Depois de protagonizar rebeliões abertas contra o Planalto ao longo do ano passado, peemedebista é eleito presidente da Câmara no 1º turno. Traições da base aliada contribuíram para o resultado
O governo Dilma sofreu ontem a maior derrota política dos últimos anos com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados. Amparado pela traição mais ou menos aberta dos deputados da base aliada, o peemedebista conseguiu tirar votos do adversário Arlindo Chinaglia (PT-SP). Apoiado pelo Planalto, o petista viu os 160 votos dos parlamentares do bloco, oficializado na tarde de ontem, se reduzirem a 136 deputados na hora da urna. Embora tenha adotado um tom conciliador no discurso feito logo após a vitória, Cunha deixou claro que a relação com o governo se dará em outro patamar a partir de agora: a fatura virá salgada, e a governabilidade, quando houver, terá de ser negociada caso a caso. Para deixar claro, disse que a primeira matéria a ser pautada será o 2º turno da PEC do Impositivo, que obriga o Planalto a executar as emendas dos parlamentares.
Ao bloco de Cunha, formado oficialmente por PP, PTB, DEM, PRB, Solidariedade, PSC e mais seis partidos nanicos, além do PMDB, caberão ainda a 1ª vice-presidência da Casa, que será ocupada por Waldir Maranhão (PP-MA), e a escolha da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pela qual todos os projetos de lei têm de passar antes de ir a plenário. Na tentativa de garantir o apoio dos partidos da base, o PT ofereceu aos integrantes do seu bloco os cargos que lhe caberiam na Mesa dentro do sistema de escolhas, e poderá ficar fora da direção da Casa nos próximos dois anos.
“Quando foram feitos os acordos, o PT, sem nenhum bloco, teria duas vagas na Mesa. Quando se formou o bloco, quem negociou estabeleceu que, se ganhássemos, nós abriríamos mão das nossas vagas. Em perdendo, teríamos a vaga. Isso foi combinado”, disse Chinaglia após a derrota, mas detalhar que cargo seria. Em coletiva, o petista minimizou a derrota. “Seja o Poder Executivo ou o Judiciário, a relação com o Legislativo sempre será respeitosa. A presidência não serve para atacar o governo e muito menos para defender. Isso não me preocupa. Agora, o governo terá que constituir a sua maioria”, disse Chinaglia, que também lembrou o fato de o partido ter a maior bancada da Câmara.
“O governo sempre terá, pela sua legitimidade, a governabilidade que a sua maioria poderá dar, no momento em que ela for exercida, se for exercida. Então, há aqui uma palavra de serenidade, de tranquilidade. E não há da nossa parte nenhum julgo de retaliação ou qualquer coisa dessa natureza. Nós assistimos a uma tentativa de interferência do Poder Executivo, ou de parte dele, dentro da eleição do Poder Legislativo. Mas, o parlamento, pela sua independência, sabe reagir. E ele reagiu no voto, na escolha”, disse Cunha em um breve discurso, logo após o anúncio do resultado. A campanha de Cunha providenciou chuva de papel picado no plenário e queima de fogos na Esplanada, além de festa em chácara do Lago Sul. Embora tenha sido o principal prejudicado, a traição não se resumiu a Chinaglia: Júlio Delgado (PSB-MG), que concorreu com o apoio do PSDB, do PV e do PPS, teve 100 votos, 6 a menos que o número de deputados de seu bloco. Chico Alencar (PSol-RJ) teve 8 votos, 3 a mais que a bancada do PSol.
Conformismo
No grupo que apoiou o petista, as reações variavam do conformismo à revolta. “O Eduardo Cunha é um candidato do governo, não dá pra dizer que não é. Nós vamos ter que trabalhar com essa situação. Espero um trabalho em prol do país, não acho que vá ser uma ação de ressentimento. O mundo não vai acabar por isso”, amenizou o atual presidente da CCJ, deputado Vicente Cândido (PT-SP). “Algumas pautas já eram difíceis. Reforma política e regulamentação da comunicação, por exemplo, já precisariam da pressão da população de qualquer forma. Agora vão precisar mais ainda, ficaram mais difíceis ainda. Acho que a sociedade brasileira perde com esse resultado”, pontuou a líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), expressando o “não dito” nas falas dos petistas após a derrota. “A reforma política que ele diz é a pior possível, é a que constitucionaliza o financiamento privado”, disse.
Entre os petistas, houve inclusive quem criticasse a aposta elevada na candidatura de Chinaglia, antes mesmo de proclamado o resultado. “O PT agiu muito mais pensando no governo, ao montar essa lista para a Mesa, do que do ponto de vista da bancada. Até se cogitou um acordo com Cunha, mas desde o começo ele (Cunha) deixou claro que não estava disposto a fazer acordo. O clima que foi se construindo aqui ao longo de 2014 já indicava um desfecho como esse”, disse um petista do Rio Grande do Sul. O partido se reúne nesta terça, às 11h, para tentar avaliar a conjuntura. Para o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), reconduzido à liderança do partido, o Planalto colheu o que plantou. “Isso mostra a desarticulação e o tamanho do governo dentro do Congresso. O esgarçamento das relações chegou a tal ponto que o PT está fora da Mesa Diretora e das principais comissões. É algo nunca antes visto para um partido que tem a maior bancada”, disse.
Fonte: Correio Braziliense