A comissão mista que avalia a Medida Provisória 806, que trata da tributação dos fundos restritos ou exclusivos fechados, aprovou ontem o parecer do relator Wellington Roberto (PR-PB) que trouxe alterações na proposta original que desagradaram o governo, que previa arrecadação de cerca de R$ 6 bilhões.
Pela proposta, que agora vai ao plenário da Câmara dos Deputados, a tributação desses fundos usados por grupos familiares mais ricos será na forma de “come-cotas”, o imposto semestral que já incide nos demais fundos abertos. O texto prevê que a tributação seja feita a partir de janeiro de 2019, sem efeito retroativo. Isso contraria a proposta original do governo que pretendia taxar o estoque existente.
Do lado dos investidores, é cedo para cantar vitória, segundo Richard Ziliotto, diretor da Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos. Apesar de vencida essa etapa, não dá para dizer que a questão tenha sido encerrada. “Se não tributar o estoque, ótimo. Mas não diria que esteja fechado, tem muita água para passar por baixo da ponte.”
O executivo, também sócio da Taler, acredita que se a medida vingar e for convertida em lei como está, os investidores não têm alternativa a não ser se adaptar às novas regras de tributação.
Os fundos usados por grupos familiares, neste caso, ficariam mais parecidos com os abertos, que acatam aplicações do público geral, mas não perderiam o seu valor. “Os predicados de sucessão, reserva de cotas, por exemplo, seriam mantidos. A amortização e liquidação passariam a ser iguais aos outros, a diferença será o chassi.”
Embora com um texto mais razoável, a medida não deixa de ser ruim para o investidor que faz o seu planejamento patrimonial com viés de longo prazo, diz Dennis Kac, sócio da gestora de patrimônio Brainvest. “O come-cotas é uma invenção do Brasil, em nenhum lugar do mundo funciona desse jeito, isso acaba penalizando o poupador”, diz. Para o executivo, seria mais razoável tributar títulos isentos, como letras de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI e LCA), do que impor uma nova taxação. “Mas ninguém vai sair na rua [e protestar] porque estão tributando com o come-cotas os fundos fechados.”
O diretor de um private banking estrangeiro acrescentou que tributar o estoque seria um baque para o setor e incentivaria o investidor brasileiro a mandar recursos para fora do país. “Não dá para esquecer que o imposto que vem sendo diferido também gera negócios, investimentos em ativos, fundos e ajuda a financiar a dívida pública.”
Do jeito que ficou o texto da MP, o próprio relator avisou em sessão na terça-feira que o projeto não interessava mais ao governo, citando posição transmitida pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia.
A equipe econômica lamentou a desidratação da proposta no Congresso não só pelo impacto fiscal mas pelo que representa em termos de “justiça tributária”, segundo um interlocutor. Na visão dessa fonte, a medida tributaria os grandes investidores, que em geral têm pelo menos R$ 5 milhões e, portanto, seria direcionada a uma parte “riquíssima” da população. Era vista como uma decisão política acertada, que tinha objetivo de arrecadar tributos da parcela mais rica da população.
Para o Orçamento, no entanto, a visão da equipe é que a diluição da proposta não traz problemas graves. Como não foi aprovada em 2017, não havia arrecadação prevista para este ano.
A discussão sobre tributação retroativa gerou uma situação incomum durante o debate da matéria. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) defendeu a proposta original vinda do governo, que prevê a cobrança sobre os ganhos de capital do estoque, dizendo que a arrecadação prevista poderia ser utilizada, entre outras coisas, para a retomada de obras. “Queremos voltar ao texto original. O governo abriu mão, do meu ponto de vista, para evitar pagamento de impostos por quem tem condição de pagar”, disse o deputado.
Roberto, o relator, rebateu dizendo que a retroatividade seria “uma mudança no meio do jogo” e que o atual governo não teria condições de obter nenhuma receita agora em 2018, pois por falta de quórum essa medida não foi votada no fim de 2017.
Depois de uma conversa em plenário os dois se reuniram em sala reservada na comissão, mas não houve consenso. Fontana tentou adiar a votação apresentando requerimentos, mas foram todos derrubados com ajuda do líder do governo no Congresso André Moura (PSC-SE).
Após a aprovação, Moura foi questionado sobre a razão que levou o governo a apoiar uma medida que resultaria em menor arrecadação. O deputado disse que em Plenário pode se construir outro entendimento, inclusive voltando a incluir na proposta a cobrança retroativa, apesar de reconhecer que essa é uma discussão difícil. A prioridade na votação de ontem, segundo Moura, era não perder o prazo para que a medida seja apreciada, na Câmara e no Senado, até 8 de abril.
Para o relator da MP, será difícil restabelecer a retroatividade da cobrança em Plenário, pois na comissão os parlamentares já mostraram sua contrariedade com relação ao tema. Wellington Roberto disse que a mudança da regra no meio do caminho poderia resultar em várias demandas judiciais. “Ficou melhor assim. Em janeiro de 2019 todos sabem o que têm de pagar e todos ficam iguais.”
Fonte: VALOR ECONÔMICO