Com aperto fiscal em curso, racionamento pode ajudar a derrubar economia em 2015, dizem especialistas
Para economistas ouvidos pelo Valor, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano já era provável em função do ajuste macroeconômico em curso, com alta de preços administrados, elevação da taxa de juros e aumento de impostos, que tendem a afetar o consumo das famílias, reduzir a já combalida competitividade da indústria e manter os investimentos deprimidos.
Esses fatores, avaliam, já levariam a economia a mostrar queda de cerca de 0,5% neste ano, primeira retração do nível de atividade desde 2009. Com ausência de chuvas e calor intenso, a possibilidade de racionamento poderia levar a atividade a encolher até 1,5% neste ano, segundo estimativas.
O economista e empresário Luiz Carlos Mendonça de Barros descarta expansão da atividade em 2015, mas se diz otimista com a guinada na política econômica promovida por Dilma Rousseff.
“Talvez no fim deste ano ou em 2016 a gente possa voltar a discutir crescimento, mas o momento atual é de ajuste, precisamos antes sair do buraco em que estávamos”.
Para o sócio da Quest Investimentos, não é desprezível a chance de que o PIB deste ano seja negativo, mas ele minimiza a importância do número. “Para a economia, para o mercado de trabalho, não tem nenhuma diferença entre expansão ou queda de 0,5%”, diz.
O Banco J. Safra projeta redução de 0,5% no nível de atividade neste ano, mas já começou a fazer estimativas do impacto de um eventual racionamento de energia sobre o PIB. A retração, que pode ser de 1,5% a 2%, nas contas preliminares da instituição, leva em conta um corte de 10%, inferior à economia de 20% exigida em 2001, explica Carlos Kawall, economista-chefe da instituição.
Naquele ano, lembra ele, o crescimento esperado para o ano era de 4% e o PIB encerrou o ano com alta de 1,1%. Outra diferença que conta a favor de um impacto menor esse ano, diz ele, é que há 14 anos o racionamento não era esperado e foi um elemento surpresa, o que não existe agora. Nas projeções que o Safra começa a detalhar, o controle no consumo começaria entre maio e junho.
Nas contas da economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, a economia brasileira deve registrar retração entre 0,3% e 0,5% em 2015, queda que pode aumentar para cerca de 1% no caso de um racionamento de energia elétrica.
A recessão “extra” depende, diz ela, de quais serão as regras para a economia compulsória de energia. O racionamento reforçaria um quadro já existente de retração da produção industrial, contração de investimentos e demanda fraca.
Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre- FGV), avalia que ainda é difícil quantificar o potencial efeito sobre a economia de um racionamento, mas argumenta que 2015 já se desenhava um ano bastante difícil para a economia brasileira.
Ao contrário de 2003, também marcado por forte contenção fiscal, a retomada da confiança neste ciclo deve ser mais lenta e o setor externo não pode ser considerado fonte de ajuda, com queda dos preços de commodities e desaceleração da economia chinesa. Em sua avaliação, dessa vez é inevitável que parte do ajuste recaia sobre o emprego e a renda dos trabalhadores, já que a correção da defasagem dos preços administrados e a desvalorização do câmbio vão exigir que a inflação de serviços, atualmente em torno de 8,3% ao ano, fique mais controlada. “Os bancos não vão conceder crédito sabendo que o desemprego vai cair, então o consumo também tende a desacelerar”.
Para Mendonça de Barros, o país ficou “mal acostumado” com expansão das vendas de 10% ao ano.
“Não vamos ter mais isso, mas, de qualquer forma, vamos continuar vendendo 3 milhões de veículos no ano”. A estagnação do consumo, mesmo que em nível elevado, é considerada parte essencial do Conjuntura Com aperto fiscal em curso, racionamento pode ajudar a derrubar economia em 2015, dizem especialistas Criseenergéticaeajusteelevamriscoderecessão ajuste pelo economista. Quem ingressar no mercado de trabalho em 2015, avalia, dificilmente encontrará uma vaga e passará a competir com trabalhadores de salários maiores. Neste contexto, as empresas devem enxugar a folha de pagamentos e substituir salários mais caros por mais baratos.
“É o necessário para reduzir a taxa de inflação. Claro que alguns setores podem ter demissões, como o automobilístico”.
A taxa de desemprego, afirma Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), deve subir para algo em torno de 6% neste ano. “Com desvalorização do câmbio, a renda em dólar cai. O consumidor perde poder de compra também por causa da inflação alta, a alta de juros torna os financiamentos mais caros, e está dado o quadro de recessão”.
Para os economistas, é difícil enxergar pontos que possam alavancar o desempenho da atividade neste ano, já que há pouco espaço para uma reação dos investimentos e o setor externo segue desafiador.
“O investimento público tende a ser cortado, por causa da necessidade de aumentar o superávit primário, e com o escândalo na Petrobras várias obras vão sofrer atrasos”, avalia Silber, da FEA.
Castelar diz que praticamente todas as medidas que estão sendo adotadas têm como reflexo redução do crescimento, como os efeitos defasados da alta de juros e a política fiscal contracionista. Em sua avaliação, a contenção de gastos não deve ficar restrita ao governo central, já que boa parte dos governos estaduais, como São Paulo e Rio de Janeiro, já sinalizaram que também vão fazer ajuste.
“O aperto fiscal não é trivial”, diz o economista, que alerta ainda para os efeitos sobre os investimentos da redução de desembolsos peloBanco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) e dos escândalos na Petrobras. “A formação de capital fixo já caiu muito no ano passado no setor privado, mas é bastante válido pensar que vamos ter nova queda em 2015”.
Mesmo que não haja racionamento, observa, o aumento das tarifas de energia elétrica e de outros impostos tiram competitividade da indústria.
Apesar do conjunto de medidas já anunciadas ser negativo para expansão do PIB, são ações necessárias para corrigir os excessos observados no passado, diz Silber, da FEA, que, no entanto, reconhece a dificuldade de fazer ajuste em período de recessão.
Para evitar um resultado pior, Castelar avalia que o governo precisa focar em uma agenda positiva, com medidas que induzam o crescimento das exportações e dos investimentos, como a concessão de obras de infraestrutura. Outro ponto que julga fundamental é um comprometimento de outras áreas do governo, e não apenas do Ministério da Fazenda, com a mudança de política econômica. “Isso passa pela presença da presidente na posse de Joaquim Levy, que não ocorreu, até a cobrança de que outros ministérios tenham postura mais austera”. Por enquanto, Castelar vê sinais conflitantes, o que reduz a confiança no ajuste.
Mesmo que a presidente Dilma Rousseff não tenha publicamente dado sinal de apoio à guinada promovida por Joaquim Levy, para Mendonça de Barros “é claro que ela endossou [a nova política econômica]”.
Em sua avaliação, Dilma foi corajosa em mudar de posição, “porque é claro que é contra o que ela pensa”. A motivação, avalia, foi política. “Ela quase perdeu a eleição e pensou: “ou trazemos gente competente para gerir esse período, ou vamos perder em 2018″”.
Embora esteja convencido de que as mudanças não serão revertidas no meio do caminho, Mendonça de Barros afirma que a rapidez com que a economia vai se recuperar do ajuste depende em grande parte de que essa visão seja também incorporada por empresários. “A questão principal é a seguinte: quanto mais rápido os mercados aceitarem a ideia de que é pra valer, mais rápidas serão as correções, mais suave a recessão, porque o investimento volta com rapidez”.
Mendonça diz que está entre os mais otimistas justamente porque faz uma leitura política do quadro. “O governo precisa resolver a economia, então é melhor deixar o cara trabalhar”, referindo- se a Levy.
Fonte: Valor Econômico