Texto aprovado permite prestadores de serviços em todas as atividades, mas deve ser mudado no Senado
-BRASÍLIA, RIO E PORTO ALEGRE-. Uma manobra regimental garantiu a aprovação, pela Câmara, de uma emenda que amplia a terceirização para atividades-fim nas empresas. O bloco de partidos comandado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu aprovar, com 230 votos a favor e 203 votos contra, uma emenda abrangente para derrubar o destaque do PT, que limitava a terceirização às atividades-meio (limpeza, segurança e outras que não representam a função principal da empresa). A votação de emendas e destaques terminou por volta das 22h, e o projeto 4.330 vai para o Senado, onde deverá ser alterado. O presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), defendeu ontem que haja limites para a terceirização nas empresas.
Pela manhã, o governo reuniu líderes da base aliada buscando um acordo para incluir no texto proposta do Ministério da Fazenda, que obrigava todas as empresas a reter a contribuição previdenciária devida pelas prestadoras, mas não conseguiu. Cunha decidiu não atender a demanda por considerar que ela elevaria a carga tributária. O relator do texto, Arthur Maia (SD-BA), foi mais longe e considerou a proposta do governo “uma indecência”.
ÂNIMOS ACIRRADOS ENTRE LEVY E CUNHA Antes do início da votação, houve uma reunião tensa entre o presidente da Câmara, em seu gabinete, com os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Eliseu Padilha (Aviação Civil). Segundo relatos, Cunha disse a Levy que a parte referente à arrecadação deve ser negociada pelo governo com os senadores, quando o projeto for enviado. O peemedebista afirmou que não havia consenso para incluir o pedido da Fazenda e encerrou o encontro abruptamente depois que os ânimos se acirraram.
– Já que é uma farra fiscal, então não coloca nada! – disse Levy, segundo relatos.
– Farra é o que vocês querem fazer! – retrucou Eduardo Cunha.
A emenda aprovada ontem trouxe alteração significativa em relação ao texto-base, ao estabelecer a responsabilidade “solidária”. A medida beneficia os trabalhadores, que poderão escolher a quem acionar na Justiça, a contratante ou a prestadora de serviço. Na redação aprovada antes, a responsabilidade era “subsidiária”, ou seja, a empresa contratada respondia em primeiro lugar.
Outra mudança foi a redução de 24 para 12 meses no prazo para que um trabalhador demitido seja recontratado como pessoa jurídica (PJ). Além disso, a emenda abre a possibilidade de associações, sociedades, fundações, empresas individuais, cooperativas e entidades filantrópicas atuarem como prestadoras de serviço terceirizado.
Foi aprovada ainda uma medida que estende aos terceirizados do setor público todos os direitos previstos no projeto, embora o texto regulamente a terceirização apenas no setor privado. Na semana passada, o PSDB conseguiu aprovar emenda que excluiu as empresas públicas e de economia mista das novas regras.
A ação comandada por Cunha para a votação foi acertada em reunião com a presença de representantes de PMDB, PR, PP, PHS, PSC, PTB, DEM e Solidariedade. O acordo entre esses partidos, que ganhou apoio do PSDB, garantiu a votação do projeto mantendo a terceirização para todas as atividades.
– Fizeram uma série de malabarismos antirregimentais. Essa emenda aglutinativa tão abrangente foi feita para garantir que aqueles favoráveis à terceirização para tudo possam se esconder e não tenham que botar a cara para defender a precarização do trabalho. Ela piora o texto-base, porque reduz o prazo da “pejotização” para 12 meses, permite a quarteirização com a terceirização das contratadas e permite que cooperativas terceirizem – criticou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
O PSDB, que na semana passada estava dividido sobre o mérito da proposta, mudou o posicionamento e desequilibrou o placar a favor do projeto. Segundo o vice-líder do partido, deputado Nilson Leitão (MT), a mudança ocorreu depois que a legenda aprofundou a discussão sobre o tema. O deputado disse que o anúncio do presidente do partido, senador Aécio Neves (PSDB-MG), de que é pró-terceirização, ajudou a convencer a bancada.
– Claro que a posição do Aécio convenceu alguns deputados, mas à medida que as pessoas foram se informando, viram que o projeto é bom para os trabalhadores – disse.
Durante todo o dia, o governo fez gestões para obter um acordo sobre a questão fiscal, mas não teve sucesso. O Planalto teme perda na arrecadação, porque os salários dos terceirizados são menores, e, se a massa salarial cair, as receitas para o INSS e o FGTS também diminuem. Há também receio de precarização dos direitos trabalhistas.
Apesar da derrota na questão fiscal, o governo recebeu como um alento a declaração de Renan Calheiros sobre alterações no projeto.
– O governo não se sente derrotado nessa matéria. Até porque prevaleceram o diálogo e o equilíbrio – minimizou o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), ao fim da votação.
Trabalhadores e sindicalistas ligados à CUT protestaram contra o projeto em diversas capitais e aeroportos. Com faixas com o rosto dos deputados que aprovaram o texto-base, eles ocuparam vários aeroportos. Tentavam pressionar parlamentares que embarcavam a votar contra.
– A luta não acaba na Câmara, o projeto ainda passará no Senado. Estaremos na rua e teremos um 1º de maio de muita luta e mobilização – declarou Vagner Freitas, presidente da CUT.
Já Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que a “classe empresarial enaltece a coragem dos parlamentares”.
– O projeto é de 2004 e as mudanças foram para salvaguardar os direitos dos trabalhadores.
O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, elogiou a medida.
– Foi uma vitória do Brasil. Se tirasse a questão da atividade-fim, não teria razão ter esse projeto. A regulamentação já existe, é uma realidade para quase 15 milhões de pessoas.
O presidente da Força Sindical, Miguel Torres, também considerou a votação positiva, mas fez a ressalvas à redução ao prazo de carência para que as empresas contratem funcionários terceirizados: – Era melhor ficar dois anos em vez de um, mas não vejo problema, hoje todos “pejotizam”.
Para Clemente Ganz Lucio, do Dieese, houve avanços, mas ainda faltam limites:
– A questão central é se deveria haver um limite para que não se tenha uma porteira aberta.
Fonte: O Globo