O relatório de inflação garantiu um ponto a favor do Banco Central na batalha que ele vem travando com o mercado para conter as expectativas inflacionárias. Como esse esforço passa pelo convencimento de que a autoridade monetária está disposta a fazer “o que for necessário” para levar a inflação à meta, o tom considerado mais firme do documento produziu o efeito desejado: fez os juros futuros subirem, especialmente os do contrato para janeiro de 2017 – aquele que embute as apostas para a política monetária para o fim de 2016. Essa taxa passou de 13,84% para 13,94%.
Com o ajuste após o relatório, os contratos futuros de juros passaram a indicar uma Selic de 14,5%. Ou seja, consolidaram a expectativa de mais uma dose de 0,5 ponto de alta de juro em julho e chance de um aumento adicional de 0,25 ponto em setembro. Nos últimos dias, parte do mercado começou a considerar que o ajuste poderia ser mais brando, de apenas 0,25 ponto no próximo encontro, por causa da atividade fraca. Mas o relatório não autorizou essa aposta.
Segundo o sócio-gestor da Modal Asset Management, Luiz Eduardo Portella, o mercado acreditava que a estimativa de inflação para 2016 viria mais baixa do que os 4,8% indicados pelo relatório. “O BC saiba que o mercado estava com 4,7% na cabeça. E ele foi fiel ao seu modelo, manteve o discurso e indicou que seu plano de voo não mudou”, diz.
Depois da leitura do relatório, o UBS mudou sua projeção para o rumo da Selic de 14% para 14,5%. Já o BTG Pactual manteve sua estimativa de um aumento final de 0,50 ponto percentual para a Selic em julho, mas disse que não descarta a possibilidade de elevação adicional de 0,25 ponto em setembro. “Um movimento em setembro, embora menor, teria o atrativo de rolar para o RTI do terceiro trimestre o script originalmente esperado para ser jogar agora: a saber, o relatório daria uma ocasião privilegiada para rever a projeção no cenário de referência para 2016 para 4,5%, e, assim, declarar o ciclo de aperto encerrado”, afirmaram os economistas do banco, em relatório distribuído a clientes.
Para o economista responsável pela modelagem e elaboração de cenários para a economia brasileira do Itaú Unibanco, Felipe Salles, a estabilidade da inflação projetada pelo mercado para 2016 mesmo com o Banco Central revisando para cima sua estimativa para o IPCA de 2015 indica que o discurso firme da autoridade monetária está surtindo efeito, embora ainda não de forma suficiente, diz. Para ele, uma redução do intervalo de tolerância do IPCA poderia ajudar no esforço do BC de ancorar as expectativas de inflação.
Diante disso, Salles considera que o tom do RTI endossou a expectativa do Itaú de que o BC promoverá um aumento final de 0,50 ponto percentual da Selic em julho, interrompendo aí o ciclo de aperto monetário.
A economista-chefe da Capital Market, Camila Abdelmalack, destaca a atenção dada pelo BC para a persistência da inflação, detalhada em box do RTI. “A inserção do box no documento mostra o quanto o BC tem considerado “a inércia inflacionária determinante para suas decisões”. Por ora, a CM Capital Markets projeta Selic em 14,25% ao ano a partir do encontro do Copom em julho.
O relatório diminuiu também as perspectivas de corte de juros em 2016 – embora não tenha sido capaz de eliminá-las por completo. Os contratos indicam chance de redução do juro em 0,25 ponto percentual a partir do fim de abril. Há duas semanas, a expectativa estava em fevereiro.
Boa parte do esforço que a autoridade monetária tem feito passa por convencer agentes de que ele pode manter o juro estável por muito tempo. Mas essa correção dos preços tem ocorrido ainda lentamente. Em relatório distribuído a clientes, os economistas do BTG Pactual observam que os cortes assumidos pelo mercado “estão fora de questão no âmbito do objetivo declarado do Banco Central de trazer a inflação para o centro da meta.”
A reação dos preços de mercado é muito importante para que o esforço do BC tenha efeito sobre a inflação. Primeiramente, porque é a partir das projeções de taxa de juros que se define, efetivamente, o custo das operações de crédito ou investimento. Além disso, para calcular as estimativas de inflação – aquelas que o BC pretende derrubar – economistas utilizam as projeções para a Selic mais à frente.
O BC deve manter, portanto, o tom duro para promover o ajuste nos juros futuros de médio prazo. E pode até subir a taxa mais do que gostaria para conseguir domar essas expectativas. “Se o BC quiser que o mercado estime uma inflação em 2016 mais perto de 4,5%, vai ter que continuar subindo os juros agora e convencer o mercado a não orçar tanta queda da Selic no próximo ano”, afirma o gestor sênior de renda fixa da Absolute Investimentos, Renato Botto. Para ele, esse descompasso tem explicação na desconfiança do mercado com relação às ações do BC, devido ao histórico de mudanças abruptas na comunicação da autoridade monetária, e que esse ceticismo se mantém conforme a atividade econômica se deteriora.
Já o economista e sócio da MVP Capital Samuel Kinoshita diz que a desconfiança ainda presente no mercado com relação ao cumprimento da meta no próximo ano é fruto da política monetária praticada em anos recentes. Mas pondera que leituras mais brandas de inflação a partir do segundo semestre de 2015, deterioração do mercado de trabalho e manutenção da Selic em patamares altos devem promover um ajuste de baixa mais consistente nas expectativas inflacionárias do mercado nos próximos meses.
“A velocidade ao aumento da taxa de desemprego vai ser impactante na formação das expectativas para o ano que vem”, destaca Kinoshita.
Diante dessas variáveis, uma outra arma pode ser utilizada: um ajuste na meta para 2017, que pode ser definida hoje, pelo Conselho Monetário Nacional. Segundo informou o Valor, o CMN deve definir a redução da banda da meta de inflação, que atualmente é de dois pontos percentuais. Essa indicação, de menos tolerância, pode reforçar a confiança do mercado de que o BC não desistirá de colocar a inflação nos trilhos. Quanto mais cedo essa confiança se consolidar, menor o esforço a ser empregado pela autoridade monetária.
Fonte: Valor Econômico