Após anos de foco no consumo, governo quer estimular classe C a economizar para elevar taxa de investimento
Gabriela Valente
Brasília – Em vez de esconder dinheiro embaixo do colchão, o armador de ferragens Rubens Mariano deixa suas economias em uma conta corrente. É quase a mesma coisa, já que não recebe rendimento algum. Todo mês, ele separa R$ 200 ou R$ 300 para emergências. Não gosta de deixar na poupança porque acredita — erradamente — que não poderá sacar quando precisar. Com a mira em pessoas como ele, o Banco Central prepara uma estratégia para incentivar a poupança e aumentar a taxa de investimento no país, principalmente, entre a nova classe média. A medida vem após anos de incentivos do governo ao consumo.
Para fazer com que 50 milhões de brasileiros comecem a economizai; o Banco Central investirá em educação financeira. Uma das iniciativas é fazer softwares de jogos e distribuir tabíets em áreas pobres e favelas das grandes cidades para ensinar pessoas como Rubens. Se ele soubesse que pode usar os recursos da caderneta de poupança a qualquer momento, mas que só recebe os rendimentos a partir de 30 dias do depósito, ficaria mais tranqüilo. E poderia entrar para as estatísticas de investidores brasileiros.
— No banco, eles falam que tem de deixar o dinheiro por três ou seis meses para render alguma coisa. Daí, deixo na conta mesmo, porque posso precisar — diz o trabalhador.
Formação de multiplicadores
Com isso, continua fora do grupo de poupadores do país, mas já faz parte da população bancarizada, que teve um incremento substancial com a ascensão da nova classe média. Em outubro, o Brasil ultrapassou a marca de 100 milhões de contas correntes: crescimento de 27% nos últimos cinco anos. Muitos brasileiros que utilizam o sistema financeiro nem abrem conta corrente. Crianças e adolescentes — principalmente das classes mais altas — têm instrumentos de poupança como a caderneta e até previdência privada. Por isso, 132,4 milhões de CPFs mantêm relacionamento ativo com o sistema. Para incentivar esse tipo de comportamento entre a população de menor renda, o BC encomendou uma pesquisa sobre os hábitos bancários da classe C. Essa parcela da população teve um papel importante na retomada do crescimento via consumo, após a crise global de 2009. Antes mesmo dos resultados do estudo, a autarquia já traça projetos para incentivar a poupança em 2014 — o último ano do programa de inclusão financeira da autarquia. O foco é sempre formar “multiplicadores” ou seja, pessoas da própria comunidade que possam repassar os conhecimentos. Aí, entram os joguinhos nos tablets.
Os dispositivos serão entregues às mulheres. Com ajuda de cooperativas de crédito e do Ministério de Desenvolvimento Social, o BC começa a identificar grupos que já se reúnem para alguma atividade como, por exemplo, costurar. O equipamento passará de mão em mão.
E elas poderão aprender a melhor forma de poupar num jogo j educativo e ensinar familiares.
— Esse é o maior desafio: como sensibilizar a população a fazer aplicações de mais longo prazo — afirmou o diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do BC, Luiz Edson Feltrim.
A autoridade monetária, entretanto, quer mostrar que a caderneta de poupança não é a única forma de guardar dinheiro. O BC sabe que a modalidade é o mecanismo predileto das famílias com menor renda, mas quer ensinar que — de acordo com o objetivo das famílias — há instrumentos mais apropriados e eficazes.
— Nunca pensei em deixar em outro lugar que não fosse a poupança — afirma a estagiária em enfermagem Talita Lobato. — Acho que por falta de informação nunca pensei nisso.
Já a cozinheira Janaína Ribeiro não consegue guardar nem uma pequena parcela do que ganha por mês. Mesmo assim, tem uma caderneta de poupança, onde depositou todo o dinheiro da rescisão do último emprego. Aos 25 anos, a mãe solteira conta que colocar na aplicação foi uma decisão imediata ao trocar de trabalho.
— Quando a gente poupa é em caderneta de poupança, não? — pergunta Janaína.
Outros instrumentos – Além de estimular a nova classe média a guardar dinheiro, o BC pretende ainda incentivar os bancos a criarem novos produtos para atrair esses potenciais poupadores. É uma determinação do presidente Alexandre Tombini, que tem falado cada vez mais sobre o tema. O assunto é uma das vedetes da diretoria comandada por Feltrim.
Vamos construir essa agenda: aumentar a poupança, alongar os instrumentos de aplicação financeira, mas não temos a fórmula ainda — afirmou Feltrim. — Vamos lançar o desafio para o pessoal de baixíssima renda para ensinar esse pessoal a poupar. Independentemente do valor do seu ingresso, você pode poupar e não apenas com caderneta de poupança, mas com vários instrumentos.
Fonte: O Globo