Corrupção ´anônima´ inunda tribunais

    Enquanto os inquéritos da operação Lava-Jato mobilizam o país em torno do esquema de pagamento de propina na Petrobras, uma enxurrada de ações judiciais sobre corrupção inunda os tribunais brasileiros longe dos holofotes. Mais de 230 mil processos de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública aguardavam julgamento pela primeira instância do Judiciário no ano passado, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

    A dimensão, porém, é ainda maior, pois os dados levam em conta apenas os processos que deram entrada na primeira instância até dezembro de 2012 e ainda aguardavam julgamento em 2014 – incluindo as justiças estadual, federal e militar. Desses processos, 77,6 mil foram decididos por juízes de primeiro grau no ano passado, enquanto outros 156,5 mil permaneceram sem julgamento. 

    O retrato está no relatório das metas nacionais de 2014 do CNJ, divulgado na semana passada durante reunião preparatória para o Encontro Nacional do Judiciário. Os números serão usados como subsídio pelo grupo de trabalho criado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal(STF), ministro Ricardo Lewandowski, para propor e adotar medidas de combate à corrupção. O grupo reúne representantes do CNJ, Ministério da Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Advocacia Geral da UniãoControladoria Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil. 

    Segundo o levantamento do CNJ, a Justiça Estadual recebe a maior parte dos casos de improbidade e das ações penais por crimes contra a administração pública – que incluem delitos como desvio de recursos públicos, corrupção e tráfico de influência. A Justiça Estadual julgou 53 mil processos desse tipo no ano passado, incluindo a primeira instância, os juizados especiais e os tribunais de Justiça. Uma pilha ainda maior, com 105 mil processos, ficou pendente. 

    A meta da Justiça Estadual era julgar, até dezembro, todas as ações apresentadas até o fim de 2012. Nesse caso, os juízes cumpriram 50% do proposto. O Tribunal de Justiça da Bahia foi o menos eficiente: concretizou apenas 7% da meta. O Piauí também alcançou um índice baixo, com 21%. 

    A Justiça Federal estabeleceu duas metas distintas. Primeiro, zerar os casos que ingressaram até dezembro de 2011. Esse objetivo foi cumprido num percentual de 63,7%, com 37,8 mil ações decididas pela primeira instância, os tribunais regionais federais e os juizados especiais criminais. Outros 59 mil casos ficaram sem decisão. 

    Quanto aos processos que deram entrada em 2012, a intenção da Justiça federal era julgar a metade. Nesse caso o sucesso foi de 92%, com 10 mil decisões e outras 22,5 mil ações remanescentes. As metas são estipuladas anualmente pelo CNJ em conjunto com os tribunais, com o objetivo de desafogar o Judiciário e oferecer um serviço mais eficiente. 

    “Sabemos que os resultados obtidos especialmente nas justiças estadual e federal de primeira instância ainda estão aquém do esperado. Mas devemos compreender a meta como uma metodologia que permite identificar os gargalos e enfrentá-los. O mais importante é que o caminho está correto”, diz o conselheiro do CNJ Fabiano Silveira, que integra o grupo de trabalho criado pelo presidente do STF para combater a corrupção. 

    Ele ressalta que houve um “avanço expressivo” no número de casos julgados em 2014 em relação ano anterior. Em 2013, as cortes estaduais e federais julgaram 62 mil casos de improbidade e crimes contra a administração pública, deixando outros 112 mil sem decisão. No ano passado, foram decididos 101 mil casos, com outros 187 mil aguardando julgamento. 

    Para o juiz Márlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o “imenso número de ações” de improbidade e crimes contra a administração está relacionado com a percepção da sociedade brasileira de que há, realmente, um “déficit de integridade” na condução da máquina pública. “Embora não se possa afirmar que todas as denúncias sejam procedentes, é possível inferir pelo número de ações que é grande o índice de desvios”, comenta o juiz. 

    Reis elogia a iniciativa do Judiciário de estipular metas e cobrar resultados especialmente em ações envolvendo corrupção. Mas ele reconhece desafios como o acúmulo de processos de outra natureza, a carência de varas especializadas e dificuldades na realização de perícias técnicas. 

    O relatório também demonstra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebe um grande número de ações e recursos envolvendo improbidade e crimes contra a administração pública. A corte julgou sozinha, no ano passado, 7,5 mil casos sobre o assunto, enquanto restaram para análise outras 9,7 mil ações que chegaram até o fim de 2012. Na Justiça militar, o número é menor. Foram 713 processos julgados no ano passado, com outros 758 aguardando julgamento.

     

    Fonte: Valor Econômico

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