por Valmir Ribeiro
edição de Grace Maciel
A Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB, participou, nesta segunda-feira (1), da audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), do Senado Federal, destinada a discutir o direito de greve no serviço público, com o objetivo de perseguir e consolidar um projeto que possibilite estender este direito constitucional aos servidores.
Requerida e coordenada pelo senador Paulo Paim (PT/RS), a audiência reuniu parlamentares, sindicalistas, juristas e representantes do executivo federal. Houve consenso entre os participantes de que não dá pra falar em direito de greve sem antes regulamentar a negociação coletiva para os trabalhadores do serviço público. Os representantes sindicais argumentaram que negociar um texto de consenso em torno do Projeto de Lei – PL 287/2013, seria um bom caminho para dirimir as questões em torno da atividade sindical dos servidores públicos brasileiros.
O projeto dispõe sobre as relações do trabalho, o tratamento de conflitos, o direito de greve e regulamenta a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, estabelecendo as diretrizes da negociação coletiva no âmbito da administração pública dos Poderes da União , dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No entanto, em relação ao PL 287, os sindicalistas foram alertados sobre os riscos da manutenção do artigo 15, que prevê a possibilidade do titular do poder editar o texto, ignorando, todo ou em parte, diversas questões submetidas a exaustivas negociações com as categorias interessadas. Outro problema relacionado ao projeto é a proibição de que as categorias de servidores que executam atividades de segurança, ou armados, tenham direito a greve. Entre outros pontos aonde ainda não se construiu consenso entre as entidades sindicais, estes dois últimos foram os mais debatidos durante o encontro.
O diretor de Assuntos Legislativos da CSPB, João Paulo Ribeiro (JP), apontou como problema contido no texto do PL 287/2013: a não permissão ao direito de greve a todos os servidores que, no exercício de suas atividades, portem armas de fogo. “Há incoerência de que os servidores da área de segurança não podem fazer greve. Se for assim, os auditores e fiscais federais também estariam impossibilitados de, legalmente, paralisarem suas atividades para reivindicar suas demandas. Precisamos buscar alternativas à essas questões, antes de encaminhar o PL 287/2013 ao senador Paulo Paim. Não dá pra limitar greve. Nós estamos em um país democrático. Defendemos que até os servidores das Forças Armadas tenham direito a instrumentos de negociação equivalentes aos demais trabalhadores”.
JP também criticou os parâmetros que dividem as carreiras dos servidores. “Para nós, todos os trabalhadores contratados por concurso público pertencem ao grupo das carreiras típicas de Estado. É preciso jogar uma luz ao tema de maneira a eliminar essa confusão para evitar discriminações e eventuais prejuízos para determinadas categorias”, argumentou o representante da CSPB, na ocasião.
O secretário de relações do trabalho do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, Sérgio Mendonça, afirmou que não dá para discutir direito à greve sem negociação coletiva e organização sindical.
A licença classista foi outro tema debatido na audiência. Para o representante do governo, com a apresentação de um projeto menos dispendioso do ponto de vista do impacto orçamentário, há ambiente para a retomada de negociações com o governo. “Não há, na minha avaliação, uma impossibilidade de discutir o mandato classista após o veto da presidenta. O projeto foi vetado por estender demais os benefícios e estar fora os parâmetros econômico/financeiros de que o governo dispunha naquela ocasião”.
Mendonça defendeu a equiparação de direitos em relação à legislação sindical do setor privado, mas apontou algumas diferenças que, na sua avaliação, são cruciais entre as categorias da iniciativa privada e do setor público: “no setor privado, o empregador, ao se deparar com aumentos salariais, busca, mais na frente, uma redução do quadro de funcionários como meio recompor o acréscimo de despesas advindas dos reajustes salariais. Essa situação coloca esses trabalhadores em condição de desvantagem aos servidores públicos”, disse.
