BIS faz alerta para “dívida global oculta” de até US$ 14 trilhões

    O Banco de Compensações Internacionais (BIS), espécie de banco dos Bancos Centrais, aponta a existência de uma “dívida global oculta” que pode chegar a US$ 14 trilhões, ao mesmo tempo em que diz não entender ainda como a inflação continua baixa em meio a perspectivas melhores para a economia.

    Os contratos de Swap no mercado internacional de Câmbio e exposições relacionadas alcançam US$ 58 trilhões, 90% denominados em dólar, dos quais entre US$ 13 trilhões e US$ 14 trilhões estão nas mãos de entidades não bancárias fora dos Estados Unidos. Em comparação, o PIB mundial é de US$ 75 trilhões e o comércio global, de US$ 21 trilhões.

    Pesquisa de três economistas do banco conclui que essa dívida em dólar que está fora dos balanços das entidades não bancárias pode superar os US$ 11,7 trilhões que estão registrados nos livros contábeis, e chegar a US$ 14 trilhões. É um passivo que tem que ser resolvido em algum momento e isso pode elevar os riscos no sistema financeiro.

    “Esse estudo é o primeiro a dar uma estimativa da dívida em dólar que não figura nos balanços, e fecha uma lacuna na nossa compreensão do risco de liquidez colocado por entidades financeiras utilizando diferentes moedas”, afirma Hyun Song Shin, chefe de pesquisa do BIS.

    Economistas do BIS observam que um Swap de divisas se assemelha a outros instrumentos no qual a parte que pega emprestada oferece garantia em “cash”. Por exemplo, bancos europeus obtêm fundos em dólar e dão como garantia outras moedas, como o euro. As regras contábeis consideram que esses swaps de divisa não são dívida, pois estão garantidos por outra moeda. Assim, o risco de crédito é mínimo.

    Porém, os economistas do BIS veem um efetivo risco de liquidez como consequência da defasagem entre os prazos de vencimento, como ficou claro quando os bancos europeus tiveram que afrontar uma súbita e importante falta de liquidez em dólar dos EUA em 2008. O estudo constata que os swaps são instrumentos de curto prazo, inferior a um ano. Assim, remover as operações a curto prazo de ativos a longo prazo pode amplificar problemas de financiamento e de liquidez em períodos de tensão nos mercados internacionais.

    Por outro lado, em seu relatório trimestral sobre a atividade bancária internacional, o BIS alerta também que a inflação baixa, apesar das melhores perspectivas para a economia global, elevou a tomada de riscos nos mercados. Isso porque ela contribuiu para a alta dos mercados nos últimos meses e reduziu o ritmo esperado da subida de Juros nas grandes economias.

    O banco aponta sinais de maior tomada de risco em diferentes níveis, como a diminuição nos rendimentos, o aumento das operações de “carry trade”‘ (arbitragem entre Juros de diferentes economias) e as cláusulas menos estritas para contratos de títulos de dívida.

    Para Claudio Borio, chefe do Departamento Monetário e Econômico do BIS, “tudo isso torna ainda mais importante compreender as razões da ausência de inflação, levando em conta que a inflação é o que guia as decisões dos Bancos Centrais“.

    Ainda segundo ele, parece que estamos “Esperando Godot”. “Por que a inflação permanece obstinadamente baixa, apesar de várias economias se aproximarem ou superarem as estimativas de pleno emprego e os Bancos Centrais tomaram medidas sem precedentes para fazê-la subir?”

    Para Borio, essa é a pergunta de um trilhão de dólares que determinará a trilha da economia mundial nos próximos anos e com toda probabilidade também o futuro das atuais estruturas da política econômica. “O preocupante é que ninguém conhece realmente a resposta.”

    Certo mesmo, conforme o BIS, é que há muito tempo não era vista a expansão simultânea das economias desenvolvidas e emergentes.

    O aumento do risco nos mercados estava previsto, estimulado também por outros fatores, como a desvalorização do dólar, especialmente ante o euro (de 7% desde meados de junho).

