Copom: um novo cavalo de pau?

    Hoje teremos o resultado da 193ª reunião do Copom e algumas características assemelham-se à famosa decisão que deu início a um longo processo de queda de juros, de 12,50% para 7,25%. O famoso cavalo de pau no juro surpreendeu todos os economistas há quatro anos, nesta mesma semana em que ocorre a sexta reunião do ano. 

    A surpresa em 31 de agosto de 2011 veio devido à falta de sinalização na ata anterior em que o comitê afirmara que a demanda doméstica apresentava-se robusta e existiam riscos para a convergência tempestiva da inflação. O parágrafo mais importante naquela ocasião foi o 28º que dizia: “Em suma, o Copom reconhece um ambiente econômico em que prevalece nível de incerteza crescente e acima do usual, e identifica riscos à concretização de um cenário em que a inflação convirja tempestivamente para o valor central da meta. Desde a última reunião, no âmbito externo, as evidências apontam moderação adicional no processo de recuperação em que se encontram as economias do G3 e, em outra perspectiva, ainda revelam influência ambígua sobre o comportamento da inflação doméstica. No âmbito interno, ações macroprudenciais e, principalmente, ações convencionais de política monetária recentemente implementadas ainda terão seus efeitos incorporados à dinâmica dos preços, processo que tende a se acentuar neste semestre. Embora incertezas elevadas e crescentes que cercam o cenário global e, em escala marcadamente menor, o cenário doméstico não permitam identificar com clareza o grau de perenidade de pressões inflacionárias recentes, o Comitê avalia que o cenário prospectivo para a inflação mostra sinais mais favoráveis”. 

    A leitura da ata deixava clara a mensagem de que, devido às incertezas sobre a inflação e atividade global, a decisão mais provável seria a de manutenção da taxa de juros. O que aconteceu para alterar a decisão do comitê na época? O ano de 2011 foi marcado pela crise econômica na União Europeia. Em função da globalização econômica que vivemos na atualidade, a crise se espalhou pelos quatro cantos do mundo, derrubando índices das bolsas de valores e criando um clima de pessimismo na esfera econômica mundial. 

    O endividamento público elevado, principalmente na Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda, levaram esses países ao aumento do desemprego, fuga de capitais de investidores, escassez de crédito e baixo crescimento. A falta de coordenação política da União Europeia para resolver questões de endividamento público das nações do bloco gerava mais incertezas. Nesse ambiente, o medo de uma nova crise, parecida com 2008, começou a contaminar o mundo todo. 

    Todo ano, nessa mesma época, os banqueiros centrais do mundo se reúnem nos EUA para participar do Jackson Hole, que é um evento organizado pelo Federal Reserve (o BC americano) em Kansas. No evento de 2011, o foco dos debates era a lenta recuperação da economia mundial, em especial dos EUA. O presidente do Fed, Ben Bernanke, fez um longo pronunciamento discutindo as causas do baixo crescimento e as ações que deveriam ser implementadas para a volta do padrão de crescimento anterior à crise de 2008. 

    O atual presidente do Banco Central do BrasilAlexandre Tombini, deve ter se contaminado com o clima de pessimismo com o crescimento mundial e com a piora dos mercados mundiais para tomar a decisão de antecipar o ciclo de queda de juros, que nos meses à frente se mostrou uma decisão correta. 

    Voltando ao momento atual, no último fim de semana, ocorreu o mesmo evento anual nos EUA, só que, dessa vez, agora o foco é o crescimento da China. Os mercados passaram por uma forte piora na semana passada devido ao crash da bolsa chinesa, contaminando todas as bolsas no mundo. Por mais que os banqueiros centrais tentem minimizar o ocorrido, o vice-presidente do Fed americano, Stanley Fischer, admitiu que estão acompanhando mais de perto a economia chinesa para averiguar os efeitos de contaminação na economia global. Se os EUA ficaram mais atentos aos desenvolvimentos na China, imagina o Brasil que depende muito desse parceiro comercial para garantir seus termos de troca. 

    O momento atual da atividade no Brasil é muito mais dramático que em 2011. As revisões já estão chegando a uma recessão de 3% para 2015 e algumas previsões já apontam para outra recessão de 1% em 2016. Diferentemente de 2011, hoje as expectativas de inflação estão bem ancoradas, porém a crise política e a atual situação fiscal devem impedir a antecipação do corte de juros já nesta reunião. Na semana do cavalo de pau no juro em 2011 o governo anunciou um aumento do superávit primário, facilitando a decisão do BC, bem diferente do cenário atual em que foi anunciada uma revisão de superávit para déficit em 2016. Mas quem sabe as discussões em Jackson Hole e a forte queda da atividade não podem encorajar uma discussão de corte do juro ainda este ano? 

    Luiz Eduardo Portella é sócio-gestor do Modal Asset Management. 

    E-mail: lportella@modal.com.br 

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    Fonte: Valor Econômico

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