Acompanhe, abaixo, trechos dos debates travados na CDH do Senado Federal:
O diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais do Sindfisco Nacional, José Devanir de Oliveira, defendeu que a receita do governo federal aumentou significativamente nos últimos anos, mas que, inexplicavelmente, a parcela dos investimentos em serviços públicos, percentualmente, segue em declínio ano após ano. “Em reunião com o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, Nelson Barbosa, ouvimos o argumento do governo de que não há espaço fiscal para atender as propostas de reajustes dos servidores. O que nos parece cada da mais evidente é que, para o governo, o servidor é sinônimo de despesa, não de investimento. Como consequência desse descaso, os servidores estão sofrendo, por exemplo, uma reforma previdenciária via Medida Provisória (MP). Como falar do direito de greve quando os gestores seguem desrespeitando o artigo 37 da CF, que determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência? Essa regra segue, até os dias atuais, condicionada a uma lei específica que ainda não foi, quase 30 anos após a criação da nossa carta magna, implementada”, argumentou.
Para o secretário-geral do Fórum Nacional Permanente das carreiras Típicas de Estado – Fonacate, Rudnei Marques, o governo brasileiro está com “crise de identidade” e, por esta razão, vem perdendo credibilidade junto a setores historicamente progressistas da sociedade. “O Partido dos Trabalhadores (PT) teve sua gênese nos movimentos sociais, como, também, na luta sindical dos servidores. Nos causa estranhamento essa postura incoerente com a trajetória histórica do partido. Permanecemos negociando, desde 2003, sem qualquer avanço no que se refere à implemantação dos princípios estabelecidos na Convenção 151 da OIT. Enquanto isso, milhares de trabalhadores do serviço público seguem sendo penalizados pela ausência de legislação a garantir seu direto de greve. Situação, esta, que judicializa nossas paralizações que ocorrem, quase sempre, para abrir negociação com o governo. Além do quê, esses vereditos judiciais, via de regra, são frequentemente deferidos em desfavor dos servidores.
O secretário adjunto de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores – CUT, Pedro Armengol, criticou a postura autoritária do Estado brasileiro em relação aos servidores. “Nós temos a sensação de que temos, ainda, um estado autoritário. O problema do estado brasileiro é que ele não reconhece a necessidade de criar a relação bilateral de trabalho do governo com o serviço público. Já está virando senso comum de que a greve é legal desde que ela garanta 100% de atendimento ao público. Hoje, ao menos na área federal, a justiça exige, em media, que cerca de 70% dos servidores de uma determinada categoria permaneça trabalhando em período de greve. Isso inviabiliza qualquer poder de pressão desses servidores por melhores condições de trabalho e de salário. Como exemplo, com apenas uma semana de greve, o Sindicato dos Professores do Distrito Federal – Sinpro-DF, já acumula 2 milhões de reais de multas judiciais. Essa é somente uma pequena demonstração da condução autoritária do Estado brasileiro que, infelizmente, atravessa governos. ”
Pedro destacou a importância de providenciar uma reunião das centrais com a Fonacate para buscar um texto de consenso ao PL 287. “Estou certo de que restam apenas pequenos detalhes para apararmos as arestas e encaminharmos uma proposta consensuada entre as entidades sindicais”.
O senador Hélio José (PSD/DF), que também é servidor público, argumentou que a categoria “analista de infraestrutura” foi discriminada ao ficar de fora da Medida Provisória MP 440, que reestrutura as carreiras típicas de Estado. “A categoria foi criada para destravar as obras do PAC. E hoje, em plena crise econômica, nada mais equivocado do que desvalorizar estes servidores”.
Já o senador José Medeiros (PPS/MT), denunciou o que ele avalia como uma crise de prioridades do governo. “Só no ano passado, em 2014, nós pagamos mais 170 bilhões de reais apenas com juros e descobrimos que, apesar disso, nossa dívida só cresce. Enquanto isso os servidores públicos seguem lutando contra restrições orçamentárias para o atendimento de suas legítimas demandas. Nos últimos anos não há, por parte de muitas categorias do serviço público, nem mesmo, pedidos de aumento. O que a maioria delas reivindica é apenas a reposição inflacionária e a manutenção de seus direitos. Isso demonstra quão desigual está a relação de forças entre esses trabalhadores em relação ao projeto neoliberal do Estado brasileiro”.