    Nos emergentes, as perspectivas também são positivas. As margens de lucros das empresas do bloco têm aumentado. O mercado confia em expansão sólida da China. Os fluxos de capital para os emergentes estão em alta. O estoque de crédito em dólar para esses países, por exemplo, alcançou US$ 3,4 trilhões no fim de março.

    O BIS constata também que a política perdeu parte de sua influência sobre os mercados financeiros. Não durou muito a agitação dos mercados causada por tensões na Península Coreana e incertezas políticas nos EUA.

    “Chama atenção a escassa volatilidade dos mercados financeiros”, destaca o banco dos Bancos Centrais. O índice Move, que mede a volatilidade implícita no mercados de título dos Tesouro dos EUA, registrou novas mínimas históricas. O banco diz não entender inteiramente as causas dessa evolução, mas diz não haver dúvidas de que o ritmo “inusitadamente gradual da normalização de política monetária influiu em certo modo”. E que outra razão pode ser a convicção de investidores de que os Bancos Centrais não ficarão de braços cruzados em caso de novas turbulências nos mercados.

    Para o BIS, tudo isso ilustra a grande dependência que os preços dos ativos parecem ter dos baixíssmos rendimentos dos títulos de dívida. Ele nota que, embora os anúncios de ganhos das empresas tenham sido positivos ultimamente, os preços de ações “resultam excessivos, a julgar pelos indicadores de valorização baseados nos múltiplos preço/lucro no longo prazo ajustados pelo ciclo, que não incorporam informações sobre os rendimentos de bonds”.

    Para o BIS, uma questão determinante para a economia mundial é até que pontos os balanços são vulneráveis a uma subida das taxas de Juros. A dívida pública em boa parte dos países continuou a aumentar. E indicadores do banco de possíveis tensões financeiras aponta riscos significativos nos próximos anos no Canadá, China e Hong Kong, pelo aumento de crédito turbinado pela atividade no setor imobiliário.

    O banco alerta para uma “armadilha da dívida”. Considera que a queda prolongada das taxas de Juros a níveis extremamente baixos cria as condições que complicam seu posterior retorno a níveis mais normais. E considera revelador o que chama de “indícios de exuberância” nos mercados da dívida em países que estiveram no epicentro da grande crise financeira global.

    Nos EUA, as famílias reduziram seu endividamento, mas a dívida corporativa na maior economia do mundo está agora consideravelmente superior à de antes da crise. O serviço da dívida só é pouco volumoso em razão dos Juros baixos. Na medida em que os Juros subirem, o risco de default vai crescer e criar complicações para o crescimento da economia global.

    Brasil tem segunda maior relação dívida/PIB entre emergentes 

    O Brasil tem a segunda maior dívida pública em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) entre as economias emergentes, com o indicador tendo saltado de 61,6% para 79,4% entre 2012 e o primeiro trimestre de 2017 (pelo conceito de “core debt” ou dívida básica, que não inclui as estatais, por exemplo), só ficando atrás de Cingapura (115,4%).

    É o que mostra o Banco de Compensações Internacionais (BIS), espécie de banco dos Bancos Centrais, em seu relatório trimestral sobre a atividade bancária internacional. A dívida pública de 23 emergentes pesquisados dobrou desde 2007 e alcançou US$ 11,7 trilhões no fim de 2016. Desse montante, Brasil, China e Índia acumulavam endividamento de mais de US$ 8 trilhões.

    O endividamento do governo brasileiro aumentou US$ 107 bilhões no primeiro trimestre deste ano e totalizou US$ 1,598 trilhão, uma alta de 7,1%; o da Índia chegou a US$ 1,592 trilhão e o da China, a US$ 5,207 trilhões.

    O BIS foca a chamada “core debt”, abrangendo empréstimos, títulos de dívida, moeda e depósitos. Diz que, para o setor governamental, isso representa a maior parte da dívida ampla.

    O governo brasileiro aparece em primeiro lugar na emissão de títulos de dívida no mercado local e internacional, entre os emergentes pesquisados, com um estoque de US$ 950 bilhões.

    Mas o banco nota que os governos do Brasil e do México têm substituído Títulos públicos locais denominados em moeda estrangeira e taxa de juro variável por títulos com taxa fixa e indexados à inflação. No fim de 2016, as obrigações indexadas à inflação representavam 34% dos papéis do governo federal brasileiro no mercado.

    A dívida governamental dos emergentes como proporção do PIB cresceu de 41% para 51% entre 2002 e 2016 – mas ainda é menor do que a de alguns europeus, como França (96,4%), (Itália (132,5%), Portugal (130,4%) e Grécia (179,4%). Na Alemanha, motor da economia europeia, a dívida do governo em relação ao PIB baixou de 79,9% para 68,2% entre 2012 e 2016.

    O relatório do BIS traz na verdade mensagem mais positiva agora do que em estudos anteriores, quando o banco alertava para riscos de uma crise por causa do alto endividamento da China, segunda maior economia do planeta. Desta vez, diz que no geral os governos de emergentes têm conseguido pegar mais dinheiro emprestado com prazos maiores (média de 7,7 anos), taxa fixa e em moeda local – modalidades mais comparáveis às de países desenvolvidos. Somente 14% do estoque da dívida dos 23 emergentes cobertos pelo estudo está em moeda estrangeira, ante 32% no fim de 2001.

    Para o BIS, de um lado, isso ajuda na expansão e desenvolvimento do mercado de capitais nos emergentes. Ao mesmo tempo, prazos maiores de vencimento dos papéis significa que uma alta global das taxas dos títulos poderá ter impacto maior do que previsto, trazendo risco para rolagem da dívida e outros efeitos adversos. Isso porque a desvalorização dos preços dos títulos provocada por uma alta de Juros, esperada nos mercados desenvolvidos, é maior nos títulos de mais longo prazo.

    Adoção de política macroprudencial traz crescimento sustentável 

    Bancos Centrais mais ativos no uso de medidas macroprudenciais para enfrentar turbulências financeiras tendem a ver seu PIB crescer de forma mais sustentável e menos volátil. Por sua vez, o uso “ad-hoc” (para determinado efeito no momento) dessas políticas tende a afetar a expansão da economia.

    A conclusão é de um estudo de quatro economistas do Banco de Compensações Internacionais (BIS), incluindo Luiz Awazu Pereira, que é vice-diretor no banco dos Bancos Centrais e foi vice-presidente do Banco Central do Brasil.

    O Brasil aparece como um dos países mais ativos na adoção de medidas, com 30 no pré-crise e 23 no pós-crise, comparado a duas nos dois lados nos Estados Unidos, por exemplo.

    Política macroprudencial inclui instrumentos baseados em capital (requisitos de capital anticíclicos, restrições de alavancagem, provisionamento geral ou dinâmico) e requisitos de liquidez. As ferramentas macroprudenciais cíclicas incluem instrumentos do lado do ativo (limites de crescimento do crédito, índice máximo de serviço /renda, limites às exposições dos bancos ao setor imobiliário); além de mudanças nas reservas mínimas e instrumentos monetários (variações nos limites de descasamentos cambiais estrangeiros e posições abertas líquidas).

    Esse tipo de medida pode pesar sobre o crescimento da produção, pelo impacto sobre a oferta do crédito e do investimento.

    No entanto, com base em dados de 64 países desenvolvidos e emergentes, os autores examinam o desempenho econômico no longo prazo. E concluem que, quanto mais o país recorre a medidas macroprudenciais de forma sistemática, mais o PIB cresce de forma sustentável.

    Mas nota que essas políticas são menos efetivas em países que são muito abertos ou com sistemas financeiros muito desenvolvidos, embora quando essas duas condições existirem juntas as medidas macroprudenciais tendem a ganhar em eficácia.

    Conforme os autores, os resultados do estudo sugerem que políticas macroeconômicas, como qualquer terapia, podem ter efeitos colaterais e precisam ser administradas corretamente.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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