Tradicionalmente, os servidores do BC, considerados parte da elite do funcionalismo, não costumam fazer reivindicações públicas, agora têm destacado o “desmonte” da instituição
O mau humor não é de hoje. Há um desgaste com o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, desde o ano passado, quando a categoria fez a maior greve de sua história, sem grandes vitórias. Agora, a avaliação local é a de que a piora do ambiente de trabalho está tão grande e contrastante com outras categorias, já com promessas de bônus salariais e concursos, que profissionais buscam alternativas para suas carreiras. A mudança de postura se dá porque há a percepção de que a situação “degringolou”.
Uma das reclamações é de que não há equipes suficientes para tocar os projetos considerados essenciais pelo Banco Central, como desenvolvimentos do Pix, moeda digital e Open Finance. O último concurso foi em 2013. De lá para cá, áreas foram reduzidas à metade.
Alguns profissionais já têm buscado vagas no setor privado, alegando que “do outro lado da rua” está bem melhor para trabalhar. O setor de tecnologia, de acordo com relatos, é o que mais tem se adiantado ao movimento. A avaliação interna é a de que estão “indo de graça” para outras empresas privadas. Os pedidos para funcionários serem cedidos para o mercado ou para organismos internacionais estão ocorrendo “a quilo”.
De saída do cargo de diretor de Fiscalização, Paulo Souza, que é servidor da autarquia, foi bastante enfático ontem sobre os problemas enfrentados pela categoria em evento do cooperativismo hoje dentro da instituição. “O BC vem passando por uma crise institucional. Tivemos a maior greve da história. Em 25 anos de carreira, eu nunca vi… O BC sofreu um desmonte nos últimos dez anos”, disse ele.
Em sua fala, Souza comentou que a questão não é só salarial, mas a assimetria com outros órgãos e dentro do próprio BC, em que pessoas que não estão na área finalística ganham mais do quem está “na missão principal do banco”. Sem citar diretamente, o diretor está se referindo a servidores da área de procuradoria, situação que há tempos incomoda os servidores do BC pelo fato de os salários pagos a esses funcionários logo quando chegam ao banco serem equivalentes aos de diretores, um dos ápices da carreira da autoridade monetária.
“Os penduricalhos em outras categorias estão trazendo grande revolta interna. A categoria quer tratamento igualitário para continuar a entregar o melhor serviço”, disse, sem mencionar o bônus de produtividade da Receita. A temperatura no BC voltou a aumentar justamente após o governo publicar um decreto para regulamentar o bônus de eficiência do Fisco, algo pleiteado também pelos servidores da autoridade monetária.
“Hoje, com o Pix, é preciso trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, não é possível que não tenha uma regulamentação mínima de sobreaviso”, completou o diretor.
Hoje, o diretor de Regulação, Otávio Damaso, também fez coro sobre o “desmonte da instituição”, ressaltando que o corpo funcional do BC caiu pela metade nos últimos anos, beirando os 3 mil hoje, de 7 mil no início da década passada. Os pares de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, Renato Gomes, e de Relacionamento, Mauricio Moura, também reconheceram a importância do movimento recentemente.
No mesmo evento de Souza, o chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias (Desuc), Harold Espinola, também comentou sobre o assunto, ressaltando o profissionalismo do quadro de pessoal. “Há exemplos de entrega de toda a ordem em todas as demais áreas do BC e só para citar a mais famosa ultimamente: o Pix. Mas são inúmeras, diversas, algumas silenciosas, que as pessoas não percebem, outras ostensivas. Entretanto, como disse o Paulo, há mais de dez anos não temos concurso e, consequentemente, reposição de quadros”, defendeu.
“E tão importante quanto isso é a atenção ao resgate de uma adequada política de remuneração que seja coerente com as demais carreiras típicas de Estado. Isso é imprescindível para reter e atrair novos servidores. Não adianta ter concurso se não for atrativo, se a pessoa não fica. A recorrente e crescente deterioração dessas condições está fragilizando e pondo em risco cada vez mais a nossa capacidade de entrega para a sociedade.”
Outro que se pronunciou abertamente sobre a deterioração durante a CPI da Americanas foi o chefe do Departamento de Monitoramento Gilneu Astolfi Vivan. “Precisamos refletir sobre o que a gente quer a respeito dos órgãos reguladores, que passaram por um processo de desmonte nos últimos dez anos”, disse, citando a chegada de novas instituições ao mercado, com aumento da quantidade de trabalho e também como uma consequência dos avanços tecnológicos.
Se não bastasse o aumento das atividades nos últimos anos, com o avanço da agenda de tecnologia e competição, em meio à redução do quadro funcional, na semana passada, o BC ganhou mais uma missão: o de regulador do mercado de criptomoedas.
Responsável pelo departamento que dá autorização ao funcionamento das instituições reguladas pelo BC, Carolina Bohrer, fez um apelo para a realização de concurso para que o BC tenha condição de agregar essas novas funções. “Precisamos reforçar os quadros do BC para fazer o nosso trabalho. Temos um pedido de concurso junto ao Ministério de Gestão.”
O Ministério da Gestão já anunciou a realização de concursos para áreas do funcionalismo federal este ano, mas não contemplou o BC. Segundo a ministra Esther Dweck, o pleito do BC está sendo analisado para o ano que vem, mas ponderou que já há pedidos para 70 mil novas vagas na Esplanada e que nem todos poderão ser atendidos.
Nos bastidores do BC, há quem entenda que os pleitos da autarquia não devem ser atendidos enquanto Campos Neto estiver à frente da autoridade monetária — considerando que o governo Lula está em guerra aberta contra ele. Ontem, em nota, o presidente do Sindicato Nacional de Funcionários do BC (Sinal), Fábio Faiad disse que “a responsabilidade pela política atual de taxa de juro” não é dos servidores, mas dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom).
Fonte: Exame