BC pode deixar de transferir ganho com reservas ao Tesouro

    Nas próximas semanas, o Banco Central (BC) verá tramitar no Congresso mais um projeto de sua agenda legislativa. A medida altera a relação que tem com o Tesouro Nacional, que movimentou mais de R$ 600 bilhões nos últimos anos, e cria um novo instrumento de política monetária, o depósito voluntário, veículo auxiliar às operações compromissadas para o controle da liquidez do sistema financeiro.

    O novo modelo prevê uma reserva de resultados para equalizar ganhos e perdas na contabilidade de reservas internacionais e demais operações cambiais, como swaps, afastando suspeitas de um financiamento velado do BC ao Tesouro em momentos de valorização expressiva do dólar.

    Toda essa revisão do marco legal que disciplina a relação entre os dois entes também confere maior autonomia ao BC na condução da política monetária, que deixa de ser refém do ocupante da Secretaria do Tesouro, que, no limite, pode se negar a emitir títulos em favor da autarquia.

    O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentará um novo projeto de lei, levando em consideração uma minuta de medida provisória que foi redigida pelo próprio BC e o projeto de lei do Senado (PLS) 125 de 2016, de sua autoria. Ferraço explicou que o BC desistiu de encaminhar uma MP e a redação final do projeto foi cedida com exclusividade ao Valor. O novo texto ainda tem de ser formalmente apresentado e será relatado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE).

    Nas justificavas ao projeto, Ferraço explica que o ganho do Banco Central referente ao resultado financeiro positivo de suas operações com reservas internacionais e derivativos cambiais será destinado à constituição de reserva de resultado. Já a parcela dos resultados positivos correspondente às demais operações, como gestão de títulos, continuará sendo transferida ao Tesouro. Fica mantida a obrigatoriedade de o Tesouro utilizar os recursos que receber do BC para o pagamento de dívida.

    Ainda de acordo com o senador, outro aspecto importante da proposta é a clara definição das condições de uso da reserva de resultado do BC. O projeto estabelece que a reserva somente poderá ser utilizada na cobertura de resultados negativos, ressalvando-se, excepcionalmente, a possibilidade de uso para pagamento da dívida pública mobiliária federal quando severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa o seu refinanciamento. Nesse caso, a utilização dependerá de autorização prévia do Conselho Monetário Nacional (CMN).

    Em caso de insuficiência das reservas de resultado para fazer frente a resultados negativos, a cobertura será feita mediante utilização do patrimônio líquido do BC, até que se atinja o limite mínimo de 1,5% do ativo total existente na data do balanço. Se isso não for suficiente, o saldo remanescente será obrigação da União.

    Como salvaguarda, a proposta sugere que, caso o patrimônio líquido do BC caia a valor igual ou inferior a 0,25% do ativo total, a União efetue emissão de títulos no montante necessário para que seu patrimônio chegue a 0,5% do ativo total.

    No modelo atual, regulado pela lei 11.803 de 2008, toda vez que o BC tem lucro nas suas operações, notadamente na gestão das reservas internacionais, repassa o dinheiro para o Tesouro, que o integra à Conta Única. A lei prevê que o dinheiro só pode ser utilizado para o pagamento de dívida. Em 2015, com a valorização do dólar, o ganho contábil com as reservas bateu R$ 260 bilhões. Já no ano passado, com a recuperação de valor do real, a perda com as reservas bateu R$ 324,123 bilhões.

    Quando há prejuízo, o Tesouro emite títulos em favor do BC, mas com uma defasagem. A apuração é semestral e agora, no fim da primeira metade de 2017, o BC teve resultado positivo de R$ 11,3 bilhões em suas operações e uma perda de R$ 15,7 bilhões na gestão das reservas. Os R$ 11,3 bilhões entram nos próximos dias na Conta Única, mas a compensação pela perda cambial ocorrerá apenas em janeiro de 2018.

    Ferraço lembra no projeto que, desde 2002, com a vedação para emissão de títulos próprios, o BC passou a utilizar Títulos públicos para absorção da liquidez excedente na economia, as operações compromissadas. Com a aprovação da norma proposta, uma vez que parte dos resultados negativos da instituição passaria a ser coberta por lucros acumulados em exercícios anteriores e não mais por emissões de títulos, esse mecanismo de provimento de títulos ficaria limitado.

    Nesse sentido, para que o BC sempre disponha da quantidade necessária de títulos, a proposta sugere uma recomposição automática sempre que a parcela de títulos disponíveis para venda, a chamada carteira livre, atinja percentual igual ou inferior a 4% da carteira total, até que o valor volte para o patamar de 5%.

    Com isso, o BC não mais ficaria “refém” da vontade do Tesouro em ceder ou não os títulos necessários para a gestão da liquidez e a consequente manutenção da Selic na meta estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Situação do gênero aconteceu em um passado recente, quando o comando do Tesouro estava com Arno Augustin e o BC estava sob gestão Alexandre Tombini.

    Por outro lado, pondera Ferraço, para que a carteira de títulos livres do BC não acumule valor desnecessariamente elevado, a proposta prevê a possibilidade de cancelamento de títulos livres, limitado ao montante do patrimônio institucional do BC.

    No caso do depósito voluntário, a Lei 4.595 de 1964, que criou o BC, deu competência privativa à instituição para a arrecadação de depósitos voluntários à vista, mas deixou de fora os depósitos a prazo, impedindo que eles fossem remunerados como são as compromissadas. Assim, o projeto abre essa possibilidade, dando ao BC ferramenta largamente utilizada por outros Bancos Centrais, como o Federal Reserve (Fed), Banco Central americano, e Banco Central Europeu (BCE).

    As operações compromissadas somam mais de R$ 1,1 trilhão, ou 18% do Produto Interno Bruto (PIB), com impacto direto sobre a Dívida bruta. A ideia do BC, no entanto, não é usar o depósito voluntário para reduzir a dívida, mas sim ter uma ferramenta complementar de gestão da liquidez.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

    Matéria anteriorNordeste foi única região em que PIB recuou no 2º tri
    Matéria seguinteInflação baixa e crescimento