André Vaz Lopes
Em tempos de grande interesse da sociedade sobre os critérios para ocupação de cargos comissionados na administração pública brasileira é importante que bons exemplos também sejam destacados.
Desde a década de 1930 todo e qualquer posto de chefia e direção passou a ser exercido por confiança. Apesar de permitir uma rápida renovação dos dirigentes à época, tal prática adotada indiscriminadamente gerou outros males para a administração pública, fortalecendo os laços clientelistas entre os nomeados e os nomeadores, uma vez que nem sempre a ocupação de tais cargos ocorre necessariamente em decorrência do mérito e desempenho do escolhido.
Existem na administração pública federal brasileira mais de cem mil cargos e funções de confiança. Muitas dessas gratificações são conferidas de acordo com o trabalho exercido, como gratificações por serviço extraordinário e gratificações de representação em gabinete. Outros tantos, porém, são cargos de livre provimento destinados à ocupação de chefias e assessorias, em todos os níveis hierárquicos, fazendo com que praticamente todas as posições com poder no processo decisório do serviço público sejam preenchidas por livre nomeação.
Além de selecionar corretamente os seus gestores, os órgãos precisam ainda ser mais transparentes
A inexistência de processos de seleção formal para ocupação de cargos gerenciais contribui para uma vinculação tácita entre aqueles que desejem ocupar tais posições e os detentores de poder para nomeá-los, criando uma hierarquia informal dentro da burocracia pública.
Contudo, iniciativas isoladas de alguns órgãos públicos parecem apontar para uma mudança nesse paradigma. Recentemente a Agência Nacional de Telecomunicações divulgou processo seletivo voltado apenas para servidores públicos federais, para ocupação de cargo comissionado no gabinete de um dos seus conselheiros. No segundo semestre de 2013, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão realizou uma seleção pública para ocupação de cargos de livre nomeação, contando com a participação de mais de 600 candidatos.
Uma das iniciativas mais consistentes foi implantada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Desde 2012 a Anvisa instituiu processos seletivos públicos para ocupação de cargos comissionados de alto escalão. A partir de então, a ocupação destes cargos, que são de livre nomeação, deixou de ser por indicação do diretor-presidente e passou a ser por meio de processo seletivo público, composto por análise curricular e entrevista realizada em conjunto por todos os diretores da agência.
No início deste ano a Anvisa concluiu a seleção dos seus novos superintendentes, agregando ao processo seletivo, além da análise curricular e a entrevista, a apresentação escrita de um plano de trabalho para a área a qual o candidato concorreu. Em um país onde historicamente as indicações políticas para ocupação de cargos comissionados parecem ser a regra, o resultado da seleção promovida pela Anvisa surpreendeu. Para os nove novos cargos, que terão salário de até R$ 12 mil, foram selecionados apenas servidores públicos concursados, sendo a maior parte dos próprios quadros da agência, mesmo após uma seleção aberta a qualquer pessoa.
Exemplos como estes mostram a preocupação de alguns órgão públicos em de fato profissionalizar o seu quadro gerencial, deixando cada vez mais pra trás os cabides de emprego para apadrinhados ou aventureiros.
Estudos realizados por dois autores americanos, Peter Evans e James Rauch, junto a países desenvolvidos e em desenvolvimento, apontam uma relação direta entre a profissionalização das estruturas burocráticas estatais e o desenvolvimento econômico de cada nação. Variáveis relativamente simples, facilmente identificáveis, caracterizam as burocracias estatais eficazes: salários competitivos, promoção interna, estabilidade na carreira e recrutamento meritocrático.
No Brasil, houve reajustes significativos nos últimos anos nos salários dos servidores públicos, buscando torná-los mais atrativos. A legislação garante a estabilidade funcional e o concurso público é uma maneira de recrutamento meritocrático e transparente. Resta ainda avançar nas formas de provimento laterais, como as nomeações para os cargos de livre nomeação, e iniciativas de promoção e crescimento na carreira. A realização de processos seletivos para cargos gerenciais, além de permitir uma maior qualidade no processo de escolha dos gestores públicos, possibilita o surgimento de novas lideranças e abre oportunidades de crescimento para os servidores públicos, aproximando a burocracia estatal brasileira daquelas vistas como mais eficazes.
É preciso, no entanto, que a realização destes processos de seleção deixem de ser iniciativas isoladas de algumas instituições e passe a ser uma política voltada para a melhoria da Gestão Pública. Além de selecionar corretamente os seus gestores, os órgãos precisam ainda dar transparência sobre quem ocupa cada cargo, qual a sua formação, qual a sua experiência e como chegou até ali. Avançando um pouco mais no modelo, podemos chegar um dia a ver publicado no portal de cada instituição as metas individuais de cada gestor e os resultados que foram alcançados.
Com isso, a sociedade poderá saber para onde cada órgão está indo, como está sendo dirigido e cobrar daqueles que não alcançaram resultados satisfatórios. Tais práticas certamente farão com que os governantes escolham melhor as suas equipes de gestores, sejam eles servidores públicos ou não.
André Vaz Lopes é graduado em administração pública e mestre em desenvolvimento e políticas públicas, é servidor público efetivo da Anvisa e superintendente de gestão interna da agência.
Fonte: Valor Econômico