BC desafia Dilma e vê cenário desanimador

    Diretor da instituição critica pressão inflacionária dos gastos públicos, projeta crescimento abaixo de 1% e inflação elevada nos próximos anos

    A seis dias das eleições, o Banco CENTRAL (BC) decidiu enfrentar o Palácio do Planalto. Enquanto a presidente Dilma Rousseff diz, em campanha, que o país retomará as rédeas do crescimento e que a inflação está sob controle, o BC traçou quadro bem diferente do vendido pela propaganda eleitoral. Além de reduzir de 1,6% para só 0,7% a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, a autoridade monetária avisou que a inflação não dará trégua nos próximos dois anos. E mais: parte considerável da pressão sobre o custo de vida vem do próprio governo, via aumento dos gastos públicos.

     

    Não por outro motivo, o BC admitiu, pela primeira vez, que estava errado ao prever moderação nos gastos explosivos patrocinados pelo Tesouro Nacional. “Já vínhamos colocando que a política fiscal se encaminharia de expansionista para neutra. Mas, para 2014, as evidências apontam que a nossa hipótese não deve se confirmar”, disse o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, num tom mais franco que o de costume.

     

    Carlos Hamilton também disse ser favorável à autonomia do BC, tese defendida pelos candidatos de oposição. “Do ponto de vista estritamente técnico, sou favorável à autonomia legal de modo geral. E isso é uma regra de validade geral, inclusive em relação ao Brasil”, defendeu. Em São Paulo, após uma entrevista coletiva, a presidente Dilma Rousseff evitou comentar as declarações dele sobre a independência do BC. “É diferente”, desconversou. Nos bastidores, comenta-se que divergências do diretor com a política econômica o levaram a pedir demissão duas vezes no ano passado.

     

    Fogueira

    A diretoria do BC acredita que o longo represamento de preços controlados pelo governo, como os de eletricidade, gasolina e tarifas de ônibus, para evitar que a inflação fugisse ao controle, está com os dias contatos. Com isso, a expectativa é de que a inflação continue sob forte pressão. Por esse motivo é que, mesmo com o país já em recessão, a autoridade monetária não vê chances de cortar a taxa básica de juros (Selic), sob risco de jogar ainda mais lenha na fogueira da carestia.

     

    Hoje, a possibilidade maior é justamente o contrário, de elevar juros, conforme frisou Carlos Hamilton. “Se o cenário para a inflação persistir (elevado), a política monetária será acionada tempestivamente”, sublinhou o diretor, acrescentando que estão sob discussão no Comitê de política monetária (Copom) só duas opções: a manutenção da Selic em 11% ao ano ou sua elevação a qualquer momento, se necessário.

     

    O diretor deixou claro que, apesar do discurso oficial de que a inflação está domada, essa não é a avaliação da autoridade monetária. Até dezembro, o custo de vida baterá em 6,3, praticamente o teto (6,5%) da meta de inflação, de 4,5%, que, aliás, não é alcançada desde 2009. Para ele, seja  quem for eleito presidente, a carestia só começará a entrar em “trajetória de convergência para a meta” em meados de 2016, na melhor das hipóteses.

     

    Tarifaço

    No entender de Carlos Hamilton, a inflação “tende a permanecer elevada” em razão dos reajustes nos preços administrados, que tendem a ganhar intensidade nos próximos meses. A projeção do BC é que os preços da eletricidade, dos combustíveis e de serviços públicos subirão, em média, 5% este ano. É três vezes mais, portanto, do que os reajustes autorizados em 2013, de 1,55%. Mas trata-se de um cálculo ainda otimista, pois parte do mercado aposta em novos reajustes ainda em 2014. Este ano deve ser o oitavo seguido em que os preços livres terão variação acima dos administrados.

     

    “Se a presidente Dilma vencer as eleições, é provável que haja algum aumento de gasolina até o fim do ano, já que ela não precisaria esperar até 2015 para começar a fazer os ajustes necessários”, assinalou o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. O analista prevê que o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) ficará “muito próximo de 6,5%” este ano. Até por isso, duvida da intenção do BC em levar a inflação para o centro do alvo, 4,5%. “Estamos ouvindo essa promessa desde 2011 e, até agora, nada foi feito”, criticou.

     

    Se a inflação continuará alta, o mesmo não se pode dizer do crescimento econômico, que desabou no governo Dilma. Prova disso é que a autoridade monetária reduziu para menos de 1% a estimativa de alta do PIB no último ano de mandato da presidente. Caso o BC esteja correto, seria o pior desempenho da economia desde a recessão de 2009.

     

    Mas o desfecho ainda pode ser pior, visto que as apostas do mercado estão ainda bem distantes da projeção oficial. Pela 18ª semana seguida, os analistas ouvidos pelo BC reduziram as estimativas de crescimento do PIB. No relatório divulgado ontem, elas atingiram o menor patamar no ano: 0,29%. Mesmo para 2015, o cenário não é nada animador, com elevação de apenas 1,01%.

     

    » Realismo

     

    O diretor do Banco CENTRAL (BC), Carlos Hamilton Araújo, não acredita que as projeções da autarquia, ainda distantes das do mercado, sejam otimistas. “A visão do BC é bastante realista. Não consigo imaginar a projeção de 0,7% para o crescimento da economia como otimista. Estamos projetando inflação acima de 6%, o que também não consigo ver como otimismo”, explicou.  “Estamos sendo realistas.”

     

    Fonte: Correio Braziliense

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