‘Banco Central tem que mostrar quem manda’

    Por Eduardo Campos | De Brasília

    Em algum momento ocorrerá uma inevitável correção para cima na cotação do dólar, com alta probabilidade de se transformar numa traumática “parada súbita”. A pressão desse ajuste vai trazer de volta a inflação e exigir nova elevação da taxa Selic. Se for um ajuste súbito, haverá também uma freada no crescimento.

    A avaliação foi feita em junho de 2011, pelo ex-presidente do Banco Central (BC) e atual sócio da consultoria Macrométrica, Francisco Lopes, em artigo para uma série especial do Valor sobre câmbio, juros e inflação.

    No artigo intitulado “Sobre risco cambial, besouros e borboletas”, Lopes criticou a forma de construção das reservas internacionais e apontou a formação de uma autêntica “bolha especulativa” nas reservas que poderia estourar entre 2013 e 2105 com graves consequências.

    Passados mais de dois anos do artigo, Lopes aponta que o momento atual não é exatamente aquele previsto por ele, mas pondera que a avaliação feita em 2011 serve de pano de fundo para a problemática atual.

    Como as reservas foram construídas, em grande parte, com dívida, diz Lopes, elas estão sujeitas aos financiadores demandarem seu dinheiro de volta. “É uma contingência que tem de ser contemplada. A grande atração para a entrada de dinheiro foi o diferencial de juros interno e externo e um ambiente de muita liquidez internacional. Esse é o cenário que pode mudar”, afirma.

    Retomando o artigo, Lopes escreveu, em 2011, que uma das poucas coisas que o governo poderia fazer diante da perspectiva de um inevitável ajuste cambial no futuro era preparar seus planos de contingência para um amortecimento da desvalorização. “Em particular, tanto o Banco Central como outras áreas mais politizadas do governo têm que estar psicologicamente preparadas para entregar aos ‘malditos especuladores’ o butim resultante de suas operações cambiais no país, sendo que isso poderá significar a perda de um grande e imprevisível volume de reservas internacionais (metade das reservas, por exemplo?)”, escreveu em 2011.

    Esse é o ponto central agora, diz Lopes, o BC pode sim administrar o ajuste no câmbio, mas, para isso, tem de operar com determinação tanto no mercado à vista como no de derivativos.

    A valorização atual do dólar não é caracterizada por uma demanda por hedge (proteção). “Tem contornos de um ataque especulativo”, diz, ponderando que embora não haja forte saída de recursos do país, o especulador se baseia nessa possibilidade.

    De fato, diz Lopes, há um movimento especulativo em diversos países emergentes, como Índia, Indonésia e África do Sul. São países que têm situação vulnerável na parte fiscal, no balanço de pagamentos e passarão, como o Brasil, por eleições em 2014.

    “No caso Brasileiro tem outra vulnerabilidade que é o fato de o governo resolver considerar que as reservas internacionais são sagradas, não se pode perder um tostão. É o que chamo de sacralização das reservas”, diz Lopes, que tratou do tema em texto enviado a clientes sob o título: “O problema do câmbio ou como não se afogar em poça d’água”.

    Segundo Lopes, o problema dessa postura é que o governo atua como se não tivesse as reservas e assim, o mercado e os especuladores fazem o movimento que querem. Para Lopes, o dólar verde-amarelo produzido pelas operações de swap está longe de ser um substituto perfeito para o dólar verdadeiro. “A ideia de que operar com swap é o mesmo que operar com reservas é um equívoco”, diz.

    Com os swaps e os leilões de linha não há saída de moeda das reservas, o que BC faz é estimular o próprio sistema financeiro a prover os dólares para quem quer proteção, especulação ou mesmo sair do país. Mas esse é um modelo frágil, diz.

    “Todo mundo com experiência no mercado diz que se o BC quer defender a taxa de câmbio, não quer que ocorra movimentos descontrolados, ele tem de mostrar firmeza no mercado à vista. As operações de swap são tímidas. O Brasil está sofrendo uma ilusão achando que controla o câmbio só com swaps. Isso é muito arriscado”, diz.

    Para o economista, com o dólar rodando a R$ 2,40, ou buscando R$ 2,50 conforme algumas projeções, os impactos inflacionários serão muito dramáticos.

    Nos cenários desenhados por ele, a inflação chega a picos de 8% em 2014, considerando um câmbio a R$ 2,50. Na casa de R$ 2,40, o IPCA para este ano iria a 5,95%, e subiria 7,21% em 2014.

    “Não pode ter uma posição de que as reservas são sagradas. Tem reservas é para poder usar. O BC tem que mostrar que ele manda nesse mercado. Não pode ficar em uma posição de medo. Se ele ficar assim é atacado”, diz.

    Essa é a questão de “se afogar em poça d’água”, diz Lopes, apontando que com a posição de reservas de mais de US$ 370 bilhões, o BC pode colocar a taxa onde desejar. “O BC pode se perguntar que inflação quer ter, ver qual o câmbio compatível e operar a taxa de câmbio. Se ele for tímido, medroso, ele está dando sinal de que não é prioritário para ele defender o câmbio”, explica.

    Para o economista, a taxa de câmbio atual já é muito ruim para o cenário de inflação. “Com essa taxa já podemos ir acima da meta. O que o BC vai fazer? Levar a Selic para 15% para compensar isso? O governo vai fazer ajuste fiscal?”, questiona.

    Ele aponta, ainda, que o Brasil conta com uma posição de reservas internacionais quase US$ 200 bilhões maior que a observada no fim de 2008. Segundo Lopes, mesmo que o BC perca até US$ 100 bilhões em reservas não haveria problema nenhum.

    “Perder US$ 100 bilhões de reservas, com isso você mata qualquer especulador e voltamos ao nível de reservas de 2010. Não tem problema algum”, diz, questionando se o país precisa mesmo de US$ 370 bilhões em reservas “para sobreviver”.

    “O BC não pode perder o controle da taxa de câmbio como perdeu porque opera timidamente no mercado cambial.”

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorCautela aumenta em crédito ‘fumaça’
    Matéria seguinteJuro a 9% tira vantagem da poupança e ajuda fundos