O representante da FenaPRF advogado especialista em Direito do Servidor, Organizações Sindicais e Associativas, Rudi Cassel, argumentou que é um contrassenso dizer que a greve é efetivamente constitucional sem antes regulamentar a negociação coletiva. O advogado alertou os participantes sobre um dispositivo que pode comprometer todo o texto PL 287/2013. “O artigo 15 não é bom para os trabalhadores do serviço público. Ele permite ao titular do poder a possibilidade de editar o texto. Isso propicia que essas autoridades possam refazer todo o texto negociado. Eu proponho, na minha avaliação jurídica, que o artigo 15 seja retirado do PL 287/2013”, defendeu o advogado.
Já o diretor de Relações Externas do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central do Brasil – Sinal, Luis Carlos Paes de Castro, enfatizou a ascensão da agenda conservadora como um dos mais relevantes fatores que dificultam o atendimento das principais demandas do movimento sindical brasileiro. “O avanço do conservadorismo no parlamento está trazendo grandes dificuldades ao atendimento dos interesses da classe trabalhadora. A Câmara dos Deputados, ao aprovar o financiamento de empresas a partidos políticos, desequilibra a disputa democrática e abre grandes brechas para a entrada da corrupção na esfera política. Precisamos que a sociedade compreenda que a luta sindical está, na verdade, buscando um modelo de desenvolvimento socialmente avançado. Infelizmente nós estamos ainda muito presos a esse modelo de estado mínimo que, como todos sabem, não coloca o país no caminho de um modelo de desenvolvimento sustentável e duradouro. Essa política econômica do governo é, na verdade, a receita da recessão”, disse.
Após os discursos dos demais integrantes da mesa de debates, Sérgio Mendonça argumentou que não faz sentido discutir greve sem o tripé da negociação coletiva e da organização sindical. O representante do governo, rebatendo as críticas dos convidados, alegou que, em 2003, o Governo Federal, de maneira “inédita”, estabeleceu uma Mesa Nacional de Negociação Permanente. “Surpreende-me que os dirigentes sindicalistas digam que não há negociação. Este governo tem 153 acordos resultantes das negociações com as entidades sindicais. Este governo tem 153 acordos resultantes das negociações com as entidades sindicais. Além disso, mais de 250 mil novos servidores públicos foram contratados por este governo com aumento real de 50% dos gastos no setor subtraindo a inflação do período. No entanto, algumas dificuldades para eventuais avanços se dá em outras esferas. Há, por exemplo, uma enorme resistência das prefeituras municipais em relação à negociação coletiva. Concordamos que existe um fortalecimento da agenda neoliberal, no entanto, essa hegemonia precisa encontrar resistência, sobretudo, do movimento sindical. O governo precisa desse reforço para equilibrar as forças políticas e avançar, ainda mais, nas pautas de interesse dos trabalhadores”, disse o secretário.
O servidor da Controladoria Geral da União – CGU, Felipe Leal, questionou o perfil democrático do governo nas negociações com os servidores: “o Governo Federal estabelece, de maneira unilateral, as diretrizes das negociações. Não há um processo de arbitragem quando o governo, sozinho, determina os parâmetros dessas negociações?”.
Sérgio Mendonça lembrou o papel administrativo do Governo Federal. “Nós não podemos descolar nossa realidade social do serviço público do país. Nós temos, em média, 10 mil dólares de renda percapita no Brasil. Nos EUA, esse valor é de 50 mil dólares. Nós precisamos discutir de acordo com nossa realidade econômica se quisermos promover justiça social. Não dá pra fugir disso”.
* Imagens de Júlio Fernandes
Secom/CSPB
Fonte: Portal da CSPB