É razoável o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki deixar para fevereiro a decisão sobre o pedido de afastamento do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, feito pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Não se trata de uma decisão qualquer. Está em jogo a autonomia de um dos Poderes da República. Esse é o desafio a ser enfrentado por Zavascki – conter Cunha, se for o caso, sem interferir em assuntos estritos a outro Poder. Por isso é elogiável a prudência do ministro.
Fosse outra a circunstância, certamente se ouviria na Câmara e no Senado discursos inflamados sobre a soberania do Congresso. Mas a cúpula do Legislativo e umas seis dezenas de parlamentares, uns mais outros menos envolvidos na Lava-Jato, estão moralmente acuados, incapazes de formular uma reação institucional. Outros deputados e senadores sem o rabo preso na Lava-Jato temem o contágio ou simplesmente acham que Eduardo Cunha já não vale a pena.
A atuação histriônica de Eduardo Cunha também contribui para que gente de bem mantenha distância. À parte as manobras políticas próprias do Parlamento, a truculência e os métodos adotados pelo presidente da Câmara não recomendam solidariedade. Mas não apenas Cunha que está em questão.
O deputado pode ou não vir a ser cassado pela Câmara dos Deputados, que nos últimos anos tem sido mais corporativa que nunca. À exceção de José Dirceu (PT) e Roberto Jefferson (PTB), por exemplo, os deputados evitaram a cassação do mandato dos demais integrantes do mensalão. Praticamente todos foram depois condenados pelo STF e estão presos ou em prisão domiciliar.
O Supremo foi rápido ao mandar prender o senador Delcídio Amaral (PT-MS). As provas de que o senador interferia numa investigação eram contundentes. Janot mencionou 11 supostos atos que justificariam o afastamento de Cunha. Alguns parecem manobras regimentais típicas do Parlamento. Mas também há suspeitas graves. Resta saber se elas serão suficientes para afastar o presidente de um outro Poder. Zavascki terá tempo para refletir e decidir.
Goste-se ou não do deputado Eduardo Cunha, e quem se conduz pela boa prática política não gosta, o Brasil vive num regime de Estado de Direito conquistado a duras penas. Cunha deve sim ser punido pelos crimes que tiver cometidos, se sua culpa for provada. Assim como a presidente Dilma Rousseff não deve ser vítima de um eventual golpe contra a Constituição ou sofrer um impeachment apenas porque seu governo é incompetente, não bastam para afastar Cunha manobras regimentais usadas à exaustão no Parlamento. Sobretudo, não deve permanecer a suspeita de que Janot usa o Supremo como instrumento de uma batalha política.
Fonte: Valor Econômico