O governo quer estabelecer mandatos fixos para dirigentes do Banco Central (BC) no projeto que concede autonomia operacional para a instituição, segundo informaram ao Valor fontes oficiais. Um projeto elaborado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) prevê dois objetivos explícitos para a política monetária, o controle da inflação e o nível de emprego.
Ontem, o presidente Michel Temer discutiu o assunto com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Hoje, Meirelles e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, também vão conversar sobre o tema em almoço no Ministério Fazenda. O texto do projeto de lei está sendo costurado por Jucá a partir de várias propostas apresentadas por senadores nos últimos anos. Também terá como subsídio estudos feitos pela autoridade monetária dentro de sua agenda de reformas microeconômicas, conhecida como “Agenda BC+”.
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Autonomia do BC reduziria prêmio de risco de longo prazo
O projeto de autonomia operacional do BC defendido por Jucá tem como pilares mandato fixo para a diretoria, não coincidente com o do presidente da República, e duplo objetivo para a política monetária, incluindo meta de inflação e emprego, seguindo o modelo do Federal Reserve (Fed, o BC americano). Segundo fontes do Palácio do Planalto, será preciso vencer algumas resistências de Meirelles. O ministro tem argumentado junto à presidência que esse modelo funciona bem nos Estados Unidos, mas há dúvidas se serviria para a realidade brasileira.
Uma proposta anterior de Jucá previa mandatos de quatro anos para o presidente e diretores do BC, com possibilidade de uma recondução. O período começaria no terceiro ano do mandato do presidente da República, com encerramento ao final do segundo ano do mandato presidencial seguinte. Esse projeto, porém, havia sido apresentado como emenda constitucional, o que se torna inviável agora com a decretação de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.
O Banco Central também vinha estudando uma eventual adoção de mandatos para dirigentes da instituição. Alternativamente, considerava a implementação da chamada “autonomia técnica” – ou seja, uma legislação que assegurasse que o BC teria garantia de autonomia operacional mesmo sem mandato fixo. O projeto incluía ainda outras duas dimensões: a autonomia administrativa e orçamentária.
A adoção de mandatos fixos é uma evolução em relação aos planos iniciais do governo Temer. No ano passado, quando anunciou Ilan no BC, Meirelles informou que o governo estudava um modelo de autonomia técnica sem mandato fixo.
A autonomia operacional em lei é uma antiga reivindicação do Banco Central, mas Ilan vinha defendendo que, neste momento, o tema prioritário na agenda legislativa do governo deveria ser assegurar o funcionamento do teto de gastos com a aprovação da Reforma da Previdência.
Jucá disse, em entrevista ao Valor, que vai apresentar sua proposta de autonomia do BC ainda nesta semana. “Não haverá uma política monetária apenas para conter inflação, mas sim para os pressupostos da economia, da qualidade de vida. O Fed já faz isso, tem esse duplo mandato”, disse. A previsão dele é que a medida tramite rapidamente, com aprovação em março.
A proposta de autonomia do BC foi anunciada anteontem pelo governo como parte de um conjunto de 15 medidas econômicas que vão ser priorizadas depois de fracassados os esforços de aprovar a Reforma da Previdência antes das eleições presidenciais.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), esfriou ontem as chances de aprovação das medidas. “Foi um anúncio precipitado o de ontem [segunda-feira], sem diálogo mais profundo, acho que não colabora. E essa não será a pauta da Câmara.”
A proposta de Jucá de incluir mais de um objetivo explícito para a política monetária torna a autonomia mais palatável ao Congresso, que concederia mais poderes ao BC em troca de compromisso explícito com o nível de emprego.
Nos EUA, o “Federal Reserve Act” estabelece que os objetivos do BC são “o máximo emprego, estabilidade de preços e Juros de longo prazos moderados”. O Fed, porém, tem autonomia de objetivos. Ou seja, é livre para escolher entre mirar a inflação ou o emprego quando esses objetivos são concorrentes. Em geral, o Fedfoca na inflação. Depois da crise financeira internacional de 2008, perseguiu tanto o pleno emprego quanto a inflação porque não havia conflito entre eles, já que ambos estavam aquém dos níveis desejados.
No Brasil, o Banco Central não tem autonomia prevista em lei, mas os dirigentes da instituição costumam afirmar que têm liberdade de fato concedida pelo presidente da República. O mercado, porém, costuma desconfiar de eventuais interferências.
O BC sempre defendeu a autonomia operacional de instrumentos. Nesse modelo, a legislação fixaria a estabilidade monetária como único objetivo explícito. O Conselho Monetário Nacional (CMN) fica responsável por definir as metas de inflação. O BC teria autonomia para subir ou baixar os Juros para cumprir as metas de inflação.
Quando o BC foi criado, em 1964, seus dirigentes tinham mandato fixo, que foi revogado em 1967, no governo militar de Costa e Silva. A ideia de conceder autonomia foi retomada no Plano Real, de 1994, mas o presidente Itamar foi contra. Faltou apoio também nos governos FHC, Lula e Dilma.
