“BC tende a suspender alta de juro”

    Na semana passada, os mercados financeiros conheceram uma série de indicadores econômicos mais fracos do que o esperado, que reforçaram a aposta no fim do ciclo de alta de juros. O IBC-Br, uma espécie de prévia do PIB mensal, calculado pelo Banco CENTRAL, caiu 0,11% em março ante fevereiro, enquanto as vendas no varejo recuaram 0,5% no período. Esses dados, somados à desaceleração da inflação vista em abril, levaram o economista-chefe do Banco J.Safra, Carlos Kawall, a revisar sua expectativa para a próxima reunião do Copom de uma alta de 0,25 ponto para estabilidade. O economista adverte, porém, que com o mercado de trabalho ainda apertado, inércia inflacionária e política fiscal inconsistente, um novo ciclo deve ser iniciado em outubro.

     

    Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

     

    Valor: Os dados mais fracos de atividade divulgados nos últimos dias podem influenciar a decisão do Copom da próxima semana?

     

    Kawall: Eu mudei meu “call” para manutenção da Selic. Além dos números de atividade, teve o IPCA de abril [que subiu 0,67%], mais baixo, e eu acho que o Banco CENTRAL é sensível a isso. Só que o IPCA não veio mais baixo do que o cenário do Relatório de Inflação. Mas eu acho que a preferência revelada dele é de olhar para o fato de a inflação estar desacelerando, que o choque de alimentos vai passar. Então, por isso eu acho que eles vão aguardar e parar já nesta reunião. Parece o mais provável.

     

    Valor: O que explica essa decepção com os dados de atividade?

     

    Kawall: Os números mostram que o consumo está se acomodando. Estão caindo as vendas em supermercado, de vestuário, de combustíveis. O que está subindo é a parte de móveis e eletrodomésticos, que me parece ser efeito da Copa do Mundo. Então, para mim, isso está coerente com a ideia de que o consumo este ano vai ser mais fraco. E aí tem, de um lado, o crédito bastante apertado e a política monetária fazendo o seu trabalho. A gente vê isso notadamente no setor de automóveis. Onde a taxa de juros funciona, ela está produzindo um efeito. E, na parte de supermercados, o que normalmente pega é o arrefecimento do crescimento do rendimento real, que está aparecendo nos dados do IBGE, e por trás disso, a inflação. Isso aconteceu no ano passado, com uma inflação de alimentos muito alta, mais do que a deste ano, afetando o consumo no primeiro semestre. Aí, no segundo semestre, houve uma devolução desse efeito e o consumo reagiu. Neste ano, de novo, estamos vendo uma tendência de estagnação ou de ligeira queda da PMC, que eu acho que tem muito a ver com esse contexto de inflação e aperto de política monetária.

     

    Valor: Mas não é incoerente observar o efeito da política monetária sobre o consumo, mas não sobre a inflação?

     

    Kawall: Aí a gente volta ao tema, que não é novo, da magnitude do aperto monetário e de qual é a taxa de juros neutra, especialmente porque essa neutralidade depende de qual é o resto da política econômica que está sendo conduzida. A gente está vendo que, neste ano, não houve um aperto em relação ao ano passado. Ao contrário, o superávit primário é menor. Além disso, a postura dos bancos públicos continua expansionista. Os desembolsos do BNDES cresceram 34,5% em janeiro e fevereiro em relação a igual período de 2013. A gente não tem a política fiscal e a parafiscal apoiando a monetária há muito tempo. Então, a gente tem uma inflação que é mais resistente. Além dos fatores que estão produzindo uma inflação que não tem nada a ver com política monetária, como o fato de que o preço de energia elétrica, que no ano passado registrou deflação, este ano deve subir algo como 15% – o que significa quase 0,5 ponto da inflação. Então, é difícil mesmo a política monetária fazer aquele efeito todo.

     

    Valor: É possível contar ainda com um efeito defasado da política monetária, como o Banco CENTRAL vem falando?

     

    Kawall: Eu tenho dúvidas. Os efeitos defasados existem, mas é preciso levar em conta que a inércia inflacionária vai cobrar um preço. Quanto mais tempo você mantém a inflação elevada, mais essa inércia dificulta que ela caia. Até porque as expectativas continuam em patamares elevados, em torno de 5,9%, 6%, na curva de juros e, no boletim Focus, acima disso, para este ano e ano que vem. Quando a inflação fica alta por muito tempo, você tende a contaminar os reajustes salariais, as expectativas dos agentes econômicos. Não vai ser essa dose do aperto monetário que vai, naturalmente, trazer a inflação para baixo.

     

    Valor: Mas aí será necessário retomar a alta? Em que momento?

     

    Kawall: Sim, logo após a eleição, na reunião de outubro. Estou supondo que ela subirá mais duas de 0,5 ponto e três de 0,25 ponto, até 12,75%. Ainda assim, o IPCA deve ficar em 6,6%, no limite do teto da meta, no fim do ano. Isso, sem contar com o aumento do combustível neste ano, só para 2015.

     

    Valor: Além da questão fiscal, o que mais limita o trabalho do Banco CENTRAL neste momento?

     

    Kawall: Tem o canal inércia e as expectativas que você teria que buscar reancorar. Mas o que está por trás dessa inflação mais resistente é a força do mercado de trabalho. Você tem salários sendo reajustados e acima da inflação… então, a economia está enfraquecida, mas o mercado de trabalho ainda está bastante forte. E aí você soma os efeitos da inércia e a recomposição das tarifas, dificultando que as expectativas caminhem para a direção da meta. Nesse contexto, não é a economia crescendo 1,5% ou 1% que vai resolver o problema.

     

    Valor: Considerando todas as condições atuais de política econômica, qual seria o aumento desejável da Selic?

     

    Kawall: Se o superávit primário ficasse em torno de 2%, 2,5% no ano que vem, um juro entre 12,5% e 13% seria adequado. Considero que o juro neutro está entre 4,5% e 5,5%, mas sempre com a sensação de que hoje ele teria de ser mais alto, na ausência de uma política fiscal consistente.

     

    Valor: No exterior, o quadro também é de hesitação de recuperação da economia. Em que medida isso influencia a situação do Brasil?

     

    Kawall: O quadro internacional é muito benigno para o Brasil. A economia mundial está se recuperando. No primeiro trimestre, houve um desapontamento com os números, mas no início do segundo trimestre, saíram alguns dados mais fortes, outros mais fracos, mas parece que a economia está no caminho de crescer algo entre 2,5% e 3%. E a Europa, a uma taxa de 1% ou mais, com a inflação muito baixa. Portanto, com um horizonte de juros mais tranquilo e é por isso que a Europa está discutindo mais estímulos. Com isso, o dólar acalmou. Toda aquela história de tempestade perfeita não virá, porque o cenário internacional ficou mais benigno do que se supunha. O juro americano chegou a 2,5% e a expectativa era de que chegaria a 3,5%. Então, eu acho que os problemas que nós temos aqui não podem ser atribuídos ao que está acontecendo lá fora, porque nunca será melhor do que isso. Só pode piorar.

     

    Fonte: Valor Econômico

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