A crise fez a economia brasileira recuar pelo menos meia década. Computadas as perdas de 2015, os principais indicadores macroeconômicos – em especial os de produção e de vendas – anularam os ganhos recentes e voltaram aos níveis em que se encontravam entre 2009 e 2011. Especialistas consultados pelo Valor acreditam que a tendência é de piora este ano, podendo levar a regressão dos índices a um passado ainda mais distante.
A pior situação é a da produção industrial. Ao diminuir 8,3% no ano passado, o desempenho da indústria voltou a operar em patamar semelhante ao de janeiro de 2009. A produção da indústria encerrou 2015 quase 20% abaixo do pico histórico.
Mesmo após a alta de 0,4% da produção de dezembro para janeiro, feitos os ajustes sazonais, a indústria recuperou apenas parte da perda de 8,7% acumulada de junho a dezembro de 2015, e encerrou o ano com queda de 19,5% em relação a junho de 2013, o ponto alto da série histórica desse indicador.
Medido pela Fundação Getulio Vargas, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) do setor de transformação mostra um quadro igualmente desanimador: marcou 75,1% em dezembro, apenas 0,5 ponto percentual acima de seu mínimo histórico, atingido em novembro. A série atual do Nuci é calculada pela FGV desde outubro de 2005.
Dentro do Produto Interno Bruto (PIB), a indústria também regrediu a níveis do fim de 2009, assim como os investimentos, medidos pela formação bruta de capital fixo (FBCF). Considerando o índice trimestral com ajuste sazonal, o próprio PIB recuou ao ponto em que se encontrava no início de 2011.
Já o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que tenta reproduzir mensalmente o desempenho do PIB, recuou 4,08% no ano passado, maior retração da série histórica, iniciada em 2003, e voltou aos patamares próximos ao de meados de 2010. Recuo da mesma proporção foi observado nas vendas no comércio varejista.
O nível do volume de vendas do varejo ampliado (inclui veículos e material de construção) retornou a setembro de 2010, ao encolher 8,6% em 2015. No comércio restrito – em que a influência dos setores mais dependentes de crédito é menor – a queda de 4,3% levou o patamar das vendas a abril de 2012.
Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho do Brasil, incentivos fiscais e creditícios ao consumo no âmbito da chamada “nova matriz econômica” provocaram desequilíbrios econômicos, descolando os desempenhos da produção e das vendas, o que explica a piora mais acentuada na indústria do que no varejo. Em sua visão, medidas como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tiveram efeito apenas pontual sobre a atividade industrial, porque anteciparam a demanda pelos produtos beneficiados.
Além dos estímulos que surtiram efeito maior sobre a demanda do que sobre a oferta, Rostagno diz que a defasagem de resposta do mercado de trabalho à desaceleração da atividade também proporcionou uma resistência maior ao consumo. “Primeiro as empresas cortam a produção e as horas trabalhadas”, diz. “O emprego demora um pouco mais para incorporar a recessão, porque é custoso mandar funcionários embora e contratar depois.”
André Muller, economista da AZ Quest, avalia que os principais índices devem seguir recuando ao menos até o fim do primeiro trimestre. Em seus cálculos, a produção industrial vai diminuir 6% neste ano, retornando ao nível de abril de 2004. No caso do varejo restrito e do ampliado, o quadro não deve piorar muito em relação a 2015: as reduções esperadas de 4% e 4,5% vão levar os indicadores para os patamares de março de 2012 e agosto 2010, respectivamente.
Em função da reação lenta do mercado de trabalho, Muller estima que apenas 40% do ajuste esperado no emprego ocorreu até agora. Nos cálculos dessazonalizados da AZ Quest, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas chegou a 7,8% em dezembro, mesmo percentual de setembro de 2009. “O desemprego ainda vai piorar pelos próximos dois anos”, afirma ele, o que fará a taxa de desocupação retornar a níveis de 2004. Naquele ano, o percentual de desempregados em relação à População Economicamente Ativa (PEA) foi de 9,6%.
O desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas deve se elevar de forma rápida e intensa neste ano e também em 2017, concorda Fabio Romão, da LCA Consultores, mas não vai se aproximar das taxas de dois dígitos observadas no início da última década. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE terá sua publicação encerrada em 2016, mas, caso continuasse sendo divulgada, terminaria o ano em 8,5%, estima Romão. No ano seguinte, subiria para 9%.
Mais do que o desalento, que atenua a pressão da PEA sobre o contingente de desempregados, o economista da LCA avalia que o avanço da proporção de trabalhadores formais e do mercado consumidor nos últimos anos são fatores que impedem uma deterioração mais forte do mercado de trabalho agora.
Isso não significa, no entanto, que os efeitos da crise sobre o emprego serão pequenos. No cenário da consultoria, após o fechamento de 1,6 milhão de postos de trabalho com carteira em 2015, mais 1,16 milhão serão destruídos em 2016. “Antes do boom de contratações, o estoque de empregados formais girava em torno de 20 milhões. Agora estamos em 40 milhões. Tem muito mais vagas para fechar.”
Fonte: Valor Econômico