Com excesso de ofertas, emissão de renda fixa encalha

    A Equatorial Energia cancelou uma oferta de R$ 400 milhões em debêntures de infraestrutura duas semanas atrás alegando “condições de mercado desfavoráveis”. Além dela, outras sete companhias que tentaram captar recursos recentemente no mercado local de dívida tiveram de recorrer ao dinheiro dos bancos coordenadores ou desistir das operações por não encontrar demanda suficiente entre os investidores.

    Levantamento realizado pelo Valor, com informações divulgadas pelas empresas, mostra que, entre setembro e outubro, as Instituições Financeiras desembolsaram cerca de R$ 1,7 bilhão para garantir emissões distribuídas ao mercado que totalizaram R$ 3,12 bilhões. O “encalhe” dos papéis é atribuído, entre outros fatores, à queda das taxas dos Títulos públicos, que servem de referência para a remuneração paga aos investidores pelas empresas, e ao excesso de operações no mercado no mesmo período.

    As ofertas de debêntures das elétricas CPFL Paulista, Cosern e Energisa e da seguradora SulAmérica e as de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) das administradoras de shopping centers Aliansce e BR Malls só saíram porque os bancos coordenadores foram obrigados a exercer o compromisso que deram para a colocação dos papéis. Já a distribuidora de energia RGE Sul, também do grupo CPFL, cancelou uma oferta de R$ 300 milhões em debêntures após encontrar demanda para apenas R$ 20 milhões no mercado, apurou o Valor.

    A demanda fraca dos investidores em emissões locais de renda fixa surpreende e destoa do momento de euforia do mercado de capitais como um todo. Entre setembro e outubro, foram R$ 7,9 bilhões em ofertas de ações na B3 e quase US$ 8 bilhões em captações com títulos de dívida no exterior.

    De janeiro a setembro, as emissões no mercado doméstico de dívida somaram R$ 86 bilhões, de acordo com dados da Anbima, associação que representa as instituições que atuam no mercado de capitais. Mas nem todas essas operações são “puro sangue” de mercado de capitais. Parte do volume se refere a operações de crédito bancário com títulos de renda fixa, que são isentos do imposto sobre operações financeiras (IOF).

    Em algumas das emissões recentes, os coordenadores precisaram arcar com mais da metade do volume. Foi o caso de uma emissão de R$ 850 milhões em debêntures da Energisa, dos quais os bancos tiveram de encarteirar R$ 500 milhões, segundo fonte que acompanha o mercado. A liquidação financeira dos papéis se dará nesta terça-feira.

    Apesar de a garantia firme ser praxe no Brasil e estar prevista em contratos, nem sempre essa é uma relação tranquila. Na emissão da CPFL Paulista, o J.P. Morgan teria manifestado a intenção de acionar cláusulas contratuais para não exercer a garantia. Para não inviabilizar a operação, o banco fez o pagamento, mas sua posição foi assumida no mercado secundário pelos outros coordenadores – Bradesco, Safra e Citibank – logo após a oferta, conforme apurou o Valor. Posteriormente, J.P. Morgan e Citi se retiraram do consórcio coordenador da emissão RGE Sul, formado pelos mesmos bancos, depois de a empresa decidir adiar a operação. Procurados, J.P. Morgan e Citi não se manifestaram.

    Os papéis que encalharam nas emissões recentes são, em sua maioria, incentivados – ou seja, oferecem isenção de imposto para o investidor pessoa física. Outra característica em comum é que grande parte deles tem correção pelo IPCA, indexador que vem perdendo competitividade com a queda da inflação.

    “Muitos investidores têm se questionado se este é o momento certo para se comprometer em uma operação com taxa tão baixa”, afirma um executivo de banco que atua na estruturação de títulos de renda fixa. Na leitura desse interlocutor, à medida que o cenário de Juros baixos se consolidar, o mercado vai aceitar esse patamar como o “novo normal” e voltará a absorver as operações daqui a alguns meses.

    Para se ter uma ideia, as debêntures da Cosern com vencimento em 2022 saíram com remuneração correspondente ao IPCA mais spread de 4,6410% ao ano e os títulos com prazo em 2024 ficaram em IPCAmais 4,9102%. Os papéis da emissão mais recente da Energisa, com vencimentos em 2022, 2024 e 2027 pagaram o IPCA mais 4,4885%, 4,7110% e 5,1074%, respectivamente. A Nota do Tesouro Nacional série B (NTN-B) com resgate em 2022 tinha taxa indicativa de 4,6634% e a de 2024 de 4,8036%, segundo a Anbima. No título público há cobrança de IR, mas não o risco de crédito.

    Também pesou o excesso de ofertas direcionadas a pessoas físicas. Embora esse investidor venha mostrando grande capacidade de absorver os papéis colocados no mercado, houve uma concentração de operações em agosto e setembro, o que pode ter contribuído para o fracasso de algumas delas.

    Para uma fonte do setor, a competição excessiva dos bancos pelas primeiras posições nos rankings tem atrapalhado as ofertas, pois muitas vezes são levadas ao mercado operações que não têm boas chances de emplacar. “As comissões cobradas pelos coordenadores estão muito baratas, o que acaba levando a um comprometimento baixo”, diz.

    Outro fator pode estar na própria atuação dos canais que distribuem esses títulos para os investidores do varejo, afirma um gestor de recursos que prefere não ser identificado. Com os Juros em queda, esses agentes estariam menos dispostos a vender títulos de renda fixa, cuja comissão é atrelada ao CDI, e mais inclinados a oferecer fundos multimercados, que cobram taxa fixa.

    Apesar do fracasso parcial de várias emissões, o mercado local deve contar com uma série de operações até o fim do ano. Entre as captações já anunciadas estão a da Concessionária do RodoAnel Oeste, que pretende levantar R$ 800 milhões, e a da empresa de implementos rodoviários Randon, no valor de R$ 300 milhões. A produtora de papel e celulose Klabin quer captar pelo menos R$ 600 milhões via certificados de recebíveis do agronegócio (CRA). (Colaborou Daniela Meibak)

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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