Autonomia do BC reduziria prêmio de risco de longo prazo
Por Lucas Hirata, Lucinda Pinto e José de Castro | De São Paulo
A suspensão dos trâmites da Reforma da Previdência não chegou a frustrar o mercado financeiro, que acabou se voltando para a proposta de autonomia operacional do Banco Central, parte do pacote de medidas anunciado pelo governo. Dentre as 15 medidas do pacote, a de conceder autonomia operacional ao BC foi a mais comentada nas mesas de operação. E analistas consideram que a aprovação da independência formal da autarquia teria potencial para provocar queda importante nos prêmios de risco de longo prazo.
O ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, afirma que a proposta é a única que ainda “não está no preço do mercado” – ou seja, investidores ainda não incorporaram aos cenários essa possibilidade. “Não sabemos exatamente qual seria o projeto a ser proposto, mas certamente é algo que não está no preço, que poderia ter impacto sobre a curva de Juros“, afirma Kawall.
Atualmente, o BC tem a chamada autonomia “de facto” (o Executivo se compromete publicamente a oferecer autonomia), mas não “de jure” – determinada por lei. O entendimento é que uma autonomia formal ajudaria a distanciar a política monetária de ciclos políticos, por exemplo. O “natural”, a partir da autonomia do BC, seria a redução das metas de inflação durante os próximos anos, segundo Marco Caruso, economista do Banco Pine. “É o caminho que se espera conforme o mercado perceber que o ciclo da Selic ficará mais desconectado do político.”
Para o ex-diretor de política monetária do Banco Central e atual sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, a discussão sobre a autonomia do Banco Central “está para lá de madura” e tem grande chance de avançar neste governo. Ele ressalva, porém, que o impacto imediato de uma medida como essa nos preços dos ativos pode ser pequeno, uma vez que o BC atual goza de “enorme” autonomia e credibilidade. “Ele pode não ter o impacto no juro longo agora, mas, com certeza, numa situação mais adversa, o juro longo subirá menos.”
A repercussão favorável nos custos de financiamento de longo prazo, a partir de uma eventual aprovação da autonomia do BC por lei, decorre da percepção de que a ausência dessa garantia mantém presente algum risco de ingerência política nas decisões de política monetária. Isso provoca elevação das estimativas de inflação de longo prazo, o que leva investidores a projetar taxas nominais de Juros também mais altas para manter os preços dentro das metas perseguidas pela autoridade monetária.
De acordo com dados da gestora Quantitas, o mercado projeta nas Notas do Tesouro Nacional-Série B (NTN-B) inflação em torno de 6,3% ao ano para 2024. Esse nível não só é 2,3 pontos percentuais mais alto que o alvo buscado pelo BC para 2020 (4,00%, prazo mais longo a contar com meta já definida) como extrapola o intervalo do limite máximo de tolerância para o referido ano (de 5,50%).
Não é de se estranhar, portanto, que investidores projetem – em contratos de Juros futuros da B3 – Selicmédia de 11,05% ao ano para 2024, 4,3 pontos percentuais acima da taxa atual, de 6,75%.
Em artigo de setembro de 2014, o economista Márcio Garcia, da PUC-Rio, relatava que a adoção da autonomia do BC havia se mostrado mais eficaz em países que impunham grau “intermediário” de restrições a seus mandatários, “o que é precisamente o caso do Brasil”, segundo ele.
A proposta de autonomia do BC é uma dentre um conjunto mais amplo de medidas anunciadas pelo governo para sinalizar que segue atuante em temas econômicos, já que a Previdência por ora não será discutida. De forma geral, as iniciativas foram recebidas com algum ceticismo pelo mercado, que aumentou depois das críticas feitas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no fim da tarde de ontem. “Foi desrespeito ao Parlamento”, disse Maia, que repreendeu o governo porque as medidas anunciadas pelo Executivo, segundo ele, já estavam na Casa.
“É um conjunto de medidas que tem pouca lógica interna, não tem muita consistência, mas são importantes”, diz José Márcio Camargo, economista da gestora Opus e professor da PUC-Rio. Segundo ele, as propostas do pacote não substituem a Reforma da Previdência, mas contribuem para o fundamento da economia caso sejam aprovadas.
Kawall, do Safra, considera que o comportamento relativamente tranquilo do mercado ontem, mesmo confirmada a suspensão da reforma previdenciária, indica que investidores ainda contam com mudança nas leis da Previdência em algum momento. “O benefício que o mercado está dando tem a ver com a visão de que a reforma está sendo adiada, mas que será retomada logo após a eleição”, afirma. “Isso significa que, caso um candidato contrário à reforma mostre ter mais chance, o mercado irá reagir negativamente.”
Fonte: VALOR ECONÔMICO