Com novo avião, governo reduzirá uso do Aerolula em viagem longa

    Jornadas com ao menos 2 escalas serão feitas em Boeing 767 alugado pela FAB por R$ 71 milhões

    Autor: IGOR GIELOW

    Airbus comprado por Lula em 2005 ao custo atual de R$ 360 milhões exige frequentemente parada para reabastecer

    Na tarde de 6 de julho passado, o presidente Michel Temer embarcou rumo à reunião do G20 na Alemanha.

    Deixou o cargo com o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e tomou assento em um Boeing 767-300ER da FAB, marcando o início da aposentadoria do Airbus presidencial, mais conhecido como Aerolula, em voos internacionais de longo alcance.

    O governo decidiu que viagens que demandarem duas ou mais escalas serão feitas com o 767 de maior autonomia, alugado por três anos pela Força Aérea Brasileira em julho de 2016, ao custo de USS 19,8 milhões (R$ 71 milhões). Isso inclui destinos na Ásia, por exemplo.

    A ida à Alemanha necessitaria de uma escala no Airbus ACJ-319, mas Temer estava pressionado pelo tempo: precisava voltar para tourear a crise política que ameaça seu mandato e quis pular a parada de até duas horas. Essa régua, a da conveniência, também será usada daqui em diante, segundo o Planalto.

    Prevendo o aumento de demanda, a Folha apurou que o Ministério da Defesa já planeja instalar uma área VIP, com cama e chuveiro, para o serviço presidencial. Hoje, o avião tem poltronas de classe executiva na sua parte posterior, enquanto o Airbus vem com suíte e sala de reuniões.

    A eventual conversão repetirá o modelo utilizado até quase o fim do governo Fernando Henrique Cardoso.

    Até então, presidentes voavam em aviões usados para transporte militar, com área VIP. Eram os KC-137, versões de Boeings 707 da década de 1960, conhecidas como Suca-tões e compradas em 1986 pelo governo José Sarney.

    0 alto custo operacional e uma série de problemas técnicos encerraram o uso VIP do aparelho em 2000. FHC testou alugar voos comerciais, o que acabava sendo mais caro e menos seguro.

    Lula, nadando na popularidade do primeiro mandato, bancou gasto de USS 56,7 milhões (R$ 167 milhões no Câmbio da época, que corrigidos dariam R$ 360 milhões hoje), e comprou uma versão executiva do Airbus-319, operada a partir de janeiro de 2005 pelo GTE (Grupo de Transporte Especial) da FAB.

    Foi criticado. 0 avião ganhou o apelido pejorativo de Aerolula, entre outros mais agressivos. Uma argumentação da escolha segue válida: avião próprio dá segurança e praticidade ímpares.

    Além da maior eficiência econômica, a autonomia do avião, superior à dos jurássicos Sucatões e à dos equivalentes da Embraer, era justificativa central: Lula poderia ir a Paris sem escala.

    A realidade mostrou-se diferente ao longo do tempo, embora a FAB não divulgue estatísticas precisas do uso. Para atender a todos os requisitos de segurança, como sobra de combustível, viagens intercontinentais demandaram escalas. Uma para a Europa, ao menos duas para destinos mais longíquos.

    0 alcance do Aerolula dentro das especificações de segurança é de cerca de 8.500 km, no limite para chegar a Paris, embora teoricamente ele possa voar um pouco mais. Viagens europeias costumam ter escala em Cabo Verde (4.500 km de Brasília) ou Portugal (pouco mais de 7.000 km da capital brasileira). 0 767 voa mais de 11 mil km sem parar.

    “Se era para ficar com um avião menor, deveríam ter usado o produto nacional. Um 767 é muito mais vantajoso para rotas intercontinentais”, diz o especialista em aviação Ronaldo Jenkins, diretor de Segurança e Operações de Voo da Associação Brasileira de Empresas Aéreas.

    Por ser muito maior, potente e pesado, o 767-300ER consome mais combustível em média (5.000 kg/hora) do que o ACJ (2.800 kg/hora), ressalvando aqui que essa é uma conta superficial de consultorias sobre aviões civis, já que são inúmeros os parâmetros que definem o quanto um avião “bebe” (peso de decolagem, ventos, altitude etc.).

    Mas aeronaves gastam mais que o dobro de querosene durante a primeira hora após a decolagem: com duas escalas, são três eventos desses, fora o fato de que a comitiva sempre acaba se hospedando em uma das paradas.

    Consultada, a FAB não informou comparativos de custo de operação. No geral, aviões oficiais são mais baratos de usar, pois são isentos de várias taxas e operados por militares—que não têm salários de pilotos e comissários da aviação comercial.

    0 Aerolula, além de eventuais viagens com uma escala, seguirá sendo usado em distâncias menores. Tem 12 anos e meio de uso e deve voar até atingir os 30. Provavelmente levará Temer para Buenos Aires nesta quinta (20).

     

    Uso de aeronave da Presidência gerou polêmicas

    O uso de aviões presidenciais, comprados periodicamente por mandatários desde 1941, sempre foi motivo de polêmica no Brasil.

    Na campanha de 2006, o entào adversário de Lula Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu “vender o Aerolula e construir cinco hospitais”, algo definido pelo então presidente como “sandice”.

    Em 2010, a Folha revelou que a FA B preparava a aquisição de um avião de transporte com previsão de área VIP, apelidado entào de Aerodilma, já que Dilma Rous-seff estava eleita para o primeiro mandato.

    Lula defendeu a compra. “Não tem por que não comprar. Acabou aquela bobagem de Aerolula. Acho que o Brasil precisa de um avião com mais autonomia para o presidente”, disse, chamando de “humilhação” as escalas de até duas horas para reabastecimento.

    Foi o abandono da defesa inicial do uso do Airbus. já que sua autonomia intercontinental não se comprovou na prática.

    A compra acabou empacando por causa do alto custo, mas a presidente sempre se queixou do alcance do Airbus. Ainda assim, gostava de usar as escalas para fazer turismo ou apreciar a culinária local, como ocorreu em Portugal em 2012.

    0 aluguel do 767-300ERé considerado emergencial pela FAB e foi contratado nos EUA por meio de uma empresa paulista, a Colt, que ganhou licitação.

    Ele enterrou a compra de duas unidades do mesmo avião, só que com capacidade de reabastecimento aéreo, junto à israelense IAI.

    0 Ministério da Defesa trabalha, contudo, com a hipótese de reativar a compra caso a situação de restrição orçamentária desanuvie. Nesse cenário, o 767 alugado poderá ser incorporado à frota da Presidência. Hoje ele está no Esquadrão Corsário, baseado no Rio.

    A unidade opera o transporte de longa distância da FAB e estava sem opções desde a aposentadoria dos Sucatões, ocorrida após um acidente quase acabar em tragédia no Haiti, em 2013.

    Uma semana após sua chegada ao Brasil o avião já foi usado para levar soldados para reforçar a segurança da Olimpíada do Rio.

    Contando apenas com limitados turboélices Hércules C-130, a Força precisava de um avião para tropas -o 767 carrega 257 passageiros.

    Enquanto isso, o reabastecimento aéreo ficará a cargo dos lentos C-130. A FAB informou que o plano é utilizar os futuros KC-390 da Embraer, que começam a chegarem 2018.

    0 avião é mais adequado para um cenário de reabastecimento tático, no teatro de operações brasileiro, enquanto o 767 é uma aeronave de longo alcance, de uso estratégico.(iG)

    Fonte: Folha de S. Paulo

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