Autonomia do BC: de quem e para quê?

    Por Claudia Safatle

    A autonomia do Banco CENTRAL volta, mais uma vez, aos palanques dos candidatos à Presidência da República, em um debate que mais confunde do que esclarece.

    A independência ou a autonomia de dezenas de bancos centrais no mundo foi um pré-requisito da implementação do regime de metas para a inflação. A primeira pressupõe amplo grau de liberdade. No caso brasileiro, nunca se pensou em independência. O que, vira e mexe, se discute aqui é a necessidade de conceder autonomia operacional legal para o BC perseguir a meta de inflação, que é definida pelo presidente da República, eleito pelo voto popular, e aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. Para tal, o instrumento é a taxa de juros.

    A autonomia implica dar ao Banco CENTRAL condições de resistir às pressões indevidas do governo, da indústria, dos bancos ou de interesses de quem quer que seja, para acomodar mais inflação em troca de mais crescimento. Se esse é um “trade-off” possível no curto prazo, no médio e longo ele é extremamente danoso para a sociedade e, sobretudo, para os mais carentes que veem a escalada dos preços corroer o poder de compra da moeda.

    No PT a discussão começa a se despir do preconceito

    Em contrapartida, o BC tem que ser submetido a um conjunto de deveres, a começar da prestação de contas de seus atos e resultados ao Congresso.

    Políticos em busca da reeleição tendem a ser, aqui e em qualquer lugar do mundo, mais lenientes com a inflação. Preferem, na visão imediatista da urna, distribuir bondades em forma de juros baixos e aumento do gasto público, comprometendo o controle da inflação. Um BC com autonomia para levar a inflação à meta é uma forma de proteger esses políticos de si mesmos e de salvaguardar os mais pobres do populismo irresponsável.

    A candidata do PSB, Marina Silva, firmou compromisso com o reforço institucional do BC no seu programa de governo. No PSDB de Aécio Neves, o tema ainda é sensível. Tucanos nunca apoiaram a ideia, mas Arminio Fraga, indicado por Aécio para o cargo de ministro da Fazenda, se eleito for, é francamente favorável à autonomia em lei. Mesmo em um grupo ainda restrito do PT a tendência é de retirar o assunto do debate ideológico e trata-lo com pragmatismo. Para economistas próximos ao partido, a ideia tornou-se mais urgente depois que o governo Dilma Rousseff fez estremecer a credibilidade do BC ao permitir a disseminação, verdadeira ou não, da crença de que ela decide sobre todos os temas da economia. Não delega.

    Chegou-se a discutir meses atrás, no PT, um esboço de proposta de autonomia para o BC garantir a estabilidade da moeda mediante o manejo da taxa Selic. Nessa versão, à missão de cumprir a meta de inflação seria acrescida a da preservação do emprego; e a gestão das reservas cambiais, as intervenções no mercado de câmbio, seria compartilhada com o Ministério da Fazenda.

    O modelo comportaria, ainda, um conselho de notáveis, com função de assessoramento, formado só por pessoas com larga experiência empolítica monetária e em fim de carreira. Isso protegeria o BC de ser capturado pelo mercado, avaliam.

    Há uma imensa variedade de possibilidades que podem emoldurar o quadro regulatório de um BC mais autônomo. A experiência internacional é rica de exemplos. O que falta é uma discussão séria e aberta sobre os ônus e os bônus de uma iniciativa dessa natureza.

    No ano passado houve uma tentativa, abortada por Dilma, de dar andamento ao projeto de lei de autonomia que dorme nas gavetas do Congresso Nacional há sete anos, sob o patrocínio do ex-presidente Lula. Era uma forma de sossegar os mercados e empresários descrentes da política econômica do governo. Um meio de resgatar a confiança no governo e reduzir o custo da desinflação.

    Mais recentemente, imaginou-se, no âmbito da candidatura de Dilma à reeleição, abrir esse debate mediante proposta de lei ao Congresso, até como uma forma de ganhar espaço para a correção dos preços represados no próximo ano, sem ter que arrochar mais a política monetária para impedir o descontrole inflacionário.

    O regime de metas, opção que se espalhou por dezenas de países dos anos 1990 para cá, é o que tem se mostrado mais eficaz para estabilizar os preços, por sua simplicidade e transparência.

    O governo define a meta de inflação e delega ao Banco CENTRAL – cuja diretoria é ocupada por nomes da escolha do presidente eleito e aprovada pelo Senado – a missão de cumpri-la. O arcabouço comporta salvaguardas para acomodar choques de oferta e bom-senso para, em nome de uma trajetória de desinflação, não afundar o país na recessão.

    A base do sistema é a coordenação das expectativas. Quando mais bem sucedido for o BC nessa tarefa, menor será a elevação dos juros necessária para domar a inflação. Para tanto, a autoridade monetária precisa de sólida credibilidade junto aos agentes econômicos. E a terá se tiver autonomia para agir e essa seria expressa por mandatos não coincidentes com os ciclos eleitorais para os dirigentes do BC.

    A discussão sobre o porquê de o país ter, por longos anos, as maiores taxas de juros do mundo é legítima e necessária na campanha eleitoral e fora dela. Ao invés de reduzir o problema à suspeita de que o BC está tão somente a serviço dos banqueiros, deveria se começar a analisar a realidade da estrutura do crédito no país.

    Hoje praticamente metade do crédito é direcionado e os que têm acesso a esses empréstimos pagam juros subsidiados de no máximo 9% ao ano (são os financiamentos do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa). Aos demais sobra o crédito no segmento livre, que custa juros acima de 30% ao ano.

    Essa é uma das distorções que reduz o raio de alcance da política monetária e obriga a economia a ter que conviver com taxas mais elevadas nos ciclos de desinflação.

    Se tivesse menos sujeito às intempéries do governo, às estripulias fiscais e à consequente dificuldade de coordenar as expectativas, talvez o BC não tivesse que elevar os juros a 11% ao ano às vésperas da eleição presidencial e, ainda assim, encerrar o exercício com inflação na casa dos 6%.

    Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

    E-mail: claudia.safatle@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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