Os dados de empenho e pagamento de emendas parlamentares indicam que a mudança constitucional que as tornou “impositivas” em 2015 não foi suficiente para impedir que elas possam ser usadas como moeda de troca por apoio político, como se viu na primeira denúncia contra o presidente Michel Temer e também no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A Secretaria de Governo da Presidência diz que os critérios para empenho e pagamento são “impessoais e igualitários”. Mas agora que a segunda denúncia contra Temer chegou à Câmara, já se antecipa no Congresso a retomada de intensas negociações entre deputados e governo, ainda mais após o anúncio de que ao menos mais R$ 1 bilhão em emendas serão descontingenciados.
Se fosse seguida a risca a previsão constitucional de que 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior fosse alocado para pagamento das emendas, bem como a distribuição dos valores fosse equivalente entre os parlamentares, não haveria espaço para barganha.
Mas os números mostram que há espaço para o jogo político influir tanto no empenho – quando se reserva a verba – como no pagamento de emendas. Seja em termos agregados ou por parlamentar.
Neste ano, conforme dados do site Siga Brasil, os meses de junho e julho, que antecederam a votação de denúncia contra Temer, concentraram 94% do empenho de R$ 3,49 bilhões em emendas de deputados até agosto.
No governo anterior não foi diferente. Em maio de 2016, mês da votação do pedido de abertura de processo de impeachment, houve o maior empenho mensal já registrado, de R$ 3,28 bilhões apenas para os deputados. E como os valores continuaram a ser reservados pelo governo que assumiu, o empenho total atingiu R$ 7,26 bilhões no ano, cifra de 70% a 100% maior do que foi pago nesse tipo de rubrica nos anos de 2015 e 2016, o que indica que a consequência será um crescimento dos restos a pagar.
Mesmo no pagamento, critério em que a impositividade é verificada, há espaço para o governo afrouxar mais ou menos a torneira. O valor pago em 2015, de R$ 4,2 bilhões, equivaleu a 0,65% da receita líquida de 2014, enquanto em 2016, quando cifra foi de R$ 3,65 bilhões, o índice foi de 0,54%.
Neste ano, o valor efetivamente pago a pedido apenas de deputados até agosto atingiu R$ 2,4 bilhões, cifra 367% maior que os R$ 654 milhões pagos no mesmo período de 2016, a despeito do discurso de aperto fiscal.
Quando se a faz a análise por parlamentar, levantamento feito pelo Valor com dados do Siga Brasil mostra que há uma discrepância relevante entre os valores de emendas por deputado ou senador mesmo ao fim do ano, seja pelo critério de empenho ou de pagamento.
Numa base de 593 parlamentares (que tiveram tanto empenho quanto execução financeira de emendas), o valor de pagamento médio de emendas no quartil mais bem atendido ficou em R$ 9,47 milhões em 2016 (único ano completo com dados disponíveis sobre pagamento, inclusive de emendas empenhadas em anos anteriores) – com 15 deputados e senadores tendo direito a mais de R$ 12 milhões -, enquanto no pior quartil a execução financeira média se situou em R$ 1,85 milhão.
No critério de empenho, os parlamentares do quartil de maior sucesso na tarefa empenharam, em média, R$ 7,88 milhões em 2015, enquanto no grupo menos atendido a reserva orçamentária média ficou em R$ 3,07 milhões. Em 2016, um ano mais atípico por causa da troca de governo, os valores se aproximaram. O grupo de parlamentares mais agraciados teve empenho médio de R$ 13,45 milhões, enquanto o quartil menos afortunado teve reserva média de R$ 10,38 milhões.
Neste ano até 9 setembro, a diferença voltou a crescer. O grupo “de cima” está com média de R$ 9,76 milhões em empenho, enquanto o quartil inferior tem média de empenho de R$ 4,23 milhões.
Em resposta por escrito, a Secreta de Governo disse que a disparidade dos valores se justifica por “impedimentos de ordem técnica”, que se verifica após análise dos órgãos executores das emendas, “independentemente do autor, sendo assim critérios impessoais e igualitários”. Em relação aos pagamentos, o órgão diz que eles dependem da “não existência de pendências nos contratos/convênios firmados, e do avanço do percentual de realização de cada obra”.
O Valor cruzou os dados de empenho de emendas de deputados em 2017 até a data da votação da primeira denúncia contra Temer com a posição formal do partido do deputado – se integrante ou não da base governista -, bem como com o voto proferido. Os parlamentares de partidos que apoiam o governo e defenderam Temer no processo tiveram empenho médio de R$ 7,33 milhões para suas emendas até agosto. Já os deputados de fora da base (independentes ou oposição) que votaram contra o presidente da República tiveram empenho médio de R$ 6,58 milhões para suas emendas – uma diferença de R$ 750 mil per capita
Na parte de pagamento, considerando que R$ 823 milhões foram executados em agosto, após a votação da primeira denúncia, o grupo de deputados de partidos de fora da base, mas que apoiaram Temer, teve a maior liberação média, de R$ 2,3 milhões, ao passo que os “traidores” – integrantes de siglas da base que se manifestaram a favor da investigação do presidente, tiveram a pior média de execução até agora, de R$ 810 mil.
Alguns deputados ouvidos pela reportagem alegam que possuem emendas já aprovadas e com projetos executados que não são pagas. Conforme o assessor de um deles, o deputado se nega a ir cobrar na Secretaria de Governo o pagamento do valor que é devido porque entende que, ao fazer esse tipo de demanda, entra no jogo de troca de favores do qual quer se distanciar: “O pagamento é de responsabilidade do Executivo”.
O deputado Julio Delgado (PSB-MG) diz que chama atenção o volume elevado de pagamentos sendo realizado nesta época do ano, e que haja execução financeira de emendas deste ano, em vez de se priorizar restos a pagar de emendas de 2015 e 2016.
Segundo o deputado Ivan Valente (Psol-SP), a situação era mais escandalosa antes de as emendas se tornarem oficialmente impositivas. “Mas eles continuam a dar prioridade, pagando primeiro ou em maior quantidade as emendas daqueles que votam com o Temer.” Sobre os motivos técnicos de impedimento, ele diz que os ministérios podem arrumar “pinimba” para travar: “Começam a achar defeito no projeto e pedem para refazer”.
Fonte: VALOR ECONÔMICO