Capital externo vive bonança com o Brasil

    Em apenas dez dias, foi divulgada uma série de notícias negativas, aqui e no exterior, com potencial para sacudir os preços dos ativos globais: o Federal Reserve sinalizou com um aumento de juros antes do que o mercado imaginava, o Brasil teve seu rating rebaixado e a inflação disparou. Com tudo isso, o que se viu foi uma clara melhora do apetite pelo risco no Brasil, com entrada de investidores estrangeiros e consequente queda do dólar e juros e firme ganho da bolsa.

    Há dez dias, o dólar comercial oscilava ao redor de R$ 2,35, o Ibovespa valia pouco mais de 45 mil pontos e a NTN-F com vencimento em 2021 pagava 13,04%. Na sexta-feira, a moeda americana era cotada a R$ 2,2620, o Ibovespa em 49.768 pontos, enquanto o prefixado do Tesouro remunerava o investidor a 12,71%. Aproveitando essa clara demanda do investidor, especialmente do estrangeiro, por papéis prefixados, o Tesouro fez as maiores ofertas de títulos públicos da história em alguns dos leilões tradicionais realizados ao longo de março.

    A um observador desavisado, esse quadro pode sugerir que houve uma mudança de humor baseada em uma leitura mais benigna dos fundamentos. Mas o que os especialistas enxergam é um movimento liderado por capital de curto prazo, que se move diante de janelas de oportunidade e que, por isso, pode mudar de posição a qualquer momento. O que justifica a decisão desse investidor neste momento é o fato de o mercado americano passar por um período de baixa volatilidade e de rentabilidade.

    Os juros dos Treasuries, referencial dos mercados de renda fixa globais, estão em níveis considerados baixos, mesmo depois de a presidente do Fed, Janet Yellen, indicar na última reunião de política monetária que o juro básico por lá pode começar a subir em meados de 2015.

    Segundo o economista-chefe da Mauá Sekular, Alessandro del Drago, se a taxa básica de juro americana subir em doses suaves de 0,25 ponto percentual por reunião até alcançar 4% no fim desse ciclo, o yield da T-note deveria estar em 3,3%. No entanto, está perto de 2,70%. Já o título de cinco anos deveria render 2,1%, mas está em 1,74%. Drago adverte que esse cenário é considerado conservador, uma vez que, historicamente, o ritmo de alta de juros dos EUA tem sido mais acelerado, na faixa de 0,30 ponto. Isso significa, portanto, que quando vierem dados mais fortes dos Estados Unidos, haverá esse realinhamento , afirma.

    Drago lembra que o inverno americano rigoroso acabou frustrando um cenário para o qual todo o mercado estava posicionado. A expectativa de que a atividade ganharia tração e abriria espaço para a normalização da taxa de juros nos Estados Unidos fez com que o mercado ampliasse posições compradas em dólar, esperando que o ano começasse com muita volatilidade. Só que os dados não corroboraram para esse quadro. A volatilidade não veio, os juros dos Treasuries cederam e o investidor teve de buscar alternativas de retorno.

    O investidor olha para a tela e diz: ainda tenho de ganhar dinheiro neste mês , exemplifica o diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International em Nova York, Tony Volpon. Ele observa que um bom indicador desse clima mais tranquilo é o índice Vix, que mede a expectativa do mercado para o preço futuro do índice de opções sobre o S&P 500, visto como um termômetro de aversão ao risco. Quando cai abaixo de 15%, o indicador mostra apetite. Na sexta-feira, o indicador oscilava perto de 13,8%.

    Além desse quadro de tranquilidade externa, diz Volpon, o investidor monitora outras duas variáveis para tomar suas decisões, e ambas favorecem o Brasil. A primeira é a condição do carry trade – diferencial entre o juro pago aqui e o externo. Nos momentos de tranquilidade externa, diz o especialista, essa taxa é determinante. E o Brasil, comparado com México, Turquia, Austrália e África do Sul, oferece o segundo maior retorno. Segundo cálculos da Nomura, o rendimento implícito anualizado das operações de carry trade de um mês no Brasil está em 10,13%, ante 3,09% do México.

    Outro elemento determinante é a volatilidade do câmbio, que amplia o risco do investidor. E, no Brasil, está baixa, por causa da política de atuação do Banco CENTRAL por meio da oferta de swap cambial. O mercado está muito confortável com o programa de intervenção do BancoCENTRAL. Talvez fique um pouco menos confortável se o dólar continuar caindo, porque isso pode afetar o ganho com déficit de conta corrente , diz Volpon.

    O diretor do UBS Wealth Management Francisco Levy observa que o fato de o Brasil ter sido um dos países que mais sofreram no ano passado, quando a perspectiva de aperto monetário nos Estados Unidos veio pela primeira vez à pauta e provocou uma onda global de realocação de recursos, também contribui para um movimento mais firme de fluxo de capitais neste momento. O Brasil foi um dos piores entre os emergentes por causa da deterioração em conta corrente e das contas fiscais. Agora, a atividade melhorou um pouco, a volatilidade começa a ceder e os juros estão em alta, ampliando as oportunidades para o estrangeiro , afirma.

    O que especialistas consideram é que esse quadro externo, entretanto, pode mudar em breve. A recuperação da atividade americana esperada para o primeiro trimestre e abortada pelas condições climáticas deve vir no segundo trimestre. Tudo continua apontando para uma recuperação dos Estados Unidos no segundo trimestre e o crescimento por lá deve voltar à faixa de 3% , afirma Drago, da Mauá. Quando isso ocorrer, deve haver uma correção da curva de juros americana, o que tende a provocar uma mudança nos preços dos ativos globalmente. A intensidade dessa correção é a principal dúvida. Tecnicamente, o mercado está mais limpo do que estava no ano passado , diz Levy, do UBS, referindo-se ao fato de os investidores já estarem mais posicionados à ideia de uma alta de juros nos Estados Unidos. De todo modo, nesse ambiente, o investidor tende a ficar mais uma vez um pouco mais seletivo. E, então, os riscos domésticos voltarão à pauta. Há uma lista de possíveis choques domésticos que poderiam virar a opinião do investidor, como o risco de racionamento e o nível da inflação, sem falar nas eleições , diz Volpon, da Nomura.

     

    Fonte: Valor Econômico

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