Cristiano Romero: Queda da inflação: não foi a recessão

    A economia brasileira vive, neste momento, o segundo maior ciclo desinflacionário desde a adoção do regime de metas, em meados de 1999. O IPCA, o índice oficial de inflação, caiu para 2,5% nos 12 meses acumulados até agosto. Trata-se da inflação mais baixa da história do regime. A queda foi acentuada e surpreendeu a todos, inclusive, ao Banco Central (BC). Em agosto do ano passado, o IPCA em 12 meses estava em 9% e, em dezembro de 2015, em 10,7%.

    Tudo indica que, em 2017, o país terminará o ano com o IPCA abaixo da meta oficial, de 4,5%, perseguida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Isso só aconteceu uma vez desde 1999 – em 2009, quando caiu para 4,3%. A mediana das projeções dos analistas do mercado, captada pelo boletim Focus, do BC, aponta para IPCA de 3,08% neste ano. Se ficar abaixo de 3%, a diretoria do BC terá que escrever uma carta ao Ministério da Fazenda justificando o desvio.

    Para uma economia que já sofreu os horrores de uma hiperinflação e conviveu, durante décadas, com níveis de inflação elevados quando comparados aos padrões internacionais, a tarefa de explicar a queda do IPCApara algo abaixo da meta oficial não é propriamente um dissabor. Alguns analistas já se apressam em dizer que o BC errou na dose do aperto monetário, provocou uma enorme recessão e desemprego recorde e que, por essa razão, a inflação caiu tanto. Não é bem assim.

    Recuo expressivo de preços dos alimentos explica IPCA menor

    O que jogou o país na maior e mais longa recessão de sua história foram as políticas adotadas no primeiro mandato (2011-2014) da então presidente Dilma Rousseff. O Brasil caiu sozinho numa tragédia autofágica. No restante do mundo, ninguém entendeu o que aconteceu, afinal, na década anterior a economia brasileira foi uma das estrelas do crescimento mundial, resistiu à mais grave crise financeira da história do capitalismo e cresceu 7,5% em 2010, a taxa mais alta em 24 anos, com a casa razoavelmente arrumada.

    Em 2014, graças à incrível série de equívocos cometidos pelo governo Dilma, o PIB cresceu 0,5%. Nos dois anos seguintes, a ruína se consumou – o PIB encolheu 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. Os brasileiros vão conviver com as consequências nefastas da chamada Nova Matriz Econômica por bastante tempo – não se tenha dúvida: para tornar o Estado novamente financiável, além da Reforma da Previdência, serão exigidos dos brasileiros enormes sacrifícios, como ocorreu depois da crise da Dívida externa, em 1982.

    Apesar da forte recessão, a inflação, em vez de recuar, subiu em 2014 (para 6,4%) e em 2015 (10,7%). Só começou a recuar em 2016. Nilson Teixeira, economista-chefe do banco Credit Suisse, não tem que escrever carta ao ministro da Fazenda, mas já fez um detalhado estudo, junto com sua equipe, para entender por que o IPCA caiu além do esperado pelo BC e o mercado.

    Nilson constatou que, sim, a recessão explica uma parte da história, mas o que mais derrubou a inflação no ciclo atual foram os preços dos alimentos, que nos 12 meses acumulados até janeiro de 2016 registraram variação de 14,2% e, nos 12 até agosto deste ano, queda de 5,2%.

    O clima favorável favoreceu a produção de uma safra recorde e uma sobreoferta de produtos alimentícios. Com isso, o item alimentos contribuiu com 3,2 pontos percentuais do recuo de 8,2 pontos do IPCA observado entre janeiro de 2016 e agosto deste ano. No caso dos produtos industrializados, a inflação caiu, no período mencionado, de 6,5% para 0,7%. Já os preços dos serviços recuaram de uma variação de 7,9% para 4,8% e os administrados, de 17,2% para 6,3%.

    Nilson e sua equipe identificam três grandes ciclos de desinflação desde 1999. O primeiro, ocorrido em 2003, foi o mais forte: o IPCA acumulado em 12 meses caiu 11,9 pontos percentuais entre maio daquele ano e abril de 2004, de 17,2% para 5,3%. O segundo ciclo se deu entre abril de 2005 e março de 2007, quando a inflação caiu de 8,1% para 3%, portanto, um recuo de 5,1 pontos percentuais. O ciclo atual, com queda de 8,2 pontos, é o segundo mais forte.

    O estudo nota que o período de desinflação de 2003 foi mais disseminado que o atual. “Economias com processos disseminados de desinflação tendem a ter reajustes de preços menores quando comparadas aos casos com redução da inflação mais concentrada em produtos específicos”, diz Nilson Teixeira. “O atual ciclo tem uma alta concentração de itens com pouca ou nenhuma contribuição para o aumento da inflação. Dentre os 52 subgrupos do IPCA, apenas dois tiveram aumento de preços: plano de saúde (contribuição para o IPCAde 3,8 pontos percentuais) e calçados e acessórios (1,5 ponto).”

    No atual ciclo, a inflação acumulada em 12 meses caiu lentamente entre janeiro e agosto de 2016 – de 10,7% para 9% – graças ao recuo dos preços administrados, que no ano anterior haviam subido de forma significativa. Em seu primeiro mandato, interessada em reduzir a taxa de Juros na marra, Dilma ordenou que os preços dos combustíveis não fossem corrigidos de acordo com os preços internacionais. Além disso, derrubou de forma artificial as tarifas de energia.

    A queda do IPCA se acelerou a partir de setembro. A ajuda crucial da safra agrícola, além da apreciação da taxa de Câmbio, do aumento do desemprego e, por último mas não menos importante (na humilde opinião desta coluna), da melhora das expectativas dos agentes econômicos, jogou a inflação para níveis historicamente baixos. As expectativas melhoraram porque a mudança de comando da economia foi radical, com a ida de Henrique Meirelles para a Fazenda e de Ilan Goldfajn, para o BC, na troca de governo.

    Nilson estima uma contribuição menor das expectativas no atual processo de desinflação. “A inflação de preços livres explicada pelas expectativas de inflação diminuiu de 2,8 pontos percentuais no início do ciclo para 1,8 ponto em junho de 2017. Considerando o índice IPCA (preços livres e administrados) e o seu coeficiente de expectativas, o recuo da contribuição das expectativas foi de 2,1 pontos para 1,4 ponto no mesmo período. Este recuo só não foi maior por causa da alta inércia inflacionária”, explica o economista-chefe do Credit Suisse. E a inércia, como se sabe, aumentou muito nos últimos anos graças aos ideólogos da Nova Matriz, para quem um pouco mais de inflação não faz mal porque permite que a economia cresça mais rapidamente (um falso axioma).

    Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

    E-mail: cristiano.romero @valor.com.br

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

    Matéria anteriorPrograma de demissão voluntária do governo preocupa sindicato de analistas do Banco Central
    Matéria seguinteAnálise: Ilan dá mais ênfase à queda da taxa de juro estrutural