Brasil deveria reduzir consumo e elevar poupança, sugerem economistas do FMI

    Sergio Lamucci | De Washington

    Como o cenário externo não será mais tão favorável quanto o da última década, alguns países emergentes, como o Brasil, devem reduzir o consumo e aumentar a poupança, para que uma fatia maior do investimento seja financiada domesticamente, dizem os economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

    Em relatório divulgado ontem, o “staff” do FMI diz que economias como Brasil, Turquia e África do Sul, cujos modelos de crescimento se baseiam em alto consumo privado, ou público, financiado por empréstimos externos, precisam mudar essa estratégia, para conseguir um avanço mais sustentado da atividade. “Isso também ajudaria a reduzir déficits externos estruturais e o risco de ciclos de expansão e contração”, escrevem eles, no estudo “Mercados emergentes em transição: perspectivas e desafios do crescimento”.

    No caso da China, o esforço deve ser o oposto. Por lá, é necessário reduzir o investimento e a expansão do crédito para níveis mais sustentáveis, aumentando o consumo doméstico e levando em conta uma demanda externa mais baixa, segundo o staff do FMI.

    O relatório também destaca a importância de políticas macroeconômicas sólidas, como ficou claro nos episódios recentes de turbulência nos mercados. Depois que o Federal Reserve indicou em maio de 2013 que poderia começar a retirar os estímulos monetários ainda naquele ano, houve mudança na preficicação de ativos de emergentes. Primeiro, o processo foi disseminado. Em seguida, porém, os mercados passaram a diferenciar os países de acordo com os fundamentos e a credibilidade das políticas, aponta o estudo.

    “O desafio imediato para as autoridades dos países emergentes é fortalecer os arranjos macroeconômicos. Em alguns casos, uma política monetária mais apertada será necessária para conter a inflação e fortalecer a confiança”, diz o estudo, observando que também pode ser necessário ter uma política fiscal mais rigorosa, nos casos em que a condução das contas públicas é pró-cíclica, ou em que os déficits em conta corrente são muito altos. “Uma taxa de câmbio flexível deve servir para amortecer choques, embora a intervenção no mercado possa ser usada para reduzir volatilidade excessiva quando as reservas são adequadas”, afirmam os economistas do FMI.

    Segundo o estudo, estimativas sugerem que a sensibilidade do crescimento das exportações de commodities a uma queda dos termos de troca (relação entre preços de exportação e importação) pode ser reduzida em 30%, se os países forem capazes de adotar políticas contracíclicas. “Isso implica que países que pouparam fatia maior do boom de commodities da década anterior estarão numa posição melhor para enfrentar os efeitos do declínio dos termos de troca.”

    O relatório diz que, no médio prazo, as condições externas devem se tornar menos favoráveis para a maioria dos mercados emergentes. Há uma recuperação das economias avançadas que vai ajudar os países em desenvolvimento a sair da desaceleração cíclica da atividade, devido ao aumento da demanda externa. A questão, porém, é que não se espera que os países ricos voltem a registrar as taxas de crescimento que vigoravam no período pré-crise. Além disso, a retomada gradual dos países desenvolvidos ocorrerá em cenário marcado por condições financeiras globais mais apertadas. Esse processo deverá ser acompanhado de episódios de volatilidade parecidos com os que foram experimentados desde maio de 2013. Para completar, os preços de commodities tendem a se enfraquecer um pouco nos próximos anos, refletindo em parte a desaceleração gradual que se projeta para a China e o processo de reequilíbrio chinês em direção a uma economia puxada mais pelo consumo do que pelo investimento.

    O estudo também examina os motivos pelos quais os mercados emergentes estão em desaceleração. A análise com 24 países em desenvolvimento sugere que a maior parte da perda de força ocorreu por causa de demanda externa mais fraca. “A desaceleração do crescimento desde 2010-2011 é explicada em grande parte pela demanda menor dos parceiros comerciais até 2013 e com um papel menor (embora ainda estatisticamente significativo) em 2013”, dizem os economistas do FMI.

    O relatório discute ainda se a desaceleração se deve a fatores cíclicos – relacionados à conjuntura – ou estruturais, como declínio da taxa de crescimento potencial (aquele que não acelera a inflação). “Na média, fatores cíclicos e estruturais são igualmente importantes para explicar a recente perda de força nos países emergentes”, afirma o estudo. Isso implica que parte da desaceleração é transitória – a cíclica -, o que significa que a atividade deverá ganhar algum fôlego quando os parceiros comerciais engatarem um ritmo de expansão mais forte, especialmente as economias avançadas.

    Na abertura do estudo, há o esclarecimento de que o relatório representa a visão dos autores, e não necessariamente a avaliação do FMI ou as políticas da instituição.

     

    Fonte: Valor

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