A presidente Dilma Rousseff recuou da disposição de liderar um movimento pela realização de novas eleições presidenciais neste ano. A dois dias do início da votação da admissibilidade do impeachment, quando os senadores deverão afastá-la do cargo, a presidente optou pela estratégia de resistir até o fim. Consciente do iminente afastamento, ela quer deixar o Palácio do Planalto pela porta da frente. Dilma pretende descer a rampa escoltada por ministros e aliados. No fim do percurso, a ideia é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a receba, do meio de uma multidão de apoiadores de seu governo.
Salvo uma improvável reviravolta no mundo político, tudo indica que a maioria dos senadores aprovará a admissibilidade do impeachment, conforme recomenda o parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), na votação em plenário programada para começar na quarta-feira. Por isso, nesses três últimos dias, antes do afastamento compulsório, Dilma usará como puder o cargo e a caneta.
Depois do afastamento, Dilma investirá em duas frentes: uma é a tentativa de obter 28 votos para voltar ao cargo. Hoje o Planalto contabiliza 21 votos contrários ao seu impedimento. Simultaneamente, Dilma tentará anular o processo no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que o impeachment é fruto de “chantagem” do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado do cargo pelos ministros da Corte constitucional.
Até lá, Dilma investe na exposição pública. Hoje ela inaugura, ao lado do prefeito Paulo Garcia, que é do PT, o Terminal 2 do Aeroporto de Goiânia, obra que ficou paralisada durante anos, devido a irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Amanhã ela reafirma o discurso de que é vítima de um “golpe”, travestido de impeachment constitucional, na Conferência Nacional das Mulheres. Ela ainda cogita assinar a criação de novos campi universitários até quarta-feira.
Até a semana passada, Dilma estava inclinada a apoiar a proposta de um grupo de senadores independentes que defende a realização de novas eleições neste ano como alternativa para superar a crise política. Mas em reunião com lideranças de movimentos sociais, ela exigiu que houvesse consenso no grupo, já que a estratégia implica abreviar o seu mandato e um recuo no discurso de que não renunciará.
Nessa reunião, na semana passada no Planalto, Dilma ouviu do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, e do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, que eles eram contrários à tese das novas eleições.
O presidente do PT, Rui Falcão, também afirmou que se opunha à estratégia. Na avaliação desse grupo, Dilma aceitar a abreviação do mandato e propor um novo pleito significava “jogar a toalha” e rasgar o discurso de “resistência”. Como consequência, ela perderia o “apoio das ruas”.
Na outra ponta, seu núcleo político, formado pelos ministros Jaques Wagner (Gabinete Pessoal), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), José Eduardo Cardozo (Advocacia Geral da União), engrossado por outro grupo de movimentos, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), defendia que ela enviasse ao Congresso Nacional uma emenda propondo novas eleições, como uma “saída honrosa” para a crise política e o impeachment. Para esse grupo, a bandeira das “novas eleições” mobilizaria os brasileiros em torno de Dilma e constrangeria o vice-presidente, forçando da parte dele uma eventual renúncia.
Segundo uma fonte que acompanhou de perto os debates, a posição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era “ambígua”. Ele defendia a tese das novas eleições, mas sem convicção.
Sem alarde, Lula debateu a estratégia nos bastidores com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Aliado fiel de Renan, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) foi ao plenário do Senado, no começo de abril, lançar a ideia, como solução para a crise política: novas eleições para presidente da República em outubro, coincidentes com as eleições municipais.
Era um balão de ensaio. Bastou Raupp levar ao conhecimento público a proposta, para Renan defendê-la diante dos holofotes: “Acho que se a política não arbitrar saídas para o Brasil, nós não podemos fechar nenhuma porta, deixar de discutir nenhuma alternativa, nem essa de eleição geral ou fazer uma revisão do sistema de governo e identificarmos o que há de melhor no parlamentarismo e no presidencialismo”, disse Renan.
Mas o entorno de Michel Temer acusou o golpe. O vice-presidente alertou, por meio de interlocutores, que a emenda constitucional em gestação por novas eleições seria um “casuísmo” e poderia ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
A ideia não vingou. Na semana passada, diante da divisão dos movimentos sociais, da oposição do PT, da CUT e do MST, Dilma bateu o martelo e decidiu investir no discurso do “golpe” e da resistência. “Resistirei até o último dia”, discursou na sexta-feira.
Fonte: Valor Econômico