Em uma decisão inédita e unânime, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam Eduardo Cunha (PMDB-RJ) de suas funções como deputado e presidente da Câmara dos Deputados. Os ministros seguiram o voto do relator, Teori Zavascki, responsável pela Operação Lava-Jato no STF, que havia concedido na manhã de ontem liminar afastando o pemedebista do Legislativo.
A decisão do STF não anula as decisões que o pemedebista tomou no comando da Câmara, entre elas as relacionadas ao processo de impeachment de Dilma. Ao referendar a decisão de Teori Zavascki, os ministros já julgaram o mérito da ação. Mas, ainda assim, a defesa de Cunha deve recorrer.
A suspensão será válida enquanto o Supremo entender que existem os “riscos” apontados pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, em seu pedido de afastamento, feito em dezembro. Na ocasião, Janot argumentou que Cunha usava o cargo para obstruir investigações contra si por corrupção na Operação Lava-Jato e no Conselho de Ética. Cunha mantém o foro privilegiado, que só deixa de existir caso os parlamentares cassem seu mandato.
Em sua decisão, o ministro Teori concordou com os argumentos de Janot e acrescentou que “a tentativa de ocultar possíveis crimes e a interferência nas investigações são, obviamente, potencialmente elevados” se Cunha assumir a Presidência da República – o presidente da Câmara será o primeiro na linha sucessória da presidência, caso Dilma seja afastada no processo de impeachment no Senado na próxima semana, como tudo indica.
Teori, no entanto, destacou a excepcionalidade da medida: “Decide-se aqui uma situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada”. Para o ministro, embora o afastamento de Presidente da Câmara não esteja previsto na Constituição, diante dos fatos apresentados pela PGR, a decisão é legitimada pelos “avanços civilizatórios endossados pelas mãos da Justiça”.
Os ministros não debateram a ação da Rede Sustentabilidade, que também pedia o afastamento de Cunha e avançava a discussão para toda a linha sucessória da presidente, o que inclui o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O relator da ação, Marco Aurélio, havia pautado o pedido na quarta-feira.
Mas a liminar concedida por Teori na madrugada de ontem acabou centralizando as discussões e Marco Aurélio desistiu de pautar a ação da Rede. Ele considerou que o julgamento desta ação não seria tão urgente porque Renan Calheiros, o seguinte na linha sucessória, ainda não é réu, embora tenha dez inquéritos no Supremo.
Ao acompanhar o relator, o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, reafirmou a legalidade da medida e afirmou que esta foi “extremamente comedida” porque o ministro poderia ter decidido pela “prisão preventiva ou de outras alternativas que tinha à disposição”.
Lewandowski também afirmou que o Supremo está atuando dentro de sua competência jurisdicional e já atuou de maneira semelhante em assembleias legislativas ou municípios.
Ao votar, a maioria dos ministros destacou a excepcionalidade da medida e garantiu que esta não significa uma interferência indevida do Poder Judiciário no Legislativo. “Não há aqui nenhuma abordagem que se possa aludir a uma invasão de um Poder sobre o outro”, disse Fux ao proferir seu voto.
Para Marco Aurélio, a necessidade de debater sobre o afastamento de um presidente da Câmara é “extraordinária”, “excepcionada” e “pontual”.
Cármen Lúcia classificou a situação como “excepcionalíssima”. “O Supremo Tribunal Federal nesta decisão não apenas defende e guarda a Constituição, como é da sua obrigação, como defende e guarda a própria Câmara dos Deputados para resguardar todos os princípios e regras que têm de ser aplicadas. Uma vez que a imunidade do cargo não pode ser confundida com impunidade”, disse a ministra.
Já Celso de Mello disse que a Lava-Jato revelou a “aliança espúria” existente entre o público e o privado: “Os fatos emergentes da determinada ação Lava-Jato, que alegadamente envolvem participação do presidente da Câmara dos Deputados, sugerem que existem no âmago do aparelho de Estado uma aliança espúria de agentes públicos de um lado e de agentes privados de outro”.
Cunha foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República em agosto de 2015 e a ação foi recebida em março pelo Supremo – ele então virou réu. A PGR acusa Cunha de ter recebido entre 2006 e 2010 US$ 5 milhões em propina desviada de contratos para a aquisição dois navios-sonda pela Petrobras para operar no Golfo do México e na África. Ele também teria orquestrado esquema para pressionar empresários a pagar propina via requerimentos para prestar esclarecimentos em audiências na Câmara dos Deputados.
Principal fiador do pedido de impeachment da presidente Dilma, Cunha sai do comando da Câmara às vésperas da votação do Senado que vai decidir sobre o afastamento da petista.
Fonte: Valor Econômico