BTG reencontra ‘curso normal dos negócios’

    Roberto Sallouti estava correndo na esteira às 6h30 do dia 25 de novembro de 2015 quando o telefone tocou trazendo uma notícia que viraria de cabeça para baixo sua vida, a de seus sócios e da instituição financeira que hoje comanda. Do outro lado da linha veio o relato de que André Esteves, então presidente e controlador do BTG Pactual, havia sido preso no âmbito das investigações da Operação Lava-Jato.

    As mudanças foram tantas desde então que na quinta-feira da semana passada Sallouti, avesso a aparições públicas, estava de frente para uma plateia com mais de cem pessoas falando sobre um tema difícil até para o melhor dos oradores: o que ele e sua equipe fizeram para evitar que o 6º maior banco do país quebrasse.

    Quase dois anos depois do episódio, Sallouti, atual presidente do BTG Pactual, decidiu falar publicamente pela primeira vez sobre como foram os dias que se seguiram à prisão de Esteves, até então a principal imagem pública do banco. O convite partiu da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), uma das organizadoras do 7º Congresso Internacional de Gestão de Risco. A ideia era trazer para o palco alguém que tivesse enfrentado um real teste de estresse. Por se tratar de uma plateia de especialistas em risco, Sallouti aceitou o pedido.

    Se em nenhum momento ao longo dos quase 60 minutos de palestra ele chegou a falar explicitamente sobre o que detonou o estresse no BTG – ou seja, a prisão do Esteves -, o executivo discorreu sobre as medidas tomadas, os arrependimentos e as pessoas que ajudaram o banco a evitar o pior.

    Logo após receber a notícia naquela manhã de 2015, os sócios tiraram da gaveta o plano de contingência do banco, um documento exigido pelo Banco Central (BC) que traz as primeiras ações que uma instituição precisa adotar no caso de um evento de estresse.

    O telefone não poderia tocar mais de três vezes para não deixar os clientes sem atendimento. Se algum investidor quisesse falar com alguém mais sênior, passava-se a ligação. E, caso optasse por sacar o dinheiro aplicado, a regra era cumprir a ordem. “Nada de ameaças, ou nada de ‘não, pelo amor de deus, não faça isso'”, contou o executivo. Para honrar os saques naquela corrida bancária – R$ 35 bilhões em depósitos e R$ 120 bilhões em fundos -, o banco também definiu quais ativos seriam vendidos, passando por R$ 12 bilhões em carteiras de crédito e participações ilíquidas em empresas.

    Como isso levaria um certo tempo para se concretizar e o plano de contingência não chegou a prever saques tão volumosos, o BTG ainda amarrou a venda de R$ 1,7 bilhão em depósitos para fundos de investimentos de bancos e uma linha emergencial de R$ 6 bilhões com o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Se não tivesse tido o apoio do sistema financeiro, Sallouti arriscou a dizer que a história do BTG poderia ter sido outra.

    Com a prisão do controlador e presidente do banco, os sócios tiveram que definir rapidamente quem ficaria à frente do BTG. A solução para o problema já estava prevista no contrato da “partnership” do banco, segundo Sallouti, para acomodar uma eventual situação em que Esteves ficasse impossibilitado de comandar o BTG por estar em coma ou ter sofrido um acidente, por exemplo. Em um caso como esse, os demais principais sócios do banco teriam o controle.

    A partir dali, Sallouti e Marcelo Kalim assumiram a presidência do BTG, enquanto Pérsio Arida ficou à frente do conselho. Diante da agilidade necessária, Sallouti contou que qualquer decisão dali adiante podia ser tomada por um mínimo de dois dos principais sócios.

    Todos deveriam mostrar confiança e passar isso por meio da linguagem corporal. “Sempre brincava entre os sócios mais seniores do banco que vale chorar, desde que seja em casa sozinho”, relatou. Ele diz só ter chorado em março de 2016, quando teve de demitir 700 pessoas para reduzir os custos do banco.

    Para dar força a dias nada triviais, Sallouti disse que até uma lista de frases motivacionais reunidas por sua mulher ajudou a equipe. A mais lembrada delas até hoje é “tempos difíceis não duram para sempre, mas pessoas fortes duram”. Em paralelo, para facilitar a resolução dos problemas, o banco criou quatro “war rooms”, salas dedicadas a atacar temas específicos: liquidez, aspectos jurídicos, mídia e regulação. Nelas se concentravam as questões fundamentais para manter a instituição viva.

    O alívio maior, de acordo com Sallouti, só veio no último dia de 2015, quando o BTG fechou a venda da empresa de recuperação de créditos podres Recovery para o Itaú Unibanco por R$ 640 milhões. A partir dali, o banco teria um alívio de liquidez suficiente para honrar os compromissos até setembro do próximo ano. “Isso nos dava tempo de arrumar a casa.”

    E aí entraram ações para corrigir modelos que o BTG hoje julga inapropriados, como os investimentos ilíquidos em empresas. “Não dá para ter um negócio ilíquido dentro do negócio bancário”, disse Sallouti. No passado, o BTG se gabava por ser o único banco que investia na economia real. O portfólio que restou desses tempos está em fase de liquidação. “O BTG Pactual naquela época era um bicho que as pessoas tinham dificuldade de entender”, afirmou Sallouti.

    Outra lição é não personificar o banco, que se confundia com a figura de Esteves. O erro, para Sallouti, foi responsabilidade de todos os sócios, inclusive dele. “Sinceramente, sempre foi muito conveniente a posição que eu me encontrava antes. Ninguém sabia meu nome, eu podia andar na rua, ninguém tinha noção de quem eu era. Não gosto de falar em público e não precisava, mas para o banco era ruim.”

    Apesar da personalidade mais reservada, depois da crise Sallouti lançou mão até das redes sociais para se comunicar. Além das contas institucionais do banco, o presidente do BTG tem sua própria conta no LinkedIn. Ao pesquisar o assunto, Sallouti diz que se surpreendeu ao ver que Lloyd Blankfein, presidente do Goldman Sachs, estava no Twitter. “Eu pensei: bem, se o Lloyd Blankfein abriu uma conta no Twitter e a gente não está fazendo isso, tem algo que não estamos entendendo.”

    A avaliação de Sallouti é que as redes sociais representam um caminho mais direto para se passar uma mensagem, sem interpretações, críticas e comparações acrescentadas por intermediários, como jornalistas. A estratégia, adotada também por figuras como Jamie Dimon, do J.P. Morgan, e Larry Fink, da BlackRock, tem funcionado bem, segundo ele.

    Sallouti disse que no início deste ano o BTG voltou ao que ele chama de “curso normal dos negócios”. Questionado pela plateia se o banco ainda tinha um plano de contingência, o executivo disse que sim, até por uma exigência regulatória. A diferença é que agora, depois de ter sido testado na prática, esse plano prevê coisas antes inimagináveis.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

    Matéria anteriorPrazo de pagamento do FGC pode diminuir
    Matéria seguinteGestores mantêm bolsa no radar em meio a ‘liquidação’