Banco Central faz contraofensiva no Senado por PEC de autonomia financeira

    Assessores percorrem gabinetes após freio colocado por governistas à proposta defendida por Campos Neto

    BRASÍLIA

    Assessores e técnicos do Banco Central têm percorrido gabinetes no Senado para pedir apoio à PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia a autonomia da autoridade monetária.

    A medida é defendida pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, cujo mandato termina em dezembro.

    A ofensiva pela aprovação da PEC ocorre em meio à mobilização de uma ala dos servidores contrária à mudança de autarquia para empresa pública e à resistência de senadores governistas. Apesar de ter autonomia assegurada em lei desde 2021, a autoridade monetária não tem poder sobre o próprio orçamento.

    A partir da PEC, o Banco Central passaria de autarquia especial para empresa pública de natureza especial, o que daria maior autonomia financeira, como ocorre no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

    Sede do Banco Central, em Brasília – Pedro Ladeira-21.jun.2024/Folhapress

    Um assessor afirma, de forma reservada, que o BC deu início à agenda de visitas no início do mês, após a divulgação do relatório, para garantir que as sugestões feitas por membros da instituição haviam sido incorporadas pelo relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM).

    Um resumo de argumentos a favor da PEC tem sido levado aos parlamentares. Entre outros pontos, o documento afirma que a proposta vai trazer “economia de gastos fiscais” e liberar R$ 5 bilhões para “outras prioridades do governo, em especial, na área social”.

    O texto também diz que a medida vai beneficiar a sociedade, o BC, os servidores, o governo e o próprio Congresso, que cumpriria a “missão de consolidar a autonomia” da instituição e continuaria com o “papel fiscalizatório”.

    “Esta é uma proposta que apresenta ganhos em diferentes esferas: a sociedade brasileira, com novas e melhores entregas e inovações que o BC vai ter condições de fazer; o próprio BC, que vai ter as condições necessárias para fazer o seu trabalho de forma mais eficiente”, diz trecho do resumo.

    As conversas têm sido conduzidas no Senado pelo chefe do departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, o chefe de gabinete da diretora de Relacionamento, Arthur Campos, e o chefe da assessoria parlamentar, Bruno Peres.

    Rocha participou da audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado na terça-feira (18), entre os convidados favoráveis à PEC.

    Por causa do compromisso no Congresso, ele não compareceu à sessão inicial do Copom (Comitê de Política Monetária), durante a qual funcionários do BC fornecem subsídio técnico ao colegiado para a calibragem da taxa básica de juros, a Selic.

    Em sua argumentação na CCJ, Rocha disse que a ampliação da autonomia ocorreria “com a devida governança e os devidos controles” e que isso ajudaria a concluir “um longo processo de evolução institucional”.

    O técnico também mencionou alguns impactos sobre as estatísticas fiscais do país, uma vez que a autoridade monetária deixaria de compor a conta do governo central, que compreende hoje o Tesouro Nacional e a Previdência Social, além do BC.

    Destacou a exclusão do resultado primário do BC, que em 2023 correspondeu a um déficit nominal de R$ 465 milhões, o que tornaria a conta do governo central mais superavitária.

    Ressaltou ainda o alinhamento do cálculo da dívida bruta ao padrão internacional. O conceito do FMI (Fundo Monetário Internacional) engloba toda a carteira livre, não apenas as operações compromissadas (venda de um título com o compromisso de recompra em um prazo determinado).

    Essas informações constam no material de apoio usado pelo chefe do departamento de Estatísticas –colocado à disposição dos parlamentares na contraofensiva do BC.

    A audiência foi convocada depois que senadores governistas levaram ao presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), a informação de que o relatório de Plínio seria derrotado se fosse colocado em votação.

    Após a sessão de debates, o relator disse que estava “preocupado” com a mobilização. “É o servidor que me preocupa. Embora eles estejam protestando por protestar, já ficou claro que o movimento ali é político e eu não quero me envolver nisso”, afirmou o senador a jornalistas.

    Como mostrou a Folha, um parecer feito pela liderança do governo no Senado afirma que a PEC é inconstitucional, cria insegurança jurídica para os servidores e coloca em xeque a fiscalização de instituições financeiras.

    Entre outros pontos, a nota técnica afirma que a proposta é ambígua e gera “incerteza quanto ao regime jurídico” ao criar uma empresa pública com funções incompatíveis com a exploração de atividade econômica, como a emissão de moeda e a gestão de reservas internacionais.

    Fonte: Folha de São Paulo

    Matéria anteriorAndré Lara Resende, ex-BNDES: “Autonomia financeira do BC é um regresso de 100 anos”
    Matéria seguintePEC 65/23: Servidores do Banco Central seguem em protesto contra proposta de Plínio Valério