Em mais uma manobra para atrasar o processo que pode resultar na cassação de seu mandato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu através da ação de seus aliados destituir o relator de seu caso no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato (PRB-SP).
O colegiado, que abriu processo contra Cunha no início de novembro, terá agora de reiniciar todo o trâmite do zero. O sorteio de uma nova lista tríplice foi realizado já ontem e o jornalista e advogado Marcos Rogério (PDT-RO), deputado em seu segundo mandato, será anunciado hoje oficialmente como novo relator.
Ele apresentará parecer pela admissibilidade do processo contra Cunha. Integrantes da cúpula do Conselho de Ética preparam ainda um revide: A ideia é aprovar uma medida em prol do afastamento cautelar do presidente da Câmara enquanto o processo que pode resultar na sua cassação tramitar na Casa.
O argumento será de que Cunha usa o cargo para promover manobras que emperrem o processo. Outra possibilidade estudada é recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o afastamento e à Procuradoria Geral da República (PGR). As propostas serão apresentadas hoje no Conselho de Ética, mas Cunha já se antecipou à articulação: ele enviou petição ao STF se defendendo dessa hipótese de um eventual pedido da Procuradoria Geral da República para que se afaste do cargo.
A petição foi encaminhada ao ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no STF, dentro do inquérito que investiga as contas secretas atribuídas a Cunha na Suíça.
No documento, os advogados de Cunha acusam seus adversários no Congresso de usarem a PGR em um jogo político para tentar afastá-lo. “Com o devido respeito, o que fica claro através da análise dos acontecimentos recentes é a tentativa, nem um pouco velada, dos adversários políticos do ora peticionante de utilizar indevidamente o MPF como instrumento de uma disputa política”, afirma a petição, assinada pelos advogados Antonio Fernando de Souza e Alexandre José Garcia de Souza.
A petição menciona que parlamentares participaram de audiência recentemente com Rodrigo Janot para relatar interferências de Cunha nos trabalhos da Comissão de Ética.
Para evitar incorrer no mesmo problema tido com o parlamentar do PRB na escolha do novo relator, Araújo excluiu do procedimento todos os conselheiros que integram ou integraram blocos com o PMDB nesta legislatura.
Pinato se tornou impedido de tocar o processo a partir de uma questão de ordem levantada por um aliado de Cunha, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB). Valendo-se de um dispositivo normalmente usado para evitar que acusados se beneficiem com a relatoria de aliados, Júnior apontou que o regimento interno veta que o parecer seja elaborado por um deputado do mesmo partido, bloco parlamentar ou Estado do denunciado. O PRB participou de um amplo bloco parlamentar com o PMDB, por ironia, justamente para a eleição de Eduardo Cunha como presidente da Câmara. O PRB e outros partidos desembarcaram do bloco no dia seguinte ao pleito.
Como Cunha não poderia tomar a decisão, coube ao vice, Waldir Maranhão (PP-MA), outro aliado do presidente, dar provimento ao recurso que afastou Pinato da relatoria.
“Não posso aceitar de bom grado essa decisão. Acho que é um golpe. Foi uma violência ao Conselho de Ética. Do jeito que as coisas estão, essa Casa vai ter que fechar porque está faltando respeito”, disse Araújo. Questionado se Cunha tem atuado para interferir no processo, o presidente do Conselho de Ética indagou: “Você acha que o vice-presidente da Casa ia escrever uma pérola daquela se não tivesse sido orientado para fazer?”.
Araújo e Pinato chegaram a anunciar que recorreriam, mas a Secretaria-Geral da Mesa afirmou não caber recurso à decisão. Frustrado, o deputado do PRB lembrou ainda que sofreu ameaças enquanto ocupou a relatoria. “Abordaram pedindo para eu pensar na minha família, em aeroporto, meu motorista foi abordado por desconhecidos. Contratei segurança. Tenho policial militar dormindo na minha casa. Um amigo emprestou carro blindado”, contou.
Já Cunha, que garantiu mais tempo para defender sua permanência na cadeira, negou que tenha interferido nas atividades do Conselho e disse que é Araújo quem burla o regimento da Casa. “A cada hora há manobras dentro do Conselho com intuito claro de descumprir o regimento”, acusou.
Cunha se disse “cansado” de ser acusado de usar o cargo para se proteger de investigações. “Essas insinuações, estou cansado. Quero que me apontem decisões anti-regimentais minhas. Eu que tenho que questionar e não ser questionado”, concluiu.
Fonte: Valor Econômico