Calote a terceirizados invade a Esplanada

    A Adminas e a Delta, contratadas por vários ministérios, entre eles, o da Fazenda e o da Justiça, somem com o dinheiro repassado pelo governo e deixam centenas de pessoas sem os salários e os direitos previstos em lei

    SIMONE KAFRUNI
    BÁRBARA NASCIMENTO
    FRANCELLE MARZANO

    O governo federal sentiu na pele a precariedade do trabalho terceirizado no país ao levar um calote de duas empresas prestadoras de serviços nos ministérios da Fazenda, da Justiça e da Integração e também no Banco do Brasil. As empresas Adminas Administração, com sede em Belo Horizonte, e a Delta Locação de Serviços e Empreendimentos, baseada em Lauro de Freitas (BA), receberam os recursos para honrar os salários de seus funcionários, mas deixaram centenas de trabalhadores de mãos abanando. Os órgãos, agora, terão de garantir o pagamento dessas pessoas, que não têm outra fonte de renda.

    Às vésperas da apreciação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, do projeto de lei 4.330, que promete regulamentar e expandir a atividade, a polêmica é grande, e o sentimento dos trabalhadores terceirizados é de pesar. Recepcionista no Ministério da Justiça, Laís Nogueira, de 23 anos, disse que a Adminas não depositou o salário de mais de 500 funcionários, apesar de constar, no portal Transparência, que o repasse, de R$ 1,782 milhão, referente aos serviços prestados, foi feito.

    “No Paraná, já houve uma greve dos trabalhadores por falta de pagamento. Segunda-feira, a sede da empresa, em Minas, amanheceu de portas fechadas, e os colegas foram orientados por seguranças a se dirigirem ao sindicato. Em Brasília, os representantes simplesmente desapareceram. Os terceirizados não têm a quem recorrer”, lamentou Laís.

    Na tarde de ontem, a sede da Adminas, em Belo Horizonte, continuava de portas fechadas e ninguém atendia o interfone. O assessor jurídico da empresa Maurílio Ramos explicou que a companhia está se valendo de uma instrução normativa do governo federal para que os órgãos que contrataram os serviços retenham as faturas que repassariam à prestadora para honrar os salários dos empregados lesados. Ele empurrou o problema para o governo, alegando que a companhia foi vítima de calote primeiro.

     “Não houve encerramento das atividades da Adminas. Ainda estamos negociando com os órgãos para os quais prestamos serviços”, disse Ramos. Segundo ele, a empresa tem quatro mil funcionários. “A inadimplência dos órgãos para os quais a firma presta serviço é o que pode levá-la a encerrar as atividades. Eles não pagaram a Adminas. Agora, devem fazer o acerto direto com os trabalhadores. Todos os órgãos já foram avisados”, completou.

    Demissões
    No Ministério da Justiça, uma nota interna confirma o não pagamento dos salários dos terceirizados pela Adminas e alerta: “Tendo em vista a incomunicabilidade dos responsáveis da empresa, informamos que a Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração está adotando todas as providências cabíveis para garantir os direitos dos trabalhadores”. No Ministério da Integração, 65 funcionários da Adminas aguardam pelos seus salários, que o próprio órgão deve pagar.

    No Banco do Brasil, a situação se repete. Pedro Bruno da Silva Alves, de 21 anos, atendente no BB, afirmou que apenas os benefícios, como vales-alimentação e transporte, foram depositados e que nenhum dos terceirizados recebeu o pagamento referente a julho. Ana Karen da Silva Pinheiro, de 24 anos, também terceirizada no BB, está preocupada. Ela foi demitida no mês passado e dia 7 de agosto deveria receber a rescisão pelo trabalho de dois anos na agência. “Entrei em contato com o responsável pela Adminas. Ouvi que estamos todos no mesmo barco e que ele também não recebeu seu salário”, disse.

    Segundo a assessoria do BB, a instituição tem 130 empregados terceirizados da Adminas para a prestação de serviços. “Nos casos de abandono de serviço, o banco formaliza, com a Justiça do Trabalho, procedimento para o pagamento dos salários e das demais verbas trabalhistas diretamente aos terceirizados”, explicou. O BB, que neste momento tem processos administrativos por descumprimento de obrigações trabalhistas contra 11 empresas terceirizadas, também tem 414 empregados da Delta, empresa que deixou os trabalhadores da Fazenda a verem navios.

    Cerca de 700 funcionários da Delta trabalham em 19 áreas do Ministério da Fazenda. O contrato garantia um repasse mensal de R$ 1,6 milhão à empresa. Na semana passada, a Delta encaminhou carta ao ministério alegando dificuldades financeiras para permanecer com o contrato. “O Ministério da Fazenda assumirá o pagamento da folha até a realização de nova licitação”, afirmou a assessoria de imprensa do órgão. Nos próximos meses, em vez de repassar o dinheiro à prestadora, pagará diretamente os trabalhadores.

    Na sede da empresa Delta, na Bahia, os telefones não atendem. Numa filial, no Rio de Janeiro, um atendente confirmou que o problema existe e inclusive mencionou falta de pagamento a funcionários de uma agência da Caixa Econômica Federal, mas disse que somente a sede poderia se manifestar.

    Fragilidade
    O calote recebido pelo governo expõe uma situação vivida pelos trabalhadores terceirizados já há algum tempo: a insegurança quando as empresas decretam falência ou simplesmente somem do mapa. Nesses casos, atualmente, a própria contratante é responsável por arcar com os salários não pagos e encargos trabalhistas. O polêmico projeto de Lei 4.330, que promete regulamentar e expandir a terceirização, além das “atividades meio”, como é permitido atualmente, deve mudar a responsabilidade pelos prejuízos.

    Segundo o deputado Arthur Maia (PMDB-BA), relator da proposta na CCJ, se aprovado, o projeto cria exigências para que a empresa comprove capacidade de pagamento e calotes como esses não se repitam.

    “O projeto prevê uma conta vinculada, da qual o dono da empresa — se vier a desaparecer — não pode retirar o dinheiro durante 90 dias, até que sejam garantidos os salários e as rescisões”, disse Maia. Quem contratar os serviços de terceiros deve fiscalizar o trabalho, pois apenas se for comprovado que não houve a fiscalização, é que terá que arcar com as despesas.

     
    Pressão no Congresso

    A votação, inicialmente, estava prevista para ontem. Um pedido de nova reunião por parte dos sindicalistas, no entanto, provocou adiamento. O novo parecer do relator foi encaminhado à CCJ ontem pela manhã e poderia entrar na pauta de hoje. A pedido do presidente da comissão, no entanto, a votação foi postergada novamente, em razão da quantidade de “itens importantes” a serem discutidos. Uma reunião está marcada para a segunda-feira que vem. É possível que o PL seja votado na terça-feira da semana que vem. Apesar de ficar de fora da pauta da CCJ de hoje, o movimento dos empresários deve entrar com um requerimento para incluir o projeto como “extrapauta”, para adiantar a votação. 

     

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