Crimeia vive um caos bancário

    Dez meses após a Rússia ter invadido essa península do Mar Negro e a tomado da Ucrânia, as consequências financeiras ainda estão sendo sentidas. Milhares de cidadãos comuns têm pouco ou nenhum acesso a seus recursos. As perdas para os bancos ucranianos continuam aumentando, uma vez que bilhões de dólares em empréstimos concedidos na Crimeia não estão sendo pagos. Advogados dos bancos estão preparando ações legais contra a Rússia, que confiscou muitos imóveis, equipamentos e dinheiro dos bancos.

    Enquanto isso, a Crimeia foi empurrada para um tipo de dobra de tempo tecnológica: a maioria dos terminais automáticos de atendimento não aceita mais cartões de bancos não russos; os cartões de crédito estrangeiros não estão podendo ser usados para fazer compras.

    Na Crimeia, que é parte da Ucrânia há 60 anos, a Rússia praticamente acabou com o sistema bancário existente, forçando os bancos ucranianos a fecharem as portas, banindo a moeda ucraniana e substituindo a rede de bancos de varejo da região quase da noite para o dia. As turbulências econômicas resultantes vêm provocando o fechamento de empresas e complicaram a vida de milhares, forçando as pessoas a lidar com a burocracia kafkiana nas tentativas de conseguir seu dinheiro de volta.

    A comunidade internacional condenou a anexação da Crimeia por Moscou, com os EUA e a União Europeia impondo sanções econômicas a indivíduos, empresas e bancos da Rússia. Esta, por sua vez, retaliou com suas próprias sanções e apoio aos separatistas pró- Rússia do leste da Ucrânia.

    Andriy Pyshnyy é presidente do conselho de administração do Banco estatal ucraniano Oschadbank, que até março tinha 296 agências na Crimeia. Ele descreve como a instituição foi tomada pelos bancos russos. “À noite nossas agências estavam funcionando. Na manhã seguinte, um novo Banco foi aberto e o nome foi mudado para RNCB bank.” O Russian National Commercial bank é um dos pelo menos 30 bancos russos que correram para preencher o vácuo financeiro criado na Crimeia.

    Muitos na Crimeia – onde o salário médio mensal no ano passado era de menos de US$ 400 – ainda não conseguem acessar suas contas bancárias ucranianas.

    A situação se agravou em abril, quando o presidente da Rússia Vladimir Putin deu aos crimeanos que fizeram leasing de seus automóveis através do Privatbank, o maior Banco da Ucrânia, um conselho financeiro pouco comum.

    Ao final de uma transmissão ao vivo pela TV, em que Putin respondeu perguntas dos telespectadores, ele abriu uma pasta e leu o seguinte: “Fiz um contrato de leasing de um carro no Privatbank. Vou levar apenas dois anos para pagar o empréstimo”, disse ele. “O Privatbank não opera mais na Crimeia. O que devo fazer?”. A resposta do presidente: “Por favor, use o carro e não se preocupe”.

    Após a sugestão de Putin, milhares de pessoas e empresas que tinham contraído empréstimos nos bancos ucranianos pararam de pagar suas prestações. “Se o presidente disse que eles não precisam pagar, quem é que vai pagar?”, pergunta Alexander Dubilet, presidente do conselho de administração do Privatbank, que emprestou mais de US$ 1 bilhão na Crimeia.

    No total, os bancos ucranianos tinham empréstimos de cerca de US$ 1,8 bilhão junto a empresas e indivíduos da Crimeia quando a região foi anexada, segundo dados do Banco CENTRAL da Ucrânia.

    Pyshnyy do Oschadbank diz que “99,99%” de seus empréstimos na Crimeia – que somavam mais de US$ 500 milhões -, estão agora inadimplentes.

    O aumento dos empréstimos ruins tornou mais difícil para os bancos ucranianos pagar os depositantes crimeanos, segundo uma autoridade doBanco CENTRAL ucraniano. O fato de os russos também terem confiscado muitas de suas agências e registros, só piora a situação. “Para que possamos funcionar adequadamente, precisamos ter acesso à nossa rede de agências, nossos pontos de venda, nossos terminais automáticos de atendimento, nossos documentos, nossos arquivos”, diz Pyshnyy.

    Para ajudar os crimeanos, Moscou vem compensando os correntistas de bancos ucranianos com um fundo que garante os depósitos dos bancos russos. Segundo o Fundo de Proteção dos Correntistas da Crimeia, que é parte da Agência de Seguro de Depósitos da Rússia, até 6 de novembro ele havia pagado mais de US$ 500 milhões a 196.400 correntistas.

    Mas a compensação tem um teto.

    Yevgenia Bavykina, a nova vicepremiê da Crimeia encarregada dos assuntos econômicos, disse à Reuters no mês passado que o devido aos correntistas chegava a mais de US$ 425 milhões em parte porque o fundo tem um limite de cerca de US$ 15.000 por conta bancária.

    Ela disse que o fundo ainda espera pagar aos correntistas o resto de seu dinheiro com a venda de propriedades confiscadas dos bancos ucranianos. O governo da Crimeia também está exortando as pessoas que contraíram empréstimos a pagá-los ao fundo de proteção aos depósitos, em vez de aos bancos ucranianos.

    Crimeanos frustrados afirmam que como nenhuma agência de Banco ucraniano opera mais na Crimeia, a verificação dos registros necessária com frequência não está disponível. Legalmente, os bancos ucranianos precisam pagar os correntistas crimeanos porque a Ucrânia não reconhece a anexação russa, diz Oleksandr Pysaruk, primeiro vice-presidente do National bank da Ucrânia, o Banco CENTRAL do país. Mas ele observa que centenas de milhões de dólares em empréstimos inadimplentes tornam isso difícil.

    “Se você é responsável pelas poupanças mas os empréstimos não são pagos, você tem um rombo de capital”, diz ele.

     

    Fonte: Valor Econômico

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