Chineses propõem criar no Brasil ‘clearing’ para câmbio do yuan

    Juliana Schincariol e José de Castro | Do Rio e de São Paulo

    O ganho de relevância do yuan como moeda de reserva global e a maior demanda no Brasil por operações na divisa chinesa já suscitam debates sobre a criação e aperfeiçoamento de instrumentos de negociação no mercado doméstico. A Universidade do Povo, instituição chinesa, sugeriu ao Centro de Estudos de Relações Internacionais (Cebri) fazer estudos em parceira com o objetivo de estabelecer uma “clearing” para operar a moeda chinesa no país.

    A clearing permitiria agilidade no processo de negociação, criando bases para melhora de liquidez e redução de spreads. “A clearing de Câmbio da B3, que hoje trabalha apenas com o dólar americano, possibilitou o aumento da liquidez no mercado de Câmbio interbancário. A expansão de sua cobertura para outras moedas seria muito bem recebida, trazendo benefícios a todos participantes do mercado”, diz Anderson Godoi, responsável pela tesouraria do Banco de Tokyo no Brasil, pertencente ao grupo Mitsubishi UFJ Financial Group (MUFG).

    “Pode ser que a criação de clearings fora da China – e já há uma em Hong Kong – acelere o processo da total conversibilidade da moeda chinesa. Se o Brasil for um dos lugares de clearing, pode ser uma coisa importante para o mercado financeiro”, afirma o presidente do conselho curador do Cebri, Pio Borges. Para ele, a tendência é que o yuan ganhe cada vez mais expressão nas transações. Segundo Borges, representantes da instituição chinesa estiveram em reunião no Rio de Janeiro no início do mês e levantaram a possibilidade de criação de uma câmara de compensação aqui, mas ainda não há previsão sobre prazos.

    O Brasil, tendo a China como maior parceiro comercial e com possibilidade de crescimento muito grande, realmente é um candidato forte para ter este mercado de clearing de moeda chinesa, acrescenta Borges. “Tudo depende do interesse dos governos e de implementação de medidas que precisam ser estudadas”, diz. Ainda segundo ele, caso se concretize, os próximos passos deverão envolver agentes como a B3 e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, nos estudos.

    A importância do yuan como moeda global ainda não é proporcional ao ganho de peso da China no PIBmundial. Apesar disso, o governo chinês tem obtido conquistas nesse sentido. Em 2016, o yuan passou a fazer parte da cesta de moedas de reserva do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na prática, foi um reconhecimento do ganho de relevância não só da moeda, mas também da economia chinesa na dinâmica global.

    Entretanto, se depender do governo do país asiático, novas ações devem continuar sendo adotadas para reforçar a internacionalização do renminbi, nome da moeda oficial chinesa – o yuan é, na verdade, uma unidade de renminbi, como a libra e a libra esterlina, no Reino Unido.

    Números do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) mostram que o crescimento do yuan na fatia global de operações ganhou força na última década. A participação da divisa chinesa nas negociações diárias no mercado global de Câmbio – estimado em US$ 5,1 trilhões – saiu de zero em 2001 para 0,9% em 2010.

    Mas foi nos anos seguintes que o renminbi entrou de vez na lista das principais moedas. Em 2013, 2,2% do total das operações já incluia o yuan, porcentual que foi a 4% em 2016. De 2001 a 2016, o yuan saiu de 35ª moeda mais negociada do mundo para o 8º lugar.

    A título de comparação, em abril de 2016 – período ao qual os dados do BIS se referem -, o renminbi movimentava diariamente US$ 202 bilhões nos mercados globais de Câmbio, bem acima do real (US$ 51 bilhões), que ocupa a 19ª posição no ranking. O dólar responde por 87,6% das negociações, num total de US$ 4,4 trilhões.

    “Se eu tiver de apostar na principal fonte de crescimento de operações com moedas exóticas, apostaria no renminbi”, diz Godoi, da tesouraria do MUFG. O executivo afirma que, no Brasil, a moeda chinesa já é a principal demanda de clientes corporativos, considerando o universo de moedas emergentes.

    Como a operação é fechada em renminbi, a contraparte chinesa não precisa fazer “hedge” da operação. Isso reduz custos operacionais e permite preços mais competitivos para companhias brasileiras – que não contam com a possibilidade de negociar em reais devido à inconversibilidade da divisa doméstica.

    A demanda maior pela moeda chinesa por parte de empresas não chega a ser surpresa, levando-se em consideração o aumento do peso do país asiático na conta de comércio brasileira. Em 2009, menos de 13% da soma de exportações e importações do Brasil tinha a China como contraparte. Nos primeiros sete meses deste ano, a participação subiu para 22%, de 20% no mesmo período de 2016.

    No Santander Brasil, a fatia do yuan em operações de comércio exterior dobrou num período de dois anos, segundo Luiz Mazagão, diretor de tesouraria do banco. Ele lembra que há um forte componente de estímulo do governo de Pequim, que concede benefícios fiscais a empresas chinesas que fechem contratos de comércio na moeda local. Mesmo com todos os incentivos, no entanto, no Brasil a participação do renminbi ainda fica atrás de divisas como euro, libra e iene, afirma o diretor. No Santander, 20% dos contratos de Câmbio para comércio são fechados em outras moedas, com o euro respondendo por 15% do total.

    O que pode dar impulso importante à demanda por operações em yuan aqui são os bilionários investimentos que os chineses pretendem fazer no país. Os “players” da segunda maior economia do mundo têm observado a desvalorização dos ativos domésticos nos últimos anos como oportunidade de ampliar presença no Brasil, vislumbrando a retomada da economia nos próximos anos.

    Dados da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) mostram que os chineses pretendem desembolsar neste ano mais de US$ 20 bilhões na compra de ativos brasileiros. O número equivale a um salto de 68% em relação ao contabilizado em 2016. O Brasil já é o segundo destino de investimentos chineses na área de infraestrutura no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

    “Com a expectativa de recuperação da economia brasileira e de manutenção do ritmo forte de crescimento na China, o cenário é de aumento de demanda por operações em renminbi”, afirma Godoi, da tesouraria do MUFG.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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