uma ação legal pode ser um caminho, mas ressaltam que a própria Justiça enfrenta a ausência de regulamentação desse mercado.

    Assim como os órgãos fiscalizadores tentam entender as criptomoedas para chegar a um consenso sobre considerá-las ou não um ativo financeiro, na esfera legal ainda há dúvidas sobre como proceder quando alguém se sentir lesado na compra e venda de Bitcoins. Mas uma coisa é clara: caso ocorra algum problema e seja preciso recorrer à Justiça, esse caminho será mais fácil se a empresa que fez as operações estiver estabelecida no Brasil.

    — Eu preciso saber quem está transacionando essas moedas e se essa empresa está localizada no Brasil. Caso positivo, essa instituição estará sujeita às leis brasileiras, e eu tenho muito mais garantias — explica Fabio Korenblum, sócio da área cível do Siqueira Castro Advogados, acrescentando que acionar judicialmente uma empresa fora do país é mais burocrático.

    As criptomoedas não estão sujeitas à regulação de qualquer governo ou Banco Central. As transações são feitas digitalmente, sem passar pelo sistema financeiro. As operações são validadas por milhares de computadores espalhados pelo mundo.

    Mas, mesmo que a compra de bitcoin seja feita por meio de uma empresa localizada no Brasil, Korenblum afirma que ainda não está claro qual caminho adotar para processar o intermediário que, por exemplo, não devolva o dinheiro aplicado. O tema é tão novo que não há um entendimento jurídico que afirme se essa operação caracteriza uma relação de consumo, e, neste caso, poderia ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ou se seria necessário recorrer a uma ação civil.

    — Não me parece uma relação de consumo, porque nem toda a prestação de serviço entra nessa categoria. Mas quem foi lesado pode recorrer à lei civil, que proíbe o enriquecimento indevido. Se eu tenho um valor que me pertence, no caso os Bitcoins, e quero resgatá-lo, e a empresa intermediária não cumpre com isso, ela está tendo um enriquecimento indevido — diz Korenblum.

    Seja optando pelo CDC ou por uma ação civil, a pessoa lesada irá pedir uma restituição de valores — considerando que não conseguiu resgatar o dinheiro equivalente ao seu investimento em criptomoedas. A vantagem do CDC é que o ônus da prova fica com o fornecedor do serviço ou produto. Já em uma ação civil cabe ao autor provar que foi lesado.

    Mas, devido ao fato de as moedas virtuais serem algo novo, a própria Justiça brasileira esbarra na falta de regulamentação. Em um caso de penhora recente, a 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu que as criptomoedas poderiam ser penhoradas para a execução de uma dívida. No entanto, caberia ao credor provar a existência delas. Como elas não ficam registradas em um cartório ou no sistema financeiro, é difícil obter essa prova.

    MOEDAS TÊM DE SER DECLARADAS NO IR Thiago Luís Sombra, sócio do escritório Mattos Filho, reforça que esse é um setor não regulado, uma vez que BC e CVM ainda estudam se as criptomoedas são ativos financeiros — ainda assim, na última sexta-feira, a CVM emitiu comunicado proibindo que fundos de investimento tenham moedas virtuais entre seus ativos. O órgão ainda alertou sobre os riscos associados às transações.

    — Há muitos riscos envolvidos, por se tratar de algo não regulado. Acaba sendo uma relação exclusiva entre corretora e investidor. Se houver problemas nessa relação, a pessoa lesada sempre terá o direito de recorrer à Justiça — diz Sombra.

    Por saber das dúvidas em relação ao tratamento a ser adotado, o diretor jurídico do Bitcoin Banco, Ismair Júnior Couto, explica que a empresa — que, apesar do nome, não é um banco — segue as resoluções que tratam de lavagem de dinheiro e atendimento ao cliente.

    — Seguimos o que determina o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, da Fazenda). Por isso, nas movimentações acima de R$ 10 mil, o cadastro do cliente é mais completo. E só pode comprar criptomoedas conosco quem tiver uma conta em banco no Brasil — ressalta Couto.

    Em relação ao atendimento aos clientes, ele explica que, além dos canais digitais, há um telefone para reclamações. Couto diz ainda que a equipe que valida as operações foi reforçada quando a demanda começou a subir, no ano passado. Segundo ele, a meta é fazer operações em até uma hora.

    Embora BC e CVM não considerem as criptomoedas um ativo financeiro, a Receita Federal dá a elas esse caráter. Por isso, devem ser informadas no Imposto de Renda como “Outros bens”, na declaração de bens e direitos. Pela orientação da Receita, devem ser declarados os valores a partir R$ 1 mil, considerando-se o valor pago na aquisição. Operações acima de R$ 35 mil pagam imposto sobre ganho de capital, à alíquota de 15%.

    Fonte: O Globo

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