Awazu propõe novo regime de metas de inflação

    Por Eduardo Campos | De Brasília

    O diretor de Assuntos Internacionais e Regulação do Banco Central (BC), Luiz Awazu Pereira, propõe que países emergentes como o Brasil promovam mudanças nos seus regimes de metas de inflação para incorporar explicitamente preocupações com a estabilidade financeira, adotando um sistema que ele chama de regime de “metas integradas de inflação”. Com esse novo regime, além de buscar preços estáveis, o BC também inibiria a formação de bolhas financeiras.

    A proposta faz parte de estudo de Awazu em coautoria com o economista Pierre-Richard Agénor, da Universidade de Manchester, publicado como texto para discussão na página do Banco Central (BC). O estudo não necessariamente reflete a visão do BC.

    O que Agénor e Awazu defendem é que os bancos centrais manipulem a taxa de juros não apenas de olho na inflação e na capacidade ociosa da economia, como ocorre hoje com o uso disseminado da chamada de regra de Taylor. Eles defendem uma versão ampliada da regra que inclua um parâmetro que capture o eventual crescimento excessivo do crédito. Há uma ressalva sobre essa variável crédito: ela funciona desde que o país não conviva com distorções causadas pelo crédito direcionado excessivo.

    “Esse regime pode ser definido como um regime de metas flexível. Por esse regime, o mandato do Banco Central é explicitamente ampliado para incluir o objetivo de estabilidade financeira. A taxa de juros é determinada para responder diretamente a uma bem definida medida de crescimento excessivamente rápido do crédito. As políticas monetária e macroprudencial são calibradas em conjunto para a estabilidade macroeconômica [preços] e financeira”, diz o estudo.

    Adicionalmente, defendem os autores, o BC também pode atuar no mercado de câmbio para mitigar o excesso de volatilidade e seu efeito adverso sobre os setores financeiro e real da economia.

    Também é necessária uma sólida posição fiscal do país, que mantenha os prêmios de risco baixos e estáveis.

    Desde a crise internacional, cujo marco foi a quebra do banco Lehman Brothers, economistas do mundo todo têm chegado à conclusão de que o sistema de metas de inflação puro, que visa a inflação baixa e constante, não tem sido suficiente para evitar períodos de instabilidade financeira. De forma crescente, especialistas defendem que os bancos centrais tenham como meta explícita a estabilidade financeira.

    O consenso que vem se formando é que os bancos centrais usem mais de um instrumento de política monetária para atingir esse objetivo duplo. No caso, medidas macroprudenciais seriam usadas em conjunto com a taxa de juros para garantir a estabilidade financeira e a variação dos preços sob controle.

    Para os autores, o uso dessa “função reação” ampliada de política monetária pode ser benéfica para os países de renda média. Isso porque o BC terá a habilidade de estimar, monitorar, reagir e mitigar alguns catalisadores do mercado de crédito, que, quando deixados de lado, podem levar a um crescimento excessivo dos financiamentos e inflar o preço dos ativos financeiros.

    Este não é o primeiro trabalho de Awazu que discute as implicações da crise sobre o Brasil e a política monetária de países emergentes. Um recente trabalho abordou como a política do Federal Reserve (Fed), banco central americano, resultou em ingresso de recursos no país. Awazu é o diretor que representa o presidente do BC, Alexandre Tombini, em fóruns internacionais, como G-20 e FMI, e também foi um dos diretores que votaram contra o aumento da Selic em abril, quando a taxa básica estava em 7,25% ao ano.

    Para adotar essa regra de Taylor ampliada, o BC terá de escolher como calcular essa diferença entre o crescimento real e o crescimento potencial do mercado de crédito. Neste ponto, diz o trabalho, o BC tem de decidir qual será a medida de crédito a ser utilizada. Isso passa pela definição de uma variável de crédito real ou nominal e se será utilizada uma medida agregada ou um componente total, como o crédito privado, por exemplo.

    Feito isso, há que se definir como o crescimento potencial do mercado de crédito será estimado. Esse potencial pode ser calculado utilizando parâmetros estatísticos e filtros. Mas dado que os países de renda média ainda passam por um processo de amadurecimento financeiro, a melhor saída, sugerem os autores, pode ser a busca de uma relação crédito sobre PIB de equilíbrio, que seria obtida relacionando fatores fundamentais da economia.

    Os autores ponderam que, como esses países sofrem com um elevado grau de incerteza em estimar o PIB potencial em tempo real, esse “credit growth gap” pode produzir uma medida mais tempestiva e confiável sobre o excesso de demanda na economia.

    Outro ponto que pode ser considerado na composição dessa função reação ampliada é alguma medida de volatilidade da taxa de câmbio, diz o estudo. Movimentos de fluxos de capital, bem como a determinação da taxa de juros, têm implicações sobre o câmbio e, consequentemente, sobre o mercado de crédito. Isso já foi testado aqui, quando o BC adotou medidas para limitar posições vendidas em câmbio que eram utilizadas pelos bancos como forma de se obter reais para irrigar o mercado de crédito.

    Finalmente, e talvez o mais importante, na visão dos autores, é que o BC terá de lidar com os temas credibilidade e expectativas, e ambos podem ser afetados pela introdução da nova política.

    “A introdução de uma ‘função reação’ modificada pode ter implicações para a credibilidade se seus objetivos não forem comunicados de forma adequada e bem compreendidos pelo público. Não dar a devida atenção para isso pode afetar as expectativas inflacionárias. Esse fato será de máxima importância para o BC que embarcar no regime de metas integradas de inflação”, concluem os autores, apontando que muitos países estão, implícita ou explicitamente, utilizando alguma forma do regime de metas integradas de inflação proposto quando enfrentam os desafios impostos pelo pós-crise.

     

    Fonte: Valor Econômico

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