Cenário político incerto desafia Meirelles

    O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não quis fazer comparações entre sua passagem pelo Banco Central (BC) nos anos Lula e seu retorno ao governo seis anos depois. Está certo. As condições de Meirelles em 2003 não poderiam ser mais distintas das que encontra em 2016. Se naquela época, como agora, faltava credibilidade para tirar a economia do fundo do poço, Meirelles navegará dessa vez num mundo político muito mais incerto.

    Não há dúvidas de que Meirelles tem o respaldo inequívoco do presidente interino e que chega ao governo empoderado para “fazer o que for necessário”. Seu discurso sobre a dívida pública “insustentável”, a necessidade de tetos para o gasto, o controle sobre as indicações do presidente do BC e dos bancos estatais e as medidas duras que não titubeou em prometer são um sinal da latitude que terá.

    Mas diferente do governo Lula de 2003, que havia acabado de ser eleito com maioria esmagadora, era forte e popular. Meirelles entra agora num time que ainda tem que se legitimar politicamente e que, por menores que sejam as chances de a presidente afastada Dilma Rousseff voltar ao cargo, ainda é um governo interino.

    Michel Temer passará pelo menos três meses de seu governo sob a sombra de ter que garantir os 54 votos do Senado para obter de vez o impeachment da presidente. Isso basta para alterar todos os cálculos políticos de qualquer governo.

    É pouco provável que o presidente interino avance em qualquer votação de reformas estruturais ou mesmo os inevitáveis aumentos de impostos, antes de uma decisão final do Congresso sobre o futuro de Dilma. O lema de Meirelles, que diz ter pressa e ir devagar, é talvez uma expressão clara da acomodação que será necessária.

    Também sai de cena, em 2016, a proteção que Meirelles tinha em Antonio Palocci o ministro da Fazenda que viabilizou uma política fiscal ortodoxa e segurou a política de juros altos que fez a economia voltar a crescer em seis meses. A figura central na discussão econômica agora é o próprio Meirelles, que tem a vantagem de ter o comando e precisará contornar as desvantagens de ser o alvo preferencial de todos que não concordem com as políticas do governo.

    Se serve como um primeiro indicador do que vem adiante, na sexta-feira, o presidente do Solidariedade e da Força Sindical, Paulinho, já dizia que a reforma da Previdência é “estapafúrdia” e “inoportuna”.

    Na configuração do governo Temer, Meirelles, assim como em 2003, chega cercado de ministros políticos fortes como Eliseu Padilha, na Casa Civil, Geddel Vieira Lima, na Secretaria de Governo, Romero Jucá, no Planejamento, e José Serra, nas Relações Exteriores. Para viabilizar sua política econômica terá que garantir uma aliança sólida com os colegas, mesmo os que pensam radicalmente contra sua visão de economia, caso de Serra. Em sua assessoria, Meirelles deve contar com Marcos Mendes, consultor do Senado, que no sábado deu a notícia via Facebook.

    No pano de fundo da administração de Meirelles paira uma dúvida crucial para a política econômica de Temer: as eleições de 2018. Ninguém fala abertamente sobre o assunto, mas nas contas de aliados e opositores está claro que, conseguindo reeguer a economia, o ministro da Fazenda será considerado um candidato quase natural para a Presidência.

    Em 2010, no fim do governo Lula, Meirelles se filiou ao PMDB ainda quando estava no comando do BC e chegou a articular para ser vice-presidente na chapa de Dilma. No momento em que o mundo político achar que o ministro pode estar querendo trilhar o caminho de Fernando Henrique Cardoso, a boa vontade com a política econômica vai se evaporar e Meirelles deixará de ser só um ministro poderoso.

    O cenário econômico de 2003 era um fundo do poço muito mais raso do que a recessão econômica inédita que o ministro enfrenta agora. Mas Meirelles conhece esse mundo e já tem definido, como se viu bem nas entrevistas iniciais, um rumo traçado para seguir. A diferença agora é que a tradicional combinação – muito bem-sucedida em 1999, 2003 – de um corte brutal nos investimentos, aumentos de impostos e algum adiamento nos gastos não reavivará a economia.

    Em 2016, tudo isso terá que ser feito de novo, mas não bastará se não for acompanhado de reformas que vão mexer no bolso de muitos e nos interesses de poucos muito bem organizados. Meirelles, dessa vez, só será bem-sucedido se conseguir ajuda da política.

    Fonte: Valor Econômico

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