BC ajusta expectativa para Selic, mas não doma inflação

    A sinalização dada pelo Banco Central de que o cenário global e a atividade doméstica fraca devem ter efeitos desinflacionários mudou radicalmente as expectativas do mercado financeiro para o rumo da política monetária. De 31 economistas entrevistados pelo Valor, 20 (64,52% da amostra) esperam que a Selic fique inalterada até o fim do ano, enquanto 12 (38,71%) preveem um corte. Ninguém trabalha com a perspectiva de aumento da taxa básica de juros. E para o próximo encontro, na semana que vem, todos esperam manutenção da taxa em 14,25%. Placar bastante diferente do observado às vésperas da reunião de janeiro, quando a aposta majoritária (77,78% dos entrevistados) era em uma alta do juro até o fim deste ano e apenas 16,7% contavam com um corte na taxa.

    Os cenários foram ajustados diante do discurso sustentado nas últimas duas semanas por dirigentes do Banco Central, inclusive do próprio presidente da instituição, Alexandre Tombini, tanto em eventos oficiais como em encontros privados com representantes do mercado. A mensagem é de que a fraqueza da economia mundial e a perspectiva de aumento do desemprego no Brasil devem contribuir para uma desaceleração da inflação a partir de março a ponto de levar à acomodação das expectativas. Esses alertas foram tão enfáticos que o mercado tirou completamente de cena o debate sobre um aumento de juros. Agora, o que parece consenso é que o próximo passo da política monetáriaserá a redução da taxa. Toda essa mudança de previsões, entretanto, não veio amparada por perspectivas mais benignas para a inflação: para a maior parte dos economistas, a inflação não converge para o centro da meta em 2017, diferentemente do que vem pregando o BC.

    O economista-chefe da Icatu Vanguarda, Rodrigo Alves Melo, está entre os que alteraram o cenário. Em janeiro, ele esperava o início de um ciclo de alta de juro que levaria a Selic a 15,5% no fim deste ano. Agora, ele vê a taxa inalterada ao longo de 2016 e 2017. Com isso, seu cenário é de um IPCA bem acima do teto da meta, em 7,7%, no ano que vem. “Não vislumbro um cenário inflacionário benigno o suficiente para termos queda da taxa Selic este ano”, diz.

    O economista-chefe do banco Pine, Marco Caruso, diz que, mesmo com a manutenção da Selic em 14,25% ao longo de todo o ano, e queda de até 11,75% em 2017, a inflação do ano que vem deve ficar perto 6%, que é o teto da meta para o período. “Observamos uma clara mudança nos últimos anos na relação entre os preços livres e algumas medidas de hiato da atividade econômica, de forma que mesmo o desemprego de 12,5% (PNAD) estimado para o ano que vem não será suficiente para levar o IPCA de 2017 ao centro da meta”, afirma.

    Caruso avalia que o ambiente político certamente seguirá afetando as expectativas para a política econômica. “O que se observa é umapolítica monetária crescentemente determinada pelo posicionamento da política fiscal que, pela necessidade de ajustes em despesas obrigatórias, é crescentemente dependente da relação entre o Executivo e o Congresso. Está tudo amarrado. Além disso, o avanço da Lava-Jato tem levado os analistas a antecipar a discussão sobre as próximas eleições presidenciais. Tomando 2014 como referência, ninguém sabe dizer o que será 2018″, conclui.

    A atual crise política é vista como o principal entrave para qualquer avanço no combate à inflação. “O ambiente político inibe qualquer tentativa de ajuste monetário bem como a adoção de políticas fiscais austeras”, afirma João Luiz Mascolo, sócio-diretor da SM Managed Futures e professor do Insper. Ele trabalha com a Selic inalterada durante todo 2016 e vê queda a 13% até o fim do ano que vem.

    Da mesma forma, Mariana Orsini, economista da GO Associados, diz que a última ata do Copom deixou a porta aberta para qualquer decisão – tanto para aumento quanto para corte. E reconhece a possibilidade de fatores técnicos justificarem uma redução da taxa ainda neste ano. Mas a economista ressalva que possíveis interferências políticas na condução da política monetária poderiam “dificultar ainda mais a recuperação da credibilidade da política econômica”.

    Sérgio Vale, economista-chefe da MB Asssociados, não vê a inflação em convergência para o centro da meta, de 4,5%, em nenhum momento neste governo. “Não tem chance”, diz. Ele avalia que não há trabalho conjunto do BC e da área fiscal para que isso ocorra. “Se der tudo certo talvez se consiga segurar a inflação no teto da meta nos últimos dois anos de governo da presidente Dilma Rousseff. Mas dada a chance cada vez maior que ela não termine o mandato, isso pode mudar, talvez não em 2017, mas em 2018”, afirma.

    Vale não tem dúvida de que o ambiente político continua afetando as expectativas de política econômica. “Praticamente 100%. A sensação de paralisia é completa e deve afetar a economia mais intensamente neste ano do que em 2015 se continuar. Por isso temos a projeção de queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,9% neste ano se a presidente não sair”, afirma.

     

    Fonte: Valor Econômico

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