Batalha judicial contra devolução

    Sindicato quer derrubar ressarcimento de salários acima do teto recebidos por funcionários do Senado. Servidores da Câmara conseguiram suspender aplicação do limite

    Não vai ser tranquilo o percurso de volta aos cofres públicos dos cerca de R$ 300 milhões recebidos indevidamente por 464 funcionários do Senado com remunerações acima do teto dos servidores — se é que haverá retorno. Na quarta-feira, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu o pagamento de salários acima de R$ 28 mil, valor da remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo a Constituição, deve ser o limite para todos o funcionalismo. Determinou também a devolução de tudo o que foi recebido acima desse teto, nos últimos cinco anos, além de horas extras, gratificações indevidas e jornadas de trabalho não cumpridas. Auditoria do TCU identificou contracheques de até R$ 45.963 em 2009, quando foi realizada.

    O Sindilegis, sindicato que representa os trabalhadores do Legislativo, já anunciou que vai ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a obrigação de ressarcimento. Mas, com muito menos esforço, será possível derrubar, ou pelo menos adiar, a decisão. Os funcionários do Senado podem recorrer ao próprio TCU, um tribunal administrativo vinculado ao Congresso Nacional. Os da Câmara dos Deputados fizeram isso, com sucesso. E, no caso deles, a decisão era bem mais branda do que a que atinge agora os colegas da outra casa legislativa.

    Há um mês, depois de analisar auditoria sobre a folha da Câmara, o TCU deu prazo de 60 dias para a suspensão dos pagamentos acima do teto, mas não mandou devolver o dinheiro recebido a mais. Funcionários entraram no TCU com pedidos de embargo, para que a decisão fosse reconsiderada. Resultado: até a análise do recurso, eles continuam ganhando acima do teto.

    No terreno judicial, o Sindilegis já prepara a ofensiva contra a decisão que atingiu os servidores do Senado. Anunciou ontem que entrará com ação no STF assim que for publicado o acórdão da decisão do plenário do TCU. “Causou-nos surpresa a ordem de devolução”, declarou o presidente do sindicato, Nilton Paixão. Segundo ele, uma coisa é certa: os servidores não terão de restituir os valores recebidos em excesso.

    Paixão diz apoiar sua expectativa em decisões judiciais já tomadas em casos semelhantes. “Parte-se do pressuposto de que as pessoas agiram de boa-fé, afinal, a má-fé tem de ser provada. O servidor que presta um concurso não negocia sua remuneração com o poder público. Ele não tem como decidir o que vai receber”, alegou.

    Em parcelas
    A expectativa de Paixão dilui o otimismo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que anunciou ontem o ressarcimento do Tesouro Nacional por parte dos funcionários. “De pronto, vamos seguir a decisão e cobrar o que foi liberado indevidamente ao servidor. Os salários serão pagos como manda a Constituição, dentro do limite do teto constitucional. E a devolução também será implementada”, disse Renan, após reunir-se com o presidente do TCU, Augusto Nardes.

    Depois disso, a assessoria de Renan distribuiu uma cópia de trecho da Lei 8.112, segundo o qual o ressarcimento de um valor recebido a mais por servidores públicos pode ser feito em parcelas, e cada uma não pode comprometer mais do que 10% da remuneração mensal. Os salários do Senado são pagos por volta do dia 20 de cada mês. Assim, segundo o Sindilegis, há tempo de sobra para uma intervenção judicial, caso prevaleça a ordem de ressarcimento, que ele considera injusta.

    O próprio Nardes reconheceu, após o encontro com Renan, que a palavra final sobre a restituição dos salários ainda está longe. Ao dizer que a decisão do TCU sobre o Senado foi “contraditória” em comparação à que atingiu a Câmara, ele explicou que o Ministério Público poderá apresentar um recurso para que ambas sejam harmonizadas. “O plenário é soberano e poderá decidir pela devolução ou não nos dois casos”, afirmou.

    A defesa dos supersalários se baseia no fato de que alguns ministros do STF recebem um bônus de R$ 3 mil, porque também atuam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas a interpretação é bem generosa: serve para justificar qualquer pagamento além do salário-base. Com isso, há pessoas no Congresso Nacional que recebem mais de R$ 50 mil, algumas até de nível médio, conforme revelou reportagem publicada pelo Correio em 17 de julho.

    “Essa situação do teto é complexa”, alegou Paixão, do Sindilegis. “O Congresso precisa ter a coragem de enfrentar o problema e aprovar uma lei que regulamente definitivamente isso”, defendeu ele que, no entanto, não prepara ação sobre o assunto — o foco do sindicato é cancelar a devolução. No julgamento de quarta-feira, porém, os ministros do TCU decidiram que é autoaplicável o dispositivo constitucional que fixa o salário do ministro do STF como limite para o funcionalismo.

    Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, não é necessária uma lei, apenas mais transparência na divulgação dos salários. “Para ter acesso aos vencimentos de um funcionário do Legislativo, a pessoa precisa fornecer várias informações sobre si. Tem gente aqui do Contas Abertas que, depois de conferir o salário de um servidor, recebeu um telefonema dele, queixando-se, com impropérios, da busca pelos dados”, relatou.

    “Muitos funcionários públicos acham que procurar sabe quanto eles ganham é bisbilhotice. Não é. Há cerca de 10 milhões de servidores no país. A remuneração deles consome 12% do Produto Interno Bruto (PIB). É algo que importa a todos no país”, justificou